SATANÁS — SATÃ — ADVERSÁRIO
DIABOLOS, ASURAS, ANJOS, DAIMONION, ASMODEUS, SHAYTAN
No NT gr. diabolos ocorre 37 vezes, gr. Satanas 36 vezes, gr. Bee(l)zeboul 7 vezes. Além disso há os nomes: gr. echthros = inimigo; gr. poneros = maligno; gr. “archon tou kosmou toutou” = “príncipe deste mundo”; gr. antidikos, que é uma tradução literal do satan hebraico no AT. Marcos é o evangelista que usa exclusivamente o grego “Satanas”.
Mircea Eliade
Mircea Eliade HISTÓRIA DAS CRENÇAS E DAS IDEIAS RELIGIOSAS
As primeiras referências a Satanás (Jó, 1: 6 s.; 2: 1 s.; Zacarias, 3: 1 s.) apresentavam-no como pertencendo à corte celeste de YHWH. Era o “Inimigo”, já que era a personagem celeste hostil ao homem (cf. § 115). Agora, Satanás encarna o princípio do Mal; torna-se o Adversário de Deus. Além disso, uma nova ideia ganha contornos mais nítidos: é a ideia das duas idades (ou dos dois Reinos): “o reino deste mundo” e o “outro reino”. Efetivamente, está escrito: “o Altíssimo não criou uma única idade, mas duas” (IV Esdras, 7: 50). Nessa idade o “Reino de Satanás” está fadado a triunfar. São Paulo designa Satanás como “o deus deste mundo” (II Coríntios, 4: 4). O seu poder chegará ao auge com a aproximação da era messiânica)), quando se irão multiplicar as catástrofes e os fenômenos aberrantes a que aludimos de passagem na p. 32. Entretanto, na batalha escatológica, YHWH vencerá Satanás, aniquilará ou subjugará todos os demônios, extirpará o mal e edificará em seguida o seu Reino, concebendo vida, alegria e paz eternas. Certos textos falam de um retorno ao Paraíso e, consequentemente, da abolição da morte (IV Esdras, 8: 52-54). Todavia, apesar da sua perfeição e perenidade, esse mundo novamente criado continua a ser um mundo físico.
A figura de Satanás desenvolveu-se provavelmente sob a influência do dualismo iraniano (textos de Qumran mencionam dois espíritos criados por Deus, um bom e outro mau, lembrando o Zurvanismo). Trata-se, em todo o caso, de um dualismo mitigado, porque Satanás não coexiste, desde o começo, com Deus, e não é eterno. Por outro lado, deve-se ter em conta uma tradição mais antiga, que concebia YHWH como totalidade absoluta do real, vale dizer, como uma coincidentia oppositorum, na qual coexistiam todos os contrários, e portanto também o “mal” (cf. § 59). Lembremos o célebre exemplo de Samuel: “O espírito de YHWH retirou-se de Saul e atormentava-o um espírito maligno, que YHWH lhe despediu” (I Sam., 16: 14). Como em outras religiões, o “dualismo” delineia-se em consequência de uma crise espiritual que questiona, ao mesmo tempo, a linguagem e os postulados teológicos tradicionais, e que conduz, entre outras coisas, a uma personificação dos aspectos negativos da vida, do real e da divindade. O que até então era concebido como um momento na evolução universal (baseada na alternância dos contrários: dia-noite; vida-morte; bem-mal; etc.), acha-se daí em diante isolado, personificado e investido de uma função específica e exclusiva, nomeadamente aquela do Mal (cf. § 195). É provável que Satanás seja o resultado, ao mesmo tempo, de uma “cisão” da imagem arcaica de YHWH (consequência da reflexão sobre o mistério da divindade) e da influência das doutrinas dualistas iranianas. De qualquer modo, a figura de Satanás, como encarnação do Mal, desempenhará um papel relevante na formação e na história do cristianismo, antes de tornar-se a personagem famosa, de incontáveis metamorfoses, nas literaturas europeias dos séculos XVIII e XIX.
Roberto Pla
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 71
El autor del Apocalipsis declara que el Dragón, la Serpiente antigua (la que incito a comer del árbol del conocimiento), el Diablo y Satanás (el Satán), son distintos nombres que se emplean para referirse al Adversario del Padre Celestial, es decir, el antímimo del espíritu (Cf. Ap 20, 2). Esto esclarece bastante el lenguaje que usa el Nuevo Testamento para nombrar al padre de la casa antropológica.
