Sacramento Advento

THOMAS MERTON — TEMPO E LITURGIA
O SACRAMENTO DO ADVENTO NA ESPIRITUALIDADE DE SÃO BERNARDO (cont.)

O SACRAMENTO DO ADVENTO

Por detrás dessa expressão de São Bernardo encontramos algo da profunda escatologia de São Paulo.

O Sacramentum encontrado por São Bernardo no Advento é o sacramentum, o mysterium do qual São Paulo escreve aos Efésios. É o “sacramento” (ou o “mistério”) da vontade divina conforme o desígnio que aprouve a Deus formar em Cristo, a ser realizado na plenitude dos tempos, que é reunir todas as coisas em Cristo (Ef I,9-10). Esse mistério é a revelação de Deus em seu Filho Encarnado. Mas não é apenas manifestação das perfeições divinas, é o plano concreto de Deus para a salvação dos homens e a restauração do mundo todo em Cristo.

Esse plano não é visto como um projeto futuro, mas como um fato presente. “Os últimos acontecimentos” já estão presentes e realizados de maneira oculta. Assim, o reino de Deus já está “entre nós”. O mistério, porém, só pode ser conhecido pelos que nele penetram, encontram seu lugar no Cristo Místico e, portanto, encontram o mistério de Cristo realizado plenamente em si próprios. Para esses, o reino de Deus está misteriosamente presente. Não só ingressam na Igreja, ou penetram em Cristo, mas Cristo se torna sua vida (mihi vivere Christus est). Participam da glória dos santos na luz (Col 1,12). Em certo sentido, eles se tornam a “Igreja”, uma vez que vivem inteiramente pela Igreja e que a Igreja vive neles.1

Bernardo vê que esse Sacramento do Advento é a presença de Cristo no mundo, como Salvador. Em sua teologia, o Advento não comemora apenas a Encarnação como um acontecimento histórico nem como simples preparação devota à festa de Natal, nem ainda como antecipação do Juízo Final. É sobretudo o “sacramento” da Presença de Deus no mundo e no tempo, em seu Verbo Encarnado, em seu Reino, e, acima de tudo, sua presença em nossa própria vida como nosso Salvador. O sacramento do Advento é a necessária praesentia Christi.2 Aqui, o santo repete em termos mais práticos e concretos sua declaração da necessidade de encontrarmos Cristo, o Salvador, aqui e agora entre nós, como dissera no início do seu primeiro sermão do Advento:3

faciles sumus ad seducendum — somos decepcionados em nossos julgamentos sobre o bem e o mal;
debiles ad operandum — nossas tentativas em relação ao bem falham e nada conseguem;
fragiles ad resistendum — não temos êxito em nossos esforços para resistir ao mal.

A presença de Cristo em nós supera esses obstáculos. Pela fé, Ele habita em nossos corações e nos mostra como julgar entre o bem e o mal. Si enim Ule in nos quis decipiet nos? Ele não pode enganar nem ser enganado. Ele é a sabedoria de Deus, sempre pronto a nos ensinar. No entanto, a fim de recebermos sua luz, temos de utilizar a graça que Ele nos dá para nos voltarmos para Ele em nossas dificuldades. Pela fortaleza, Ele robustece nossa fraqueza, para que possamos tudo realizar n’Ele. Jamais se cansa, pois é o poder de Deus, sempre pronto para nos reavivar e erguer. Todavia, temos de apelar para Ele, a fim de que nos ajude em nossas lutas. Sustenta-nos e resiste dentro de nós. Se Ele está conosco, quem estará contra nós? (Rom 8,31).

O segredo da fortaleza espiritual é abandonarmo-nos a Cristo, o poder de Deus. Assim, Ele próprio há de superar o mal e livrar-nos das forças a que jamais seríamos capazes de resistir por nós mesmos. Essa é a força da fé.

Cristo vive no mundo, naqueles que o tomam como sua luz, força e proteção. É para eles que veio ao mundo em sua encarnação.4



  1. Cf. Jo 17,23. Eu neles e tu em mim, para que eles possam tornar-se perfeitos na unidade e que o mundo saiba que tu me enviaste e os amaste como me amaste. 

  2. Serm. 7, n.2 

  3. Serm. 7, n.1 

  4. Ad hoc ipsum venit in mundum. ut habitans in hominibus, pro hominibus, et tenebras nostras illuminaret, et labores levaret, et pericula propulsarei. Serm. 7, n.7.