Teodoro de Edessa ou o Grande Asceta — Excertos da Philokalia
1. Nós que, pela graça (kharis) do bom Deus, renunciamos a Satã (diabolos) e a suas obras e nos juntamos ao Cristo no banho da regeneração e pela profissão monástica doravante guardamos seus mandamentos. Não somente a dupla promessa, mas também a dívida natural o exigem de nós. Deus, na origem, nos criou bons (agathon), e é isto que devemos ser. Mesmo se o pecado (hamartia) que nos entrou por nossa negligência nos conduziu ao que é contra natureza, fomos chamados pela abundante compaixão de nosso Deus, e fomos renovados pela paixão do Impassível. Fomos resgatados pelo sangue de Cristo, liberados da antiga transgressão transmitida pelo ancestral. Não há, portanto, nada de grande para nós em nos tornarmos justos. Mas ser destituído da justiça permanece uma coisa lamentável, e digna de ser condenada.
2. Uma obra boa feita sem fé (pistis) é morta e ineficaz, assim como apenas a fé (pistis) sem obras de justiça, não nos livra do fogo eterno (Hades).
3. Observando os mandamentos do Cristo não O conferimos em nada.
4. Fugir de todos que se opõem a vivermos segundo os mandamentos.
5. Concentrar todas as forças no cumprimento dos mandamentos, rompendo as ligações com os maus desejos (epithymia) e paixões (pathos) que corrompem a alma.
6. Aquele que vencido pelos desejos e os prazeres (hedone) e retorna ao mundo, cairá logo nas armadilhas do pecado (hamartia).
7. A alma (psyche) se torna selvagem quando caminha contra a natureza, mas sempre é possível converter-se a sua natureza própria pela aplicação e diligência, vivendo segundo a lei de Deus. Os anjos (aggelos) que guardam nossa vida vêm fazer desta conversão um dia de alegria.
8. Os Padres chamam a oração (euche) de arma espiritual. Não podemos ir a luta (agon) sem ela, para não sermos capturados e derrotados no país dos inimigos (diabolos). Não é possível adquirir a prece pura sem se ligar a Deus com um coração reto. Pois é Ele que dá a oração àquele que ora, e que ensina ao homem o conhecimento (gnosis).
9. Não depende de nós que as paixões (pathos) atormentem a alma (psyche) e que elas nos combatam. Mas está em nosso poder fazer que seus pensamentos (logismos) não se assentem em nós e nos perturbem. No primeiro caso, não há pecado (hamartia), pois não depende de nós. No segundo, se resistimos corajosamente e somos vitoriosos, seremos coroados. Mas se somos vencidos pelo relaxamento receberemos castigos.
10. As paixões nascem de três paixões fundamentais: o amor aos prazeres (hedone), o amor ao dinheiro (philargyria), o amor a vanglória (kenodoxia). Cinco outros espíritos de malícia (diabolos) as seguem, de onde se forma todas as demais paixões (pathos) e múltiplas formas de vício (kakia). Logo que venceu as três primeiras que guiam as demais, vence as cinco, e assim submete todas as paixões.
11. O que fizemos sob o efeito da paixão (pathos), a alma se lembra disto também com paixão. Mas quando as lembranças (anamnesis) apaixonadas desaparecem do coração e cessam de assaltar, é o sinal do perdão das faltas passadas. Pois tanto quanto a alma vive na paixão, a gente reconhece nela a dominação do pecado.
12. As paixões corporais e materiais diminuem e esgotam-se naturalmente com os sofrimentos do corpo. Mas as paixões da alma, as paixões invisíveis, desaparecem com a humildade (tapeinophrosyne), a doçura (praotes) e o amor (agape).
13. A temperança e a humildade consomem o desejo apaixonado. O amor adoça o ardor que queima. Uma oração intensa e a lembrança de Deus reúnem o pensamento que se perde. Assim se purificam as três partes da alma.
14. Alguns perguntam se o pensamento que suscita as paixões ou as paixões o pensamento. Uns afirmam isto, outros aquilo. Quanto a mim, afirmo que os pensamentos vêm das paixões. Pois se as paixões não estivessem na alma, seus pensamentos não a perturbariam.
15. É habitual aos demônios, que nos combatem sempre, fazer obstáculo ao que, nas virtudes, nos fortifica e nos convém, mas de nos deixar bem aberta a passagem para tudo que é fraco e inoportuno. Eles forçam aqueles que progridem na submissão a fazer as obras dos hesicastas. E reciprocamente eles põem nos hesicastas e nos anacoretas o desejo da regra cenobítica. Eles usam deste método para cada virtude. Mas não ignoremos seus pensamentos, saibamos ver todo bem que se faz em seu tempo e com medida, e inversamente conheçamos tudo o que aborrece e se faz sem medida e a contratempo.
16 Aqueles que estão no mundo e vivem na matéria mesma das paixões, os demônios os combatem e os assaltam lutando com eles na ação (praxis). Mas aqueles que estão nos desertos e de desde então agem pouco, eles os atormentam pelos pensamentos. O segundo combate é muito mais difícil que o primeiro. Um, através do que fazemos, é com efeito ligado ao tempo, ao lugar e à necessidade. O outro, aquele da inteligências, é muito fluido, e difícil de conduzir. Mas para combater nesta luta incorporal, nos foi dada a oração pura, e recebemos por lei dizê-la continuamente. Ela fortifica a inteligência e a prepara ao combate, pois ela pode se exercer mesmo sem o corpo.
17. O apóstolo divino significa a extinção das paixões quando diz que os discípulos do Cristo crucificaram a carne com as paixões e os desejos (epithymia). Quando com efeito fazemos morrer as paixões e desaparecer os desejos, e que submetemos ao Espírito a preocupação da carne, recebemos a cruz e seguimos o Cristo. Pois a anacorese não é naturalmente nada diferente da extinção das paixões e a manifestação da vida oculta em Cristo.