Pseudo Simeão Modos Prece

Seleção de Jean Gouillard
Método para a santa oração e atenção
Há três formas de oração e de atenção; elevam a alma ou a fazem cair, conforme o uso que delas se faz: no tempo adequado, ou então inoportunamente e às avessas.

A sobriedade e a oração são unidas como a alma e o corpo: uma não subsiste sem a outra. Elas combinam duplamente. Em primeiro lugar, a sobriedade resiste ao pecado como um batedor e uma linha de frente. Depois, vem a oração, que extermina e destrói no mesmo instante os maus pensamentos subjugados pela vigilância; porque a atenção, sozinha, não será capaz de fazê-lo. Ei-la, a porta da vida e da morte, isto é, a atenção e a oração: purifiquemos a oração; pela sobriedade nos tornamos melhores. Se a diminuímos e corrompemos através de nossa negligência, nada mais valemos.

A atenção e a oração, dissemos, são de três espécies. É preciso, pois, expor as propriedades de cada uma. Assim, aquele que quer obter a vida e se por à prova, poderá escolher o melhor entre esses três estados bem distintos, com toda a segurança, sem correr o risco de se privar da melhor parte, por ter guardado, sem saber, a menos boa.

A primeira oração
Eis as propriedades da primeira oração: quem se coloca em oração, eleva ao céu as mãos e os olhos, ao mesmo tempo que o espírito; seu espírito forma conceitos divinos, imagina belezas celestes, hierarquias de anjos, moradas de justos. Numa palavra, acumula no espírito, no momento da oração, tudo o que aprendeu das santas Escrituras, excita a alma ao amor de Deus, imobilizando intensamente o olhar no céu. Acontece que as lágrimas correm e pouco a pouco o coração se dilata e se eleva. Ele toma esse fenômeno per uma consolação divina e deseja, daí em diante, não ter outra ocupação. Tais são os sinais da sua ilusão, pois o bem que não é bem feito não é bem.

Suponhamos que esse homem leve uma vida solitária e inteiramente fechada; necessariamente perderá a cabeça. Suponhamos que evite esse destino; ser-lhe-á impossível chegar a possuir as virtudes e a apatheia. Foi essa espécie de atenção que enganou os que sensivelmente percebem luzes, respiram perfumes, ouvem vozes e experimentam tantos outros fenômenos da mesma ordem. Uns tornaram-se verdadeiros possessos do demônio e ficaram giro-vagando de lugar em lugar, de terra em terra; outros, por não terem reconhecido “aquele que se disfarça em anjo de luz”, deixaram-se surprender, desviaram-se e se tornaram incorrigíveis para sempre, fechados a qualquer censura. Outros se suicidaram, levados a esse extremo pelo sedutor, uns, atirando-se de lugares altos, outros recorrendo à corda. E quem poderia esgotar todos esses recursos da ilusão diabólica?

Diante do que acabamos de dizer, o homem avisado avaliará o proveito da primeira atenção. Admito que alguns tenham escapado a esses acidentes, graças à vida em comunidade ( é aos anacoretas que isso acontece ); o que é certo, é que não farão o menor progresso em toda a sua vida.

A segunda oração
Agora, a segunda oração. O espírito se retira dos objetos sensíveis, guarda-se das sensações exteriores, impede os pensamentos de caminhar em vão por entre as coisas deste mundo ( texto muito duvidoso ). Ora ele perscruta seus pensamentos, ora aplica a atenção às orações que a boca dirige a Deus, ora atrai os pensamentos prisioneiros; ora, tomado ele próprio pela paixão, violenta-se para voltar a si. Aquele que combate dessa maneira, jamais conhecerá a paz, nem cingirá a coroa dos vencedores. Seria como um homem que combate à noite; ele ouve bem as vozes dos inimigos, recebe seus golpes, mas é impossível distinguir a identidade desses inimigos, o lugar de onde saem, a natureza e os motivos do combate, pois toda a sua infelicidade vem das trevas do espírito. Quem se bate assim, será, com toda a certeza, esmagado pelos invasores espirituais; suportará o sofrimento, sem receber a vantagem da recompensa. Ele se deixará prender na armadilha da vangloria, através de sua pretensa atenção; torna-se seu escravo e seu brinquedo, quando não chega ao ponto de reprovar os outros com altivez, por não se assemelharem a ele, e a instituir-se em pastor de ovelhas, o cego que se ocupasse de guiar outros cegos! São essas as características da segunda oração, capazes de dar, a um espírito zeloso, a idéia de seus inconvenientes. Apesar disso, a segunda oração é superior à primeira, tanto quanto uma noite de lua cheia a uma noite escura e sem estrelas.

