Stethatos Capítulos Gnósticos 51-60

Nicetas Stethatos — CENTÚRIAS — CAPÍTULOS GNÓSTICOS
Contribuição e tradução de Antonio Carneiro

Philocalie des Pères Neptiques, Nicétas Stéthatos, Abbaye de Bellefontaine, 1982, 183 p., ISBN 2.85589.954.0, tradução francesa da 4a. edição grega de Atenas, 1976, sob a responsabilidade de P. Boris BOBRINSKOY e do Grupo de Tradução da PHILOCALIE, este fascículo 4 foi revisto por R.P.Lucien REGNAULT, OSB, monge de Solesmes, introdução e tradução de Jacques TOURAILLE.

51. Enquanto estamos submetidos aos elementos da ascese, nos guardando de tomar alimentos, ou de tocar as coisas, ou de contemplar a beleza, ou de escutar os cantos, ou de sentir os perfumes, estamos sob o regime dos tutores e dos ecúmenos (Gl 4,2), somos ainda crianças, mesmo se somos os herdeiros e os mestres de todas as coisas do Pai. Mas quando o tempo da ascese é chegado à seu termo e se cumpriu na “impassibilidade” , então da pureza da reflexão o Verbo nasce em nós e vem sob a lei do Espírito, a fim de nos resgatar, nós que estávamos sob a lei da preocupação da carne, e de nos dar a adoção. Isto feito, então o Espírito exclama em nossos corações: “Abba, Pai” (Gl 4,6), nos mostrando e nos revelando a filiação e a liberdade segundo Deus o Pai. Pelo Cristo ele mora em nós e nos fala como aos filhos e herdeiros de Deus. Ficamos libertados da escravidão dos sentidos.

52. Para aqueles que com Pedro progrediram na , com Tiago foram educados na esperança, com João tornaram-se perfeitos no amor, o Senhor se transfigura após ter escalado a alta montanha da teologia (Mt XVII,1) (vide transfiguração ). Pela manifestação e a impressão da palavra pura, brilha diante deles como o sol. Pelos pensamentos da sabedoria misteriosa, se manifestam vivos como a luz. O Verbo se revela neles, no meio da Lei e da Profecia, legislando e ensinando as coisas da Lei, e descobrindo nos tesouros profundos e escondidos da sabedoria as coisas da Profecia. Então prevê e prediz. O Espírito os cobre com sua sombra como uma nuvem luminosa, e desta nuvem a voz da teologia mística vem em direção a eles, os iniciando no mistério da divindade em três Hipóstases, e lhes dizendo: “Eis meu Bem-Amado, o termo da palavra da perfeição, onde me compraz (Mt XVII,5) (vide transfiguração ): Tornai para mim filhos perfeitos no Espírito perfeito.”

53. A alma que despreza todas as coisas terrestres e que é inteiramente ferida pelo amor de Deus, vive em um êxtase estranho e divino. Pois, após ter visto claramente as naturezas e razões dos seres, após ter compreendido o fim das coisas humanas, não suporta mais ficar encerrada no universo e limitada pelo que a circunda. Mas, saindo de seus limites, quebrando os elos dos sentidos, ultrapassando as naturezas de todas as coisas, entra na treva da teologia (vide 51), no silêncio inefável, compreende a beleza do Ser na luz de inexprimível sabedoria das meditações, tanto quanto recebeu em graça. Aprofundando-se divinamente na sua “contemplação” pela qual medita, faz suas delícias dos frutos, das plantas imortais, do temor do amor, quero dizer, das meditações dos pensamentos divinos. Jamais crispada sobre si-mesma, pode perfeitamente exprimir a grandeza e a glória. Mas, estranhamente levada pelo Espírito, conhece o sofrimento louvável em uma alegria e um silêncio indescritíveis. Mas, como agiu, ou o que a empurra, ou o que lhe faz ver e lhe diz misticamente os segredos, lhe é impossível de explicá-lo.

