Nicetas Stethatos — CENTÚRIAS FÍSICAS
31. Deus habita naqueles em quem os frutos do Espírito Santo são evidentes e, se falam de coisas exaltadas ou baixas, deles flui, plena sabedoria e conhecimento, a fonte incontaminada do Logos. Aqueles que demonstram os frutos e dons não do Espírito Santo mas do espírito do mal são por outro lado ignorantes com a ignorância de Deus e infestados com as paixões e os espíritos hostis; e isto assim é se falam e se vestem humildemente, ou se falam exaltadamente, vestem roupas finas, e apresentam-se a si mesmos com uma externa demonstração de pompa.
32. A verdade não é disfarçada por aparências, gestos ou palavras, e Deus não repousa nestas coisas mas em um coração contrito, um espírito humilde e uma alma iluminada pelo conhecimento de Deus. Algumas vezes vemos alguém falando aos passantes em uma maneira humilde e obsequiosa, enquanto interiormente persegue o louvor dos homens e está cheio com auto-pretensão, desfaçatez, malícia e rancor. E há vezes quando vemos alguém se batendo por retidão exterior com palavras sublimes de sabedoria, tomando posição contra a falsidade ou a transgressão das leis de Deus, e olhando só para a verdade, enquanto dentro é todo modéstia, humildade, e amor por seus companheiros. Algumas vezes também vemos uma pessoa glorificando no Senhor segundo a maneira de São Paulo, que quando glorificava no Senhor dizia, «Eu glorificarei em minhas enfermidades» (2Co 12,9).
33. Deus olha não para a forma externa do que dizemos ou fazemos, mas para a disposição de nossa alma e o propósito pelo qual desempenhamos uma ação visível ou expressamos um pensamento. Da mesma maneira aqueles de maior compreensão que outros olham ao invés para o sentido interior das palavras e a intenção das ações, e sem vacilo as avaliam de acordo. O homem olha à forma exterior, mas Deus olha no coração (cf. 1Sam 16,7).
34. Deus julgou justo que de geração a geração Seus profetas e amigos deveria estar equipados pelo Espírito para a construção de Sua Igreja (cf. Ef 4,11-13). Pois desde que a velha serpente ainda devasta as almas dos homens pelo vômito o veneno do pecado em seus ouvidos, como Ele que moldou nossos corações um por um (cf. Sal 33,15) não elevou o necessitado da terra da humildade e os ascendeu do esterco das paixões (cf. Sal 113,7), assistindo Sua herança com «a espada do Espírito que é a palavra de Deus» (Ef 6:17)? Justamente, então, elevam-se aqueles que começam com humildade, e negam a si mesmos, às alturas do conhecimento espiritual, recebendo do alto os ensinamentos de sabedoria através do poder de Deus, de modo que possam proclamar o Evangelho da Salvação para Sua Igreja.
35. «Conhece-te a ti mesmo»: isto é a verdadeira humildade, a humildade que nos ensina a ser interiormente humilde e fazer nosso coração contrito. Tal humildade deves cultivar e guardar. Pois se ainda não conhece-te a ti mesmo não podes conhecer o que a humildade é, e ainda não embarcastes verdadeiramente na tarefa de cultivo e guarda. Conhecer-se a si mesmo é a meta da prática das virtudes.
36. Se tendo alcançado um estado de pureza avanças para o conhecimento das essências dos seres criados, terá preenchido a injunção, «Conhece-te a ti mesmo». Se por outro lado ainda não tiveres alcançado um conhecimento das essências interiores de criação e das coisas tanto divinas quanto humanas, podes saber o que está fora e ao seu redor, mas ainda és totalmente ignorante de teu próprio ti mesmo.
37. O que sou não é em absoluto o mesmo o que me caracteriza; nem é o que me caracteriza o mesmo que aquilo que se relaciona a minha situação; nem é o que relaciona-se a minha situação o mesmo que o que é externo a mim. Em cada caso uma é distinta da outra. O que sou é uma imagem de Deus manifesta em uma alma espiritual, imortal e inteligente, tendo um intelecto que é o pai de minha consciência e que é consubstancial com a alma e inseparável dela. Isto que me caracteriza, e é régio e soberano, é o poder da inteligência e do livre arbítrio. Isto que relaciona-se a minha situação é o que posso escolher em exercendo meu livre arbítrio, tal como ser um fazendeiro, um mercador, um matemático ou um filósofo. Isto que é externo a mim é o que quer que relacione-se a minhas ambições nesta vida presente, ao status da minha classe e riqueza mundana, à glória, honra, prosperidade e nível de exaltação, ou a seus opostos, pobreza, ignomínia, desonra e infortúnio.
38. Quando conheces-te a ti mesmo cessas de todas as tarefas exteriores assumidas com vistas a servir Deus e entrar no próprio santuário de Deus, na liturgia noética do Espírito, o paraíso divino da apatheia e da humildade. Mas até que venhas a conhecer-te a ti mesmo através da humildade e do conhecimento espiritual tua vida é um tormento e suor. Foi disto que Davi de modo críptico falo quando disse, «Tormento jaz diante de mim até que eu entre no santuário de Deus» (Sal 73,16-17, LXX).
39. Conhecer-te a ti mesmo significa que deves guardar a ti mesmo diligentemente de tudo externos a ti; significa dar uma pausa às preocupações mundanas e interrogatório da consciência. Uma vez que venhas a conhecer-te a ti mesmo uma espécie de humildade divina super-racional subitamente desce sobre a alma, trazendo contrição e lágrimas de compunção fervorosa para o coração. Trabalhado desta maneira tu vês a ti mesmo como terra e cinzas (cf. Gen 18,27), e como um verme e nenhum homem (cf. Sal 22,6). De fato, devido a este sobrepujante dom de Deus, pensas que és sem valor até mesmo desta vida vermiforme. Se és privilegiado em permanecer neste estado por algum tempo estarás repleto com uma intoxicação inefável, estranha — a intoxicação da compunção — e entrarás nas profundezas da humildade. Arrebatado de to mesmo, não ligas para alimento, bebida ou vestes além do mínimo necessário; pois és como aquele que experimentou a transformação abençoada que vem da «mão direita do Altíssimo» (Sal 77,10, LXX).
40. A humildade é a suprema das virtudes. Se como um resultado de sincero arrependimento é implantada em ti, será dado também o dom da oração e do autocontrole, e serás liberado da servidão das paixões. A paz inundará teus poderes, as lágrimas limparão teu coração, e através da permanente presença do Espírito Sano estarás repleto de tranquilidade. Quando tiveres atingido este estado, tua consciência do conhecimento de Deus crescerá lúcida e começarás a contemplar os mistérios do Reino do Céu e as essências interiores das coisas criadas. Quanto mais desças nas profundezas do Espírito, mais mergulharás no abismo da humildade. Correspondentemente ganhas maior conhecimento de tuas próprias limitações e reconheces as fraquezas da natureza humana; ao mesmo tempo teu amor por Deus e teus companheiros humanos cresce até que penses que a santificação flui simplesmente de uma saudação ou da proximidade daqueles com quem vives.