Ruysbroeck Triplo Advento do Cristo

Ruysbroeck — ORNAMENTO DAS NÚPCIAS ESPIRITUAIS
O TRIPLO ADVENTO DO CRISTO NA ALMA
CAPÍTULO V — DA PRIMEIRA VINDA DO SENHOR NO HOMEM

Mesmo quando os olhos são claros e a visão sutil, se o objeto amado e gracioso faz falta, isso não basta para ver e não serve de nada ou de muito pouco. Também o Cristo quer mostrar aos olhos esclarecidos da inteligência o objeto que deve contemplar, quer dizer seu Esposo que vem nela interiormente.

Encontra-se nos homens dados devotamente à vida interior três maneiras particulares segundo às quais Deus se apresenta à alma, e cada uma destas vindas o eleva a um grau superior e a exercícios mais íntimos.

Na primeira o Cristo excita e estimula o homem interior de uma maneira sensível, e o atrai do alto, para o céu, com todos seus poderes, reclamando dele a unidade com Deus. Este impulso e esta atração se fazem sentir no coração e na unidade dos poderes inferiores, especialmente no poder afetivo. Pois a primeira vinda do Cristo exerce sua influência e sua ação sobre a parte inferior do homem, a fim de que ela seja plenamente purificada, retirada, inflamada e conduzida para o interior. Esta impulsão íntima de Deus dissemina dons ou os subtrai, enriquece ou empobrece, desfruta ou desola, excita a esperança ou deixa no abandono, esquenta ou esfria. E todos estes dons ou influências contrárias desafiam toda expressão em qualquer língua.

A vinda de que falamos, com os exercícios que aí se reportam, se divide em quatro modos sempre mais elevados, assim que o mostraremos mais tarde. E é o ornamento da parte inferior do homem, na vida interior.

CAPÍTULO VI — DA SEGUNDA VINDA DO SENHOR NO HOMEM INTERIOR.
O segundo modo segundo o qual o Cristo se apresenta intimamente é de uma ordem mais elevada e que imprime ainda mais sua semelhança ao mesmo tempo que se acompanha de dons mais magníficos e de claridade maior. É um influxo, nos poderes superiores da alma, da riqueza dos dons divinos, tendo por efeito de fortalecer, de iluminar e de enriquecer o espírito de muitas maneiras. Este influxo divino em nós reclama de nossa parte uma saída de nós mesmos e um retorno, com toda a riqueza que nos foi alienada, para o fundo mesmo de onde ela se escoou. Deus, neste mesmo influxo, dissemina e manifesta dons maravilhosos, mas exige que a alma lhe rende ao centuplo todos seus dons e bem além disto que a criatura pode fazer. Esta prática e este modo são de natureza mais nobre e se assemelham mais a Deus que os primeiros, e aí se encontra o ornamento dos três poderes superiores da alma.

CAPÍTULO VI — DA TERCEIRA VINDA DO SENHOR
O terceiro modo da vinda íntima do Senhor em nós consiste em uma moção ou toque interior, que se faz na unidade do espírito, domínio dos poderes superiores da alma e fonte de onde elas se escoam, para aí retornar sem cessar, e aí permanecer unidos, o todo por meio da ligação de amor e da unidade natural do espírito. A vinda de que falamos eleva a alma ao grau mais íntimo e mais alto da vida interior, e a unidade do espírito dele é ornada de mil maneiras.

Mas a cada uma destas vindas, o Cristo reclama uma espécie particular de nós mesmos, assim como uma vida conforme ao modo de sua vinda. Também diz cada vez em espírito em nosso coração: «Saia, e que vossa vida se exerça a praticar o que minha graça e meus dons vos inspiram».

Pois se o Espírito de Deus nos persegue, nos estimula, nos atrai, se dissemina e age em nós, devemos em troca sair de nós mesmos e nos aplicar a exercícios interiores, a fim de nos tornarmos perfeitos. Pois contrariar o Espírito de Deus por uma vida pouco conforme a suas inspirações, isto seria privar de sua moção íntima e perder assim a atitude à virtude.

Tais são as três vindas do Cristo que convidam à prática da vida interior. Agora nos é preciso explicar e analisar cada uma delas em particular. Também deve-se prestar atenção com um zelo dedicado; pois quem jamais saboreou estas coisas não pode as compreender facilmente.

  • MODO PRIMEIRO ADVENTO