54. O que semeia em si-mesmo na justiça as lágrimas da “compunção”, coleta o fruto da vida: uma jóia inexprimível. O que procura e espera o Senhor, até o que vem o que engendra sua justiça, aquele ceifará em abundância a espiga de trigo do conhecimento de Deus. A luz da sabedoria o iluminará a si-próprio, e tornar-se-á um candelabro de luz (vide: Orígenes — Homilías sobre Lucas fragmento 78,1) eterna para iluminar todos os homens. Não recusará a si-mesmo e àqueles que estão perto dele, a cobrindo o alqueire (vide: Mario Satz — A candeia acesa, Mt V, 14-16; Mc IV, 21-23; Lc VIII, 16) do ciúme esta luz da sabedoria que lhe foi dada (Mt 5,15) (vide Evangelho de ToméLogion 32). Mas dirá boas palavras na Igreja dos fiéis para uso de muitos. Dirá coisas escondidas desde a origem (Sal 78,2), tudo o que escutou do alto, deixando ressoar em si o Espírito divino, e se aplicando à tudo o que sabe pela “contemplação” dos seres, e o que seus pais lhe contaram (Sal 78,3).

55. As montanhas da obra dos mandamentos de Deus se abrirão a todo homem consagrado, o dia onde alcançará a perfeição na virtude. Destilarão sobre ele a doçura da alegria, quando reinará em Sião pela reflexão pura. E as colinas, as palavras das virtudes, serão banhadas de leite. Elas lhe entregarão o alimento, quando ele depositará sobre a camada da “impassibilidade”. Todas as fontes de Judá, quero dizer, sua e seu conhecimento, farão escoar as águas: os dogmas, as parábolas e os enigmas das coisas de Deus. E a fonte da sabedorias escondida brotará de seu coração, como da casa do Senhor, e regará a ravina dos juncos (Joel 4,18), isto é, os homens consumidos pela sêca e o calor das paixões. Então, ele conhecerá em si o verdadeiro cumprimento das palavras do Senhor. Com efeito diz: “Aquele que crê em mim, rios de água viva correrão de seu seio (Jo 7,38).”( vide: Bem-aventurados os famintos ).

56. O sol da justiça, diz Deus, se levanta sobre aqueles que me reverenciam, e a cura está em seus atos. Eles sairão da prisão das paixões e saltarão livremente como bezerros fora dos laços do pecado. Eles pisotearão sob seus pés os homens iníquos e os demônios, como cinzas, no dia onde eu os restabelecerei, diz o Senhor que domina o universo (Mal 4,2-3), quando eles se elevarão através de todas as virtudes e se tornarão “perfeitos” pela sabedoria e pelo conhecimento na comunhão com o Espírito.

57. Se sobre a montanha dominando a planície (Lc VI,71) desse mundo e a Igreja do Cristo, tu erguerás o estandarte do novo conhecimento lá do alto, se tu elevas em ti, como disse a voz da sabedoria de Deus que te foi dada, exortando pela palavra e ensinando teus irmãos, lhes abrindo a inteligência da divina Escritura (Lc XXIV,32) para que eles compreendam os dons maravilhosos de Deus, e se tu os precedes na obra de seus mandamentos, não tenhas temor daqueles que invejam o poder de tuas palavras (vide: Poder da Palavra ) e alteram toda a divina Escritura, homens vazios que varreram com a vassoura a si-mesmos, mas que estão prestes a tornarem-se moradas do diabo (Mt XII, 44) (vide:2 ). Pois Deus escreveu no Livro dos viventes (Ap III,5) as palavras de teus lábios, e de tais homens não poderão te prejudicar, assim como Simão (vide: Simão Samaritano ou o Mago ): tampouco prejudicou a Pedro. Mas, em vez disso tu dirás tu-mesmo com o profeta nesse dia onde tu o verás estender as armadilhas para te fazer cair durante o caminho: “Eis aqui, o Senhor é meu Deus e meu Salvador. Eu me confiarei a ele. Ele me salvará e eu não temerei. Pois o Senhor é minha glória e meu louvor, e ele me salvou (Is XII,2). Não cessarei de anunciar suas obras de glória sobre toda a terra (Is XII,4).”

