Segundo Apocalipse de Tiago [KDNH]

Biblioteca de Nag Hammadi
O Segundo Apocalipse de Tiago (V,4)

Seguir-se-á este apocalipse ao primeiro, como realização de certas promessas que nele são feitas sobre o martírio de Tiago? Não é impossível. Jesus ressuscitado faz uma revelação a Tiago, que a repete em Jerusalém e que Marein, sacerdote, escreve para Teúdas, o pai de Tiago. É difícil distinguir por meio de quem procede o discurso, ainda mais que as primeiras páginas do tratado estão mal conservadas. Em contrapartida, o texto nos apresenta dois hinos gnósticos marcados por sabor judaico-cristão. O primeiro deles está nas p. 55,15-56,13:

Pois tu não (és) o Salvador e o abrigo dos estrangeiros: tu (és) o resplandecente e o Salvador dos meus, que agora são os teus.

Tu te manifestarás e trarás o bem para todos. Tu serás admirado por todo ato de poder. Tu serás chamado bem-aventurado pelos céus. Tu: ele ficará ciumento de ti (o ciumento?).

(…)

Por ti, far-se-á que eles conheçam essas coisas e eles terão o repouso.

Por ti, eles reinarão e se tornarão reis.

Por ti, se terá piedade daqueles de que se tiver piedade.

Pois tu, o primeiro, te revestiste e, também como primeiro, te desvestiste e tu retornarás como eras antes de ser desvestido.

O segundo hino está na (p. 58,5-24:

Ele era a Vida.
Ele era a Luz.
Ele era (quem foi e) quem será, quem acabará as coisas começadas e começará as coisas acabadas.
Ele era o Espírito santo e o invisível, aquele que não desceu à terra.
Ele era a Virgem e aquilo que ele quer acontece.
Eu o vi nu, sem vestes, e aquilo que ele quer acontece.

Este hino abre o relato da paixão de Tiago, que a tradição transmite por outros meios também (cf., por exemplo, Eusébio, Hist. Eclesiástica, 11,23 e 11,1,5). É interessante ler a versão de Nag Hammadi:

Era (um sábado?): nesse dia, todo o povo e também a multidão estavam agitados e manifestavam sua insatisfação. Ele se levantou e saiu, falando também. E nesse dia ele entrou novamente e falou durante algumas horas. Eu estava com os sacerdotes e não manifestava o parentesco que tinha com ele porque todos diziam a uma só voz: “Vamos, lapidemos esse justo!” E eles se levantaram, dizendo: “Sim, matemos esse homem (e) que ele seja arrancado do nosso meio, pois não nos é útil para nada!” Eles estavam lá e o encontraram de pé, perto da colunata do Templo, junto da forte pedra angular. E eles decidiram lançá-lo para baixo, daquela altura, e o jogaram lá em baixo. Ora, tendo-o olhado, eles compreenderam que ele ainda (?) não estava morto, levantaram-se às pressas, vieram até ele, pegaram-no e o arrastaram pelo chão: alongaram-no (no solo), colocaram uma pedra sobre seu ventre e todos puseram os pés sobre ele, dizendo: “Te enganaste!” Mais uma vez, eles o levantaram, (ainda) vivo. Fizeram abrir um buraco, o enterraram até o ventre (e) assim o lapidaram (p. 60,26-62,12).

Antes de expirar, então, Tiago recita uma maravilhosa oração, marcada pelo ideal ascético, semelhante às orações dos Atos dos Mártires. Ei-la:

Meu Deus e meu Pai, que me salvaste desta esperança mortal, que me vivificaste pelo mistério desejado, não prolongues mais para mim os dias deste mundo, mas que subsista em mim o dia de tua luz, aquele que vem de ti: apressa(-o)!

Recebe-me em tua luz e salva(-me): (sê meu?) abrigo! Liberta-me deste lugar de estada provisória. Que tua graça não me abandone, mas que ela seja santa! Salva-me de morte má.

Tira-me vivo para fora do túmulo, pois tua graça — o amor — vive em mim, para levar as coisas à plenitude.

Salva-me da carne do pecado, porque depositei minha confiança em ti, com toda a minha força, pois tu és a vida da Vida.

Salva-me de inimigo humilhante: não me entregues a juiz severo para com o pecado.

Perdoa-me (os pecados) dos dias de minha vida.

Como eu vivo em ti, que tua graça viva em mim!

Eu renunciei a quem quer que fosse, mas confessei a ti!

Salva-me de opressão má.

O momento e a hora chegaram: envia o Espírito Santo. Traz a salvação!

A Luz que vem da Luz me coroará (?) com força indestrutível (?) (p. 62,16-63,29).