A terceira oração
Vamos abordar a terceira oração. Coisa estranha e difícil de explicar. Para os que a ignoram, é mais do que difícil entendê-la; ela é quase inacreditável. Raros são aqueles em quem a encontramos! A meu ver, esse grande bem desertou por trás da obediência.

Pois, a obediência, arrancando deste século perverso aquele que a ama, libertando-o das preocupações e dos apegos sensíveis, torna-o disposto e decidido a caminhar para o objetivo. Sob a condição, é claro, de encontrar um guia seguro. Que objeto efêmero poderia ainda arrastar o espírito que a obediência fez morrer para qualquer complacência com o mundo e com o corpo? Que espécie de preocupação poderia arrastar aquele que entregou ao pai ( espiritual ) todo o cuidado com sua alma e cem seu corpo? aquele que não vive mais para ele, nem deseja o “dia ( = julgamento ) do homem?” Graças a isso, rompem-se os relacionamentos invisíveis dos poderes de revolta que, como amarras, arrastam o espírito a mil circuitos de pensamentos. O espírito libertado pede combater com eficácia, penetrar os pensamentos dos inimigos e expulsá-los com habilidade, ao mesmo tempo em que faz a oração elevar-se do cc ração purificado. Os que não começam desse modo, fazem-se esmagar, sem proveito.

O princípio da terceira oração nau é olhar para c alto, com as mãos estendidas, reunindo os pensamentos e pedindo o auxílio do céu. Essas são, como dissemos, as características da primeira ilusão. A terceira oração também não começa, como a segunda, fixando a atenção do espírito nos sentidos exteriores, sem distinguir os inimigos de dentro. Já vimos que é o melhor modo de receber os golpes sem poder respondê-los; ser ferido, sem perceber; ser levado ao cativeiro, sem poder resistir aos que vos conduzem. De todos os lados “os pecadores vos abrem sulcos na espinha, ou antes, no rosto” ( cf. Sl 129,3 ) e fazem de vós um vaidoso e auto-suficiente.

Quanto a ti, se queres empreender esta obra geradora de luz e de delícias, lança as suas bases com resolução. Depois da rigorosa obediência descrita acima, precisarás ainda fazer tudo com consciência, pois, fora da obediência, não há consciência pura. Guardarás tua consciência para com Deus em primeiro lugar, depois para com teu pai, e em terceiro lugar para com os homens e as coisas. Para com Deus, não fazendo nada que seja contrário a seu serviço; para com teu pai, fazendo tudo o que ele te diz, conforme seu próprio desígnio, sem tirar nada e nem acrescentar nada; para cem os homens, não fazendo aos outros o que não desejas para ti mesmo. Quanto às coisas materiais: tu te guardarás do abuso em tudo, comida, bebida, roupas; numa palavra, farás tudo sob o olhar de Deus, protegido de qualquer censura de tua consciência.