En esa función de coinquilino de la misma casa y enemigo de la buena semilla interior, es el Diablo el sembrador de cizana (Cizania). Es por esa via oculta por donde va la recriminación de Jesus a sus interlocutores en cierta perícopa joánica. Ellos no aman al Hijo y por consiguiente no han reconocido en sí mismos la Palabra. Luego si aún no pertenecen al Hijo, no pueden ser llamados hijos de Dios. Jesus les dice: Vosotros sois de vuestro padre el Diablo (Cf. Jn 8, 42-44).
Satanás, el Adversario, es recordado especialmente por Jesus cuando descubre en alguno una incitación egocêntrica, un impulso de raiz inferior que le lleva a un modo torcido de pensamiento, a una manera separativa de comportarse. En tales casos, advierte Jesus acerca del paralelismo satânico que despunta. Eso ocurre, por ejemplo, cuando Pedro, con su idea puesta en Jesus como persona y no como Hijo de Dios, le reprende porque anuncia su Pasión a la que sin duda se presta voluntário. Jesus le increpa entonces con dureza: ¡Quítate de mi vista, Satanás! ¡Tropiezo eres para mí! (Mt 16, 23).
Con tales observaciones acerca de la influencia satânica, o diabólica, que abundan en el evangelio, no se quiere afirmar una identidad con la persona de Satanás, sino sólo subrayar un comportamiento que en cierto grado recuerda, por estar lejos de la universalidad del Padre, la oscura condición del Adversario de Dios.
Evangelho de Tomé – Logion 113
No capítulo 13 de seu evangelho, VINDA DO FILHO DO HOMEM, também fala Marcos de um pai que entregará a morte ao filho, mas isto é uma menção encoberta da significação prototípica de Judas, o último dos Doze, de quem o Filho do Homem haveria de dizer logo, em Getsemani: “Olha, o que vai me entregar está próximo” (Mc 14,42).
Se Judas é chamado “o pai” é porque segundo conta o quarto evangelho, quando Judas tomou o bocado que Jesus o deu, para incitar-lhe a que fizesse logo o que tinha que fazer, “entrou nele Satanás”. Mas o Satã é chamado com razão “o Adversário” porque no coração do homem exerce em muitas ocasiões as atribuições do Pai embora na direção separativa, egoísta, que ele pode exercer.
Isto há que explicar. Posto que o Espírito de Deus habita no homem e ocupa o Lugar Santo e principal que o corresponde, resulta disso que o Espírito é, em verdade, o Ser de cada homem, o Eu puro e eterno.
Mas a consciência do homem, tão instável e movediça, não conhece o Espírito de Deus, como não se conhece a si mesma; não conhece o Eu puro e eterno, pois são dois nomes da mesma coisa: dizer Espírito de Deus é, neste caso, o mesmo que dizer, “Eu”. Por desgraça, quando o homem diz “Espírito”, ou quando diz “Eu” não nomeia a coisa mesma que devia nomear senão uma palavra com a qual representa a coisa que ele pensa em sua consciência.
É evidente que a palavra não dá por si só o significado verdadeiro do significado, senão um significado adventício criado pela consciência. No que se refere ao Eu puro, Jesus o nomeava com a locução Eu Sou, não enquanto um circunlóquio do pronome pessoal “eu”, senão porque procurava explicar que não se referia com isto ao eu pessoal limitado que muitos imaginam quando dizem “eu”, senão ao Eu universal, sem centro, equivalente em seu significado verdadeiro a Deus, o Pai. Então dizia: Eu Sou.
Pelo contrário, o significado que o homem nomeia quando diz “eu” como pronome pessoal é uma ilha, um centro individualizado.
Não há dúvida de que a existência interior deste eu psicológico, filho abortivo, errôneo, da mente, gera a ideia de um pequeno deus que se opõe em tudo aos desígnios de unidade que são próprios do Eu universal e eterno. Esta oposição é o enfrentamento que a escritura conhece. Frente ao nome sagrado de Deus: “Eu sou o que eu sou”, se levanta no homem, com mais poderio do que deveria, a ideia de um eu psicológico)), pessoal, que os antigos denominarão miticamente o Satã, o Adversário.
