Suzuki: Eckhart on time

Original

While refraining from going into details we can say at least this: Eckhart’s Christianity is unique and has many points which make us hesitate to classify him as belonging to the type we generally associate with rationalized modernism or with conservative traditionalism. He stands on his own experiences which emerged from a rich, deep, religious personality. He attempts to reconcile them with the historical type of Christianity modeled after legends and mythology. He tries to give an “esoteric” or inner meaning to them, and by so doing he enters fields which were not touched by most of his historical predecessors.

First, let me give you the views Eckhart has on time and creation. These are treated in his sermon delivered on the commemoration day for St. Germaine. He quotes a sentence from Ecclesiasticus: “In his days he pleased God and was found just.” Taking up first the phrase “In his days,” he interprets it according to his own understanding:

. . . there are more days than one. There is the soul’s day and God’s day. A day, whether six or seven ago, or more than six thousand years ago, is just as near to the present as yesterday. Why? Because all time is contained in the present Now-moment. Time comes of the revolution of the heavens and day began with the first revolution. The soul’s day falls within this time and consists of the natural light in which things are seen. God’s day, however, is the complete day, comprising both day and night. It is the real Now-moment, which for the soul is eternity’s day, [5] on which the Father begets his only begotten Son and the soul is reborn in God.1

The soul’s day and God’s day are different. In her natural day the soul knows all things above time and place; nothing is far or near. And that is why I say, this day all things are of equal rank. To talk about the world as being made by God to-morrow, yesterday, would be talking nonsense. God makes the world and all things in this present now. Time gone a thousand years ago is now as present and as near to God as this very instant. The soul who is in this present now, in her the Father bears his one-begotten Son and in that same birth the soul is born back into God. It is one birth; as fast as she is reborn into God the Father is begetting his only Son in her.2

God the Father and the Son have nothing to do with time. Generation is not in time, but at the end and limit of time. In the past and future movements of things, your heart flits about; ir is in vain that you attempt to know eternal things; in divine things, you should be occupied intellectually. . . .3

Again, God loves for his own sake, acts for his own sake: that means that he loves for the sake of love and acts for the sake of action. It cannot be doubted that God would never have begot his Son in eternity if [his idea of] creation were other than [his act of] creation. Thus God created the world so that he might keep on creating. The past and future are both far from God and alien to his way.4

From these passages we see that the Biblical story of Creation is thoroughly contradicted; it has not even a symbolic meaning in Eckhart, and, further, his God is not at all like [8] the God conceived by most Christians. God is not in time mathematically enumerable. His creativity is not historical, not accidental, not at all measurable. It goes on continuously without cessation with no beginning, with no end. It is not an event of yesterday or today or tomorrow, it comes out of timelessness, of nothingness, of Absolute Void. God’s work is always done in an absolute present, in a timeless “now which is time and place in itself.” God’s work is sheer love, utterly free from all forms of chronology and teleology. The idea of God creating the world out of nothing, in an absolute present, and therefore altogether beyond the control of a serial time conception will not sound strange to Buddhist ears. Perhaps they may find it acceptable as reflecting their doctrine of Emptiness (śūnyatā).


Português

Embora abstendo-nos de entrar em pormenores, podemos dizer pelo menos o seguinte: o cristianismo de Eckhart é sui generis e, em muitos pontos, nos faz hesitar em classificá-lo como pertencente ao tipo que, geralmente, associamos ao modernismo [21] racionalizado ou tradicionalismo conservador. Baseia-se em suas próprias experiências que emergem de uma personalidade de profunda e rica religiosidade. Procura reconciliá-las com o tipo histórico de cristianismo modelado segundo as lendas e a mitologia. Tenta imprimir-lhes uma significação “esotérica” ou profunda e, assim fazendo, penetra em campos ainda não tocados pela maioria de seus predecessores históricos.