58. Se vês inerte em ti a impulsão da “energia” das paixões, e brotar de teus olhos a “compunção” que vem da humildade, saiba que o Reino de Deus chegou em ti e que concebeste do Espírito Santo. E se sentes o Espírito agir, mover e falar no interior de ti e de levar a dizer na grande Igreja a salvação e a verdade de Deus, não feche teus lábios (Sal 40,10), por causa da inveja dos judaizantes. Mas senta-te, e como diz Isaías (Is 30,8-11), escreve sobre o tablete o que te diz o Espírito. “Essas coisas virão nos dias dos tempos e até a eternidade, como ele te disse: Aqueles que experimentaram a invejam, e formam um povo indócil, filhos mentirosos que não tem .” Aqueles que não querem entender que o Evangelho atua ainda e criou filho de Deus e profetas, mas dizem aos profetas e aos doutores da Igreja: “Não nos anuncie a sabedoria de Deus”, e àqueles que veem as visões da “contemplação” natural: “Não nos falai disso, mas dizei, anunciai-nos uma outra ilusão (Is 30,10) que ame o mundo, tirai-nos a palavra de Israel.” Não prestai atenção a sua inveja e às suas palavras. Pois os surdos, ao final, escutarão o que lá do alto ressoa em ti para o bem de muitos outros. E aqueles que estão nas trevas desta vida, e os olhos cegos nas brumas do pecado verão (Is 29,18) a luz de tuas palavras. E os Pobres em Espírito (Mt 5,3) se regozijarão neles. E os homens desesperados serão repletos de alegria (Is 29,19). E os afastados do espírito conhecerão a sabedoria em tuas palavras. Os que murmuram contra ti aprenderão a obedecer às palavras do Espírito. E as línguas que balbuciam aprenderão a pronunciar a paz (Is 29,24).

59. Bem-aventurados aqueles que tem em Sião, na Igreja de Deus, a semente do ensino de suas palavras, diz Isaías (Is 31,9), e que tem seus próprios filhos, os filhos do Espírito, na cidade dos primogênitos, na Jerusalém do alto. Pois esse homem, disse, esconderá suas palavras por um tempo, e ele-mesmo será escondido pelas águas que o levaram. Ao final ele aparecerá em Sião, na Igreja dos fiéis, levado como um rio glorioso sobre a terra sedenta das ondas de sua sabedoria. Aqueles que serão confiados nelas não serão mais derrubados pelos invejosos. Mas seus ouvidos escutarão as palavras de um tal homem. O coração daqueles que sofrem nas suas almas escutará com atenção. Mas, que os servos da inveja não digam mais: “Silêncio”, porque um homem piedoso lhes aconselhou com inteligência e não lhes disse loucuras como esses loucos que são os sábios do mundo. Seu coração nada pensou de vão, nada fez de iníquo, nada disse de falso diante de Deus, para dispersar as almas que tinham fome e tornar vazias as almas que tinham sede (Is 32, 6.8.). É porque suas palavras continuam a ser uma ajuda para muitos, mesmo que isso não pareça àqueles que o denigrem.

60. Aquele que mora sobre a rocha dura no alto da caverna, o pão do conhecimento é dado à saciedade, e o cálice da sabedoria até a embriaguez. Assim sua água será fiel. Ele verá o Rei na glória, e os olhos verão de longe a terra (Deut 34,4). Sua alma meditará a sabedoria e anunciará a todos o lugar eterno, onde fora do qual nada tem.


  1. Candeia do Corpo|Mt V, 14-16; Lc XI, 33-36 

  2. Retorno do espirito imundo|Mt XII, 43-45; Lc XI, 24-26