Assim é como frente ao Pai eterno se alça sempre “em espelho”, em quase todas as casas antropológicas, a ideia de um falso pai cujo propósito secreto para sobreviver é entregar o Filho. Isso é o que fez1 que se enrosca nos pés do Eu Sou.
Mas na consumação do processo evangélico do homem será sempre o Filho o que ao final se levantará vitorioso contra o falso pai. O conhecimento da verdade, e a fé na VINDA DO FILHO DO HOMEM são as armas que proporcionam a vitória.
Ernst Benz
Ernst Benz — Descrição do Cristianismo
Tendo sido criados à imagem de Deus como espíritos livres, é entre os anjos (aggelos) que ocorre a primeira queda, o primeiro abuso da liberdade, quando o seu mais elevado príncipe, Lúcifer (o “Porta-Luz” — vide phos), se revolta contra Deus. Segundo a concepção dos padres da Igreja Primitiva, da Idade Média e dos reformadores, o homem não foi criado senão em segundo lugar. A criação do homem torna-se necessária após a queda dos anjos, que foram expulsos do Reino de Deus e precipitados no abismo. Ela serve para preencher o reino de Deus com novas criaturas espirituais capazes de oferecer a Deus o livre amor que lhe foi negado pelos anjos rebeldes. O problema do mal (kakon) já surge entre os primeiros seres criados, já neste nível superior e anterior ao humano o mal aparece como um problema de liberdade ou de abuso da liberdade. No Antigo e no Novo Testamento, Satanás (o diabo — diabolos) aparece como o representante do mal (kakon). A filosofia e a teologia do iluminismo empenhou-se em banir da consciência cristã a figura do demônio, por considerá-lo produto da fantasia mitológica da Idade Média; mas é justamente esta figura que torna particularmente concreta a idéia cristã de Deus e o conceito do mal. Satanás só aparece como figura autônoma no decurso da história religiosa veterotestamentária. No Antigo Testamento o mau ainda é visto em ligação direta com o próprio Deus; na medida em que possui força e vida, o mal também é produto de Deus — “eu formo a luz e crio as trevas, eu faço a ventura e crio a desgraça, eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Is 45,7). Satanás representa o lado demoníaco da ira (orge) divina. No livro de Jó ele aparece como parceiro de Deus, encarregado de pôr o justo à prova. Somente no judaísmo pós-bíblico é que ele passa a ser o adversário de Deus, o príncipe dos anjos, que criado por Deus e à frente dos exércitos angélicos seduz uma parte dos anjos a se revoltarem contra Deus. Em castigo por sua rebeldia ele é precipitado do céu juntamente com seus seguidores, transformados em demônios, e como soberano dos anjos decaídos combate agora contra o Reino de Deus de três maneiras: buscando seduzir os homens ao pecado (hamartia), procurando perturbar o plano de salvação de Deus, e apresentando-se diante de Deus como acusador e caluniador dos santos a fim de reduzir o número dos eleitos no Reino de Deus.
Satanás tem, assim, uma tríplice função: ele é criatura de Deus, de quem recebeu o ser e o existir, é parceiro de Deus no drama da história da salvação (soteria), e é o rival que luta contra o plano de salvação de Deus. No judaísmo tardio, por influência do dualismo da religião zoroástrica durante o exílio persa, Satanás assumiu os traços de um antideus. Nos escritos da seita de Qumran, Belial, o “anjo das trevas” e “espírito do pecado”, também aparece como adversário do “príncipe das luzes” e do “espírito da verdade”. A história da salvação se encerra com o combate, no final dos tempos, do príncipe das luzes contra Belial, luta que terminará com o juízo sobre ele e seus anjos e sobre os homens que lhe obedecem, e que haverá de trazer o fim da “aflição, suspiros e crimes” e o reinado da “verdade”.
