Puech (HCPG1:Prefácio) – o gnóstico e sua liberação

Não se trata, portanto, de uma busca desinteressada e serena do Conhecimento, visando a Ciência ou a Verdade por si mesmas. A pergunta que o gnóstico faz a si mesmo desde o início: “Quem sou eu?”, “O que somos nós?”, é pragmática e, para ele, vital. Ao mesmo tempo em que trai um certo desenraizamento, causado pelo desconforto que sente em relação a si mesmo e ao “mundo” pelo próprio fato de sua existência, a pergunta já está orientada para uma finalidade: qual é a razão da existência, da minha própria existência? O gnóstico não aspira a se situar objetivamente dentro do mundo e em relação a ele, mas em oposição a ele e, em última instância, fora dele. O conhecimento que ele se propôs a alcançar de si mesmo é no sentido oposto àquele que os antigos intérpretes da máxima délfica geralmente lhe atribuíam: seu objetivo e resultado não é determinar e discernir seu lugar exato neste mundo, reconhecer seus próprios limites, subordinar seu destino e seus deveres a uma ordem universal, mas, ao contrário, levá-lo à descoberta e à afirmação de si mesmo como estranho e superior ao mundo, fazê-lo recusar-se a comprometer-se nele e com ele, impeli-lo a superá-lo, ultrapassá-lo, para que possa estabelecer sua independência soberana acima e além dele. Ele não se preocupa com o significado de sua existência atual, exceto para tentar se libertar dela ou transformá-la.

Diante das dificuldades de uma situação julgada insuportável, o que importa para o gnóstico é desprender-se dela, “sair dela”, “safar-se”. Daí, imposta por uma necessidade, nascida de uma exigência que reúne em si inquietude, medo, anseio, decepção ou irritação, impaciência, ressentimento, negação, ódio ou revolta, a exigência, por sua vez apaixonada, de uma solução, de uma resolução que traga consigo, ao mesmo tempo que a chave do problema, a liberação; a exigência de uma “salvação” entendida, desse ponto de vista, como um salvamento. A deriva do gnóstico assume, assim, um aspecto patético: a busca empreendida é uma “aventura”, assimilada aqui ou ali a uma “navegação” mais ou menos abalada ou ameaçada pelas ondas; aquele que a empreende é representado como “sofredor” na busca de seu empreendimento, “perturbado”, “assustado” ou “confuso” antes de chegar ao seu fim; a imagem que ele forma de sua existência temporal, de sua própria “história”, bem como do desdobramento desse devir universal e total no qual se coloca para explicar a si mesmo, adquire um caráter dramático.