Quero apresentar ao leitor, em primeiro lugar, as concepções de Eckhart sobre o tempo e a criação, que são abordados no sermão pronunciado no dia de Santa Germana. Eckhart cita uma sentença do Eclesiástico: “Em seus dias, ele agradou a Deus e foi achado justo”. Tomando, primeiro, a frase “Em seus dias”, Eckhart a interpreta de acordo com seu próprio entendimento:

. . .há mais que um dia. Há o dia da alma e o dia de Deus. Um dia, seja há seis ou sete anos, ou há mais de seis mil anos, está tão perto do presente quanto ontem. Por quê? Porque todo o tempo está contido no momento presente. O tempo vem da revolução dos céus e o dia começou com a primeira revolução. O dia da alma ocorre dentro deste tempo e consiste na luz natural em que as coisas são vistas. O dia de Deus, porém, é o dia completo, compreendendo tanto o dia quanto a noite. É o verdadeiro momento presente, que para a alma é o dia da eternidade, no qual o Pai gera seu Filho unigênito e a alma renasce em Deus.5

O dia da alma e o dia de Deus são diferentes. Em seu dia natural, a alma conhece todas as coisas acima do tempo e do lugar; coisa alguma está longe ou perto. E porisso digo que, nesse dia, todas as coisas são de categoria igual. Seria insensatez falar-se do mundo como tendo sido feito por Deus amanhã ou ontem. Deus faz o mundo e todas as coisas neste momento presente. O tempo transcorrido há mil anos está agora tão presente e tão próximo, para Deus, quanto este próprio instante. A alma que existe neste instante presente, nela o Pai gera seu Filho unigênito e naquele mesmo nascimento a alma é levada de volta a Deus. É um nascimento; tão cedo quanto ela renasce em Deus, o Pai gera nela seu Filho unigênito.6

Deus o Pai e o Filho nada tem a ver com o tempo. A geração não é no tempo, mas no fim e limite do tempo. No movimento passado e futuro das coisas, vosso coração perpassa; é em vão que tentais conhecer as coisas eternas; das coisas divinas, deveis vos ocupar intelectualmente. . .7

[22] Mais uma vez; Deus ama por si mesmo, atua por si mesmo: o que significa que Ele ama pelo amor e atua pela ação. Não se pode duvidar que Deus jamais teria gerado seu Filho na eternidade se (sua idéia de) a criação fosse outra que não (seu ato de) sua criação. Assim, Deus criou o mundo para que ele possa manter-se criando. O passado e o futuro estão ambos longe de Deus e afastados de seu caminho.8

Por estas passagens, vemos que a história bíblica da Criação é inteiramente contraditada; para Eckhart, ela não tem, mesmo, uma significação simbólica, e, além disso, seu Deus não é, de modo algum, semelhante ao Deus concebido pela maioria dos cristãos. Deus não está no tempo matematicamente computável. Sua capacidade criadora não é histórica, nem acidental nem, de modo algum, mensurável. Prossegue continuamente, sem cessar, não tendo começo nem fim. Não é um acontecimento de ontem, de hoje ou de amanhã: procede da inexistência do tempo, do nada, do Vácuo Absoluto. A obra de Deus é sempre feita em um presente absoluto, em um eterno “momento que é tempo e espaço em si mesmo”. A obra de Deus é puro amor, absolutamente livre de todas as formas de cronologia e de teleologia. A idéia de Deus criando o mundo do nada, em um presente absoluto, e portanto inteiramente livre da restrição de uma concepção de tempo seriada não parecerá estranha aos budistas. Talvez possam eles acharem-na aceitável, como reflexo de sua doutrina da Vacuidade (sunyata).


  1. Blakney, p. 212. 

  2. Evans, p. 209. 

  3. Blakney, p. 292. 

  4. Ibid., p. 62. 

  5. Blakney, pág. 212. 

  6. Evans, pág. 209. 

  7. Blakney, pág. 292. 

  8. Ibid., pág. 62.