No Novo Testamento surgem claramente os traços de um poder contrário a Deus na figura do Diábolos-Satanas-Belial-Beelzebub (diabolos), do “inimigo” — ele é o acusador, o maligno, o tentador, a antiga serpente, o grande dragão, o príncipe deste mundo, o Deus deste mundo, que procura impedir que a soberania de Deus seja restaurada pela vida e paixão de Cristo. Oferece a Cristo todos os reinos deste mundo se ele o reconhecer como soberano (Mt 4,8-9); é o verdadeiro antagonista do Messias-Filho do Homem, de Cristo, que Deus enviou ao mundo para “destruir as obras do demônio” (1Jo 3,8). Mas falta a ele a possibilidade de encarnar-se: ele tem que se limitar a espoliar outras pessoas para assumir a aparência da personalidade e da corporeidade. Face à “philanthropia” de Cristo, ao seu amor pelo homem, que o leva a entregar-se como vítima pelos pecados da humanidade, Satanás aparece (nos Padres antigos, como p. ex. em Basílio) como o “misánthropos”, o que odeia o homem, frente ao que traz a beleza celeste como aquele que a odeia, o “misókalos”. Com a gnose, também surgem traços dualísticos no terreno da contemplação cristã -já na Carta de Barnabé, do século II, Satanás aparece como “o negro” (Barn 4,9), em Atenágoras como “o que sabe administrar a matéria e suas aparências”, “o espírito que paira em volta da matéria”. Por influência da gnose e do maniqueísmo este aspecto dualístico leva também à demonização do sexo, que é visto como a esfera particular da atividade tentadora do demônio, e onde à mulher cabe o papel de instrumento da sedução diabólica.
Mais tarde a união destes três aspectos — Satanás como criatura, como parceiro e como adversário de Deus — sempre de novo cede lugar também a uma interpretação puramente dualista, como entre os Cátaros, mas também se pode perceber tendências maniqueístas, como uma corrente subterrânea permanente na igreja, determinando a compreensão do pecado e da redenção. Sendo o rebelde por excelência, que não se conforma em ser semelhante a Deus amando o seu modelo e criador mas que quer ser como Deus colocando o amor a si próprio acima do amor a Deus, Satanás permanece o modelo primordial do pecado.
A idéia de Satanás como antagonista de Cristo levou já entre os Padres da antigüidade cristã a uma interpretação mística da encarnação e do ocultar-se sob a “condição de escravo”. “Revestindo-se” da natureza humana, o Filho de Deus torna sua origem irreconhecível a Satanás. Cristo se faz “isca” jogada a Satanás e que este engole (assim Lutero) porque o toma por um homem comum sujeito a seu poder, isca esta que o leva à morte. A isto acrescenta-se na Idade Média a compreensão do demônio como “símio de Deus”, como aquele que tenta arremedar Deus através de falsas e malignas criações que procura impingir ou opor às criaturas.
Na história da Igreja as fases que apresentam o despertar de uma nova consciência do pecado coincidem com as que manifestam um sentido mais aguçado da presença do “maligno”, como em Agostinho de Hipona ou Bernardo de Clairvaux, em Lutero, Calvino ou Wesley. Na consciência histórica cristã a figura de Satanás desempenha um papel importante, não em último lugar por influência do Apocalipse de João. A história da salvação é entendida como um permanente combate entre Deus e seu antagonista, que com sempre novos recursos tenta contrariar o plano divino de salvação. Jacobus Acontius (t 1567), um engenheiro de fortificações, falava dos “ardis de Satanás” (strategemata Satanae). Este combate, que constitui o fundo religioso do drama da história universal, é caracterizado pela crescente rapidez, já esboçada no Apocalipse: golpe e contragolpe se dão a intervalos de tempo cada vez mais curtos, pois “o diabo sabe que lhe resta pouco tempo” (Ap 12,12), seu poder no céu já foi derrubado: “Vi Satanás cair do céu como um raio” (Lc 10,18). Também na terra seu poder de ação fica limitado pela volta do Senhor. Por isso, nos últimos tempos, seus ataques contra os eleitos do Reino aumentam de tal forma que o próprio Deus se vê obrigado a abreviar os dias da última tribulação, pois “se não se abreviassem aqueles dias, ninguém se salvaria” (Mt 24,22). No idealismo alemão e na filosofia russa foram conservados muitos desses traços; Nicolau Berdiaeff, assim como Schelling e Franz von Baader antes dele, realçam que o demônio não possui uma verdadeira personalidade ou realidade autêntica, mas que está repleto de uma insaciável “fome de realidade”, que ele não pode satisfazer senão espoliando os homens de quem se apossa. Desde o iluminismo a teologia ocupa-se em desmitologizar o demônio e provar sua não-existência. Mas, segundo Vladimir Soloviev, esta é a mais requintada tentativa de disfarce do demônio, e por conseguinte a prova mais cabal de sua existência.