Em conformidade com a declaração da Igreja Católica de que Deus é o autor de todas as naturezas e substâncias, aqueles que acham que compreendem esta afirmação, compreendem ao mesmo tempo que Deus não é o autor do mal. Pois pode ele que é a causa do ser de todas as coisas é ao mesmo tempo a causa de seu não ser — ou seja, de sua queda da essência e tendência para não existência? Pois isto é o que a razão declara plenamente ser a definição do mal.
([wiki]Agostinho[/wiki], Da Moral dos Maniqueístas)Se Deus é, de onde vêm as coisas más? Se Ele não é, de onde vem o bem?
(Boecio, Consolação da Filosofia)
O mal como o bem são realidades ao nível do mundo, e de fato as duas coisas pertencem ambas como membros de uma inevitável dualidade, como as sombras pertencem à luz e não podem deixar de fazê-lo. De fato, sem o mal, não pode haver bem. No entanto o argumento apresentado por uma cultura descrente é que “se Deus é todo poderoso, como é que Ele criou um mundo tão cheio de mal?”. Respostas proporcionadas pela maioria dos escritores religiosos — que Deus “permite” o mal com vistas ao um bem maior, ou que o mal deriva do mau uso de nosso livre arbítrio, enquanto teologicamente válida, falha em satisfazer aqueles que logo apontam para as vítimas inocentes de doenças e desastres. Com efeito porque Deus não criou um mundo livre do mal, dor e ansiedade?
Aqueles que absolveriam Deus da responsabilidade são forçados a abraçar uma dualidade, atribuindo aos poderes do mal uma fonte separada e distinta que inevitavelmente leva a se ver o mundo e nosso envolvimento nele como mal, ao invés de uma reflexão e manifestação de Deus Ele mesmo. Ainda outros, alimentados no agnosticismo de nossa era, atribuem todo mal às forças da evolução que removem do campo reprodutivo àqueles que são biologicamente inferiores e ao mesmo tempo evitam o mundo de ser super povoado. Nenhuma destas soluções resolve o “problema”, se de fato, um problema existe.
O Gênesis, se adequadamente compreendido, nos provê muitas respostas. Primeiro a ser notado é dentro do Jardim do Éden, uma serpente, símbolo do mal, existia. Há uma história muçulmana de um homem que perguntou a um santo que tinha o hábito de visitar o paraíso, que lhe trouxesse na volta uma maçã deste lugar “perfeito”. Comendo ela exclamou, “há uma minhoca nesta maçã!”.
Como é isto possível, serpentes e minhocas existirem no Paraíso? Metafísicos nos informam que em Criando algo outro que Ele mesmo, a imperfeição era inevitável. “Só Deus é Perfeito”, como as escrituras dizem. Se Deus criou algo outro que Ele mesmo que era perfeito, seria outro deus o que significaria que Deus é dual, enquanto Sua própria natureza é Unidade ou Unicidade. O mundo que Ele criou era “bom”, mas não perfeito. Mas e o homem? — pois o mal existe, não apenas fora de nós como “poderes e principados”, mas também dentro de nós. Aqui de novo o Genes nos dá um chave.
No centro do Jardim do Éden está a Árvore de Vida, correspondendo ao eixo do universo. Adão, o homem primordial, habita em paz com todos os seres que o acompanham, e eles junto com ele participam no centro tanto quanto sua atenção permanece focalizada aí. Então vem a serpente e oferece a Adão uma experiência ainda não saboreada, aquela da unidade fragmentada, de coisas não referidas ao centro e valorizadas por si mesmas como se fossem entidades auto-suficientes. Não é sem razão que a Árvore agora se torna uma árvore do Bem e do Mal. Uma Árvore, como Marco Pallis disse, “envergada sob o peso de seus frutos, luminosa e escura, contendo a semente do vir-a-ser indefinido… observada do ponto de vista da ignorância,a Árvore de Vida se torna a Árvore de Conhecimento do Bem e do Mal.
Uma vez que entramos no mundo da dualidade somos forçados a escolher e portanto é verdade que o livre arbítrio desempenha uma papel significante. A Guerra, certamente um dos maiores males, é um resultado como Paulo Apóstolo nos garante, de nossas “concupiscências e ambições”. E estas por sua vez estão sujeitas a nossas vontades. A desobediência de Adão e Eva é de fato sua escolha por seguir suas próprias vontades como contra a vontade de Deus. E isto torna claro o relacionamento do mal com o pecado, pois todo pecado é em princípio uma rejeição da verdade ou uma rejeição da lei de Deus. Este centralização da realidade em nós mesmos é um ato de egoísmo e orgulho, que infelizmente acompanha cada um e todos até os dias de hoje. No entanto Deus continua a nos amar e querer o melhor para nós, e, por conseguinte, em Sua Providência, apesar de nossos atos maus ainda assim extrai o bem.
Os teólogos nos informam que Deus criou o mundo do amor, e que o amor, sendo sua natureza intrínseca, Ele não pode deixar de nos amar. Ele deseja por sua vez que O amemos — amemos a Verdade, Beleza e Justiça, que nada mais são seu Seus vários nomes. Tivesse Ele criado um mundo perfeito, um mundo no qual não poderíamos escolher a Verdade, a Beleza e a Justiça, um mundo no qual não poderíamos amar, seríamos robôs e nos faltaria até mesmo a possibilidade de dignidade. Ao invés de levantar o “problema do mal”, poderíamos perguntar porque Deus se incomodou em criar o mundo. De fato, porque existimos?
Deus que em nos criando, nos dispôs no reino da relatividade, não quer o mal enquanto mal; ou seja o mal como nos aparece. Como Marco Pallis coloca, “Ele é o criador do relativo, como é requerido por sua Infinidade, e esta relatividade que chamamos mal, é uma função necessária, sendo de fato a medida da aparente separação do mundo de seu princípio, Deus — uma separação ilusória na medida que nada pode existir lado a lado com o infinito, embora tão real quanto afirme ser em seu próprio nível relativo. Como Frithjof Schuon coloca, “Não se pode pedir a Deus de querer o mundo e ao mesmo tempo querer que ele não seja o mundo”. O mundo é um redemoinho de contrastes como é tão bem expresso pelo termo hindu samsara. Não é uma unidade em si próprio. Não há limitação ao Todo-poderoso por ele não poder produzir um outro Ele mesmo, um segundo Absoluto. O mundo está aí para prová—lo.
E quanto as vítimas do mal. São levadas a questionar, “Porque eu”. A própria questão demanda uma resposta errada. Somos parte da relatividade. Assim como por a questão em termos de um “problema do mal”, leva para longe da verdade, assim também questionar “porque eu” centraliza o problema em nosso ego individual e pede uma solução. O desafio real é reconhecer que se é parte de uma relatividade da criação e que se forçado a escolher e agir. Sofrer é visto sob esta luz é sempre um dom, nos conduzindo para, deste modo, abandonar a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, e nos voltarmos de novo para a Árvore da Vida, pois é somente desta maneira que se pode escapar do oceano samsarico no qual todos somos forçados a nadar. Como São João disse: “Aquele que superar permitirei comer da árvore de vida, que está no paraíso de meu Deus”. (Apocalipse, II,7)
“Comemos dos frutos da árvore do conhecimento e o sabor de cinzas ficou em nossas bocas”. (Anatole France)