Robinson (JRSJ) – O que se sabe sobre o Evangelho de Judas

Há uma obra de referência acadêmica padrão sobre esses evangelhos que não foram aceitos no cânone do Novo Testamento. Ela relata, de forma demasiadamente acadêmica, mas ainda assim sucinta e exaustiva, tudo o que se sabe até agora sobre os cainitas e seu Evangelho de Judas. Permitam-me citar essa obra de referência, com as devidas desculpas por seu pedantismo:3

1. Atestação: a fonte mais importante e mais antiga aqui é Irineu (adv. Haer. I 31.1 = Theodoret of Cyrus, Haereticorum fabularum compendium I 15, PG LXXXIII 368 B): certos sectários gnósticos possuíam, além de outras obras de sua própria composição, um ‘evangelho’ sob o nome do traidor Judas (Judae euangelium, . . .); essas seitas são em outro lugar identificadas com os cainitas, e contadas entre os ‘gnósticos’ de Epifânio, os nicolaítas, ofitas, setianos ou carpocratianos. A existência e o título do documento. . também são atestados por Epifânio (Pan. 38.1.5; II, 63.13f. Holl.)

2. Conteúdo: seria precipitado atribuir ao Evangelho de Judas uma citação derivada por Epifânio de um livro cainita (Pan. 38.2.4; II, 64.17-19 Holl. ‘Este é o anjo que cegou Moisés, e estes são os anjos que esconderam o povo de Corá, Datã e Abirão, e os levaram embora’). Ainda há menos razão para atribuir a esse evangelho uma fórmula reproduzida por Irineu (I 31.2 e Epifânio 38.2.2), que acompanhava o rito sexual praticado pela seita para a obtenção da ‘gnose perfeita’. Quanto ao assunto e ao conteúdo do apócrifo, estamos reduzidos a uma simples conjectura, apoiada, na melhor das hipóteses, por algumas características da doutrina cainita, como é conhecida a partir das notícias dos heresiólogos. É possível, mas está longe de ser certo, que esse “evangelho” contivesse uma história da paixão que expusesse o “mistério da traição” (proditionis mysterium, . . .) e explicando como Judas, com sua traição, tornou possível a salvação de toda a humanidade: ou ele evitou a destruição da verdade proclamada por Cristo, ou frustrou os desígnios dos poderes malignos, os arcontes, que desejavam impedir a crucificação, pois sabiam que ela os privaria de seu fraco poder e traria a salvação aos homens (ps.Tertuliano, adv. Omn. Haer. 2; Epifânio, Pan. 38.3.3-5; Filastrius, Haer. 34; Agostinho, de Haer. 18; pseudo-Jerônimo, Indiculus de haer. 8; cf. Bauer, Leben Jesu, p. 176). Seja como for, a obra era provavelmente, em substância, uma exposição da doutrina secreta (licenciosa e violentamente antinômica em caráter) ostensivamente revelada por Judas, um resumo da Verdade ou da Gnose superior e perfeita que ele supostamente possuía em virtude de uma revelação (Irineu, I 31.1; Epif. Pan. 38.1.5; Filastrius, Haer. 34).

3. Datação: O Evangelho de Judas foi, naturalmente, composto antes de 180, data em que é mencionado pela primeira vez por Irineu em adv. Haer. Se for de fato uma obra cainita, e se essa seita — supondo que fosse um grupo gnóstico independente — foi constituída em parte, como às vezes foi afirmado, na dependência da doutrina de Marcion, o apócrifo dificilmente pode ter sido composto antes da metade do século II. No entanto, isso seria se basear em argumentos fracos. No máximo, podemos nos inclinar a suspeitar de uma data entre 130 e 170, ou por aí.