RUYSBROECK — DOS SETE DEGRAUS DO AMOR
Tradução da versão francesa por Antonio Carneiro
Capítulo XIII — CLARA INTUIÇÃO, PUREZA DE ESPÍRITO E MEMÓRIA
Três propriedades da alma contemplativa.
Subamos finalmente o sexto degrau: é a clara e lúcida contemplação ou visão, a pureza do espírito e o despojamento da alma, que são as três propriedades da alma contemplativa, que resultam da fonte da vida, onde somos unidos à Deus, acima da razão e de todos os exercícios do amor. Quem quer que deseje fazer essa experiência, deve necessariamente oferecer à Deus todas suas virtudes e todas suas boas ações, se oferecer e resignar-se à livre potência de Deus, mesmo sem a consideração de nenhuma recompensa, acima de todas as coisas; e se faz necessário que proceda sem cessar na ardente veneração de Deus sem vista retrospectiva.
Como nós nos preparamos para a vida contemplativa.
É assim que dever-se-á preparar, pela divina graça, para a vida contemplativa, se quiser atingi-la. Importa que sua vida exterior e sensível seja bem regrada, e bem ordenada, em todos atos bons, em direção à todos os homens; e que sua vida interior e cheia de graça e caridade, exempta de toda simulação, dotada de uma intenção reta e rica de todas as virtudes. Que sua memória seja livre, entregue aos cuidados, de todas solicitudes , das preocupações, e despojada de toda imaginação vã; seu espírito livre, aberto e elevado para o alto de todos os céus; sua alma tranquila de toda consideração, e desprovida para Deus que é a cidadela e o recinto dos espíritos amantes, onde todos os espíritos puros se reúnem na simples pureza; e é o habitáculo de Deus em nós, e nenhum outro a não ser Deus somente pode aí penetrar. Esta pureza é eterna, e nela o tempo não existe, nem lugar, nem passado, nem futuro, mas, é sempre presente, disposta e manifesta aos espíritos puros elevados até ela. Nela somos um, vivendo em Deus e Deus em nós. Esta unidade simples é sempre clara e manifesta, para os olhos da alma, na pureza do espírito; e lá o ar é puro e sereno, iluminado pela luz divina; e, com os olhos transformados e iluminados, contemplamos lá, atentamente, a claridade eterna; e lá tudo é um, uma a verdade, uma a imagem no espelho da eterna sabedoria.
Porque fomos criados por Deus.
Fomos criados por Deus, a fim de encontrar esta imagem, a conhecer e a possuir na nossa essência e na pureza de nosso espírito; e assim que a vemos e a experimentamos, na divina luz com estes mesmos olhos simples da alma, então, chegamos à vida contemplativa. Mas lá, alguma coisa ainda é requisitada, é a pureza do espírito.
Para que serve a vida contemplativa.
Se o espírito em repouso é despojado de formas e imagens, se a contemplação é clara e evidente na luz de Deus, e se a alma é pura e elevada na presença de Deus: estas três coisas, digo, unidas juntas, são verdadeiramente a vida contemplativa na qual não se pode divagar. Pois o espírito puro se inclina sempre, e segue com um amor sem reserva a inteligência clara e iluminada de seu princípio. Porém, nosso Pai celeste é o princípio e o fim de tudo o que é. Nele começamos bem, no despojamento do espírito, e na visão clara das imagens. Ora, em seu Filho, contemplamos toda verdade, na divina luz e com uma inteligência clara e iluminada. E no Espírito Santo, nos aperfeiçoamos e nos consumimos todos nossos atos, logo que nos elevamos na presença de Deus, pelo amor sem reserva dos espíritos; e ao mesmo tempo, nos despojamos da multidão de coisas terrestres e de toda preocupação. É nisso, em verdade, a tão importante vida contemplativa. Pois o amor aconselha a todo instante começar e acabar. E este é o sexto degrau de nossa escada celestial.