Agora que pusemos em evidência e traçamos o caminho da verdadeira atenção, digamos algumas palavras claras e breves sobre suas propriedades. A atenção e oração infalível consiste nisto: o espírito, durante a oração, guarda o coração, não cessa de ali girar e tornar a girar; do fundo desse abismo, lança suas súplicas ao Senhor. Então, o espírito, tendo “experimentado que o Senhor é bom”, não é mais expulso da morada do coração. Ele retoma a palavra do Apóstolo: “É bom estarmos aqui” ( Mt 17,4 ). Sempre inspecionando esse lugar, persegue a grandes golpes os conceitos que o inimigo ali semeia. Sem dúvida, os ignorantes julgam essa conduta austera e rebarbativa; certamente o exercício é penoso e sufocante, não digo só aos não iniciados, mas até aos que, tendo já uma experiência considerável, ainda não sentiram nem levaram o prazer ao fundo do coração. Mas aqueles que saborearam esse prazer, que fizeram descer a sua doçura pelos canais do coração, podem, também eles, exclamar com São Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo?” ( Rm 8,35 ).

Nossos santos Padres, tendo ouvido a palavra do Senhor: “de vosso coração procedem más intenções, assassínios, adultérios, roubos, juramentos falsos” e “são essas coisas que tornam o homem impuro” ( Mt 15,19-20 ); tendo ouvido também sua exortação a limpar o interior do copo para que também o exterior fique limpo ( Mt 23,26 ) — deixaram de lado todas as outras formas de prática das virtudes, para apoiar o combate unicamente sobre a guarda do coração, bem convencidos de que cem ela dominariam sem dificuldade qualquer outro exercício. Alguns Padres deram-lhe o nome de “repouso do coração”, outros de “atenção”, outros de “guarda do coração”, alguns de “sobriedade e contradição”, outros de “exame dos pensamentos” e de “guarda do espírito”, mas todos, em uníssono, trabalharam o campo do coração e conseguiram, assim, comer o maná de Deus. É a seu respeito que diz o Eclesiastes: “Jovem, rejubila-te na tua juventude… anda nos caminhos de teu coração… sem mancha e expulsa a tristeza do teu coração ( 11,9 ). “Se o espírito do que comanda se levanta contra ti, não abandones o teu lugar” ( 10,4 ). Dizendo lugar, ele quer designar o coração, segundo a palavra do Senhor: “Do coração procedem más intenções” ( Mt 15,19 ); e ainda: “Não vos eleveis” ( Lc 12,29 ); e em outra passagem: “Como é estreita a porta e apertado o caminho que conduz à vida!” ( Mt 7,14 ) e ainda: “Bem-aventurados os pobres de espírito!” ( Mt 5,3 ) ou seja, os que não têm nenhuma preocupação com o século presente. Diz o apóstolo Pedro, por sua vez: “Sede sóbrios e vigilantes, pois vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão que ruge, procurando devorar” ( lPd 5,8 ). Paulo pensa manifestamente na nossa guarda do coração, quando escreve aos efésios: “Nosso combate não é contra a carne nem contra o sangue…” ( Ef 6,12 ).

O que disseram os santos Padres em seus escritos, sobre a guarda do coração, sabem aqueles que se dão ao trabalho de lê-los.

[Quem o deseja, só tem que examinar os seus escritos; encontrará, em minhas palavras, exatamente o que trataram Marcos, o Asceta, João Clímaco, Hesíquio e Filoteu, o Sinaíta, Isaías, Barsanúfio e todo o Patéricon ou Paraíso, etc. Em resumo, sem guardar o espírito, ninguém pode chegar à pureza do coração e, assim, merecer ver Deus. Sem ela, não há pobres de espírito, não há pranto nem fome e sede de justiça; sem a sobriedade, ninguém será verdadeiramente misericordioso, puro de coração, pacífico, perseguido por causa da justiça; numa palavra, sem a sobriedade, é impossível adquirir as virtudes inspiradas por Deus. Abraça-a, pois, antes de qualquer outra coisa, e farás a experiência do que te digo:

Se queres, além disso, aprender como orar, vou dizê-lo também, o melhor que puder, com a ajuda de Deus. Antes de tudo, precisas adquirir três coisas; depois, te dedicarás a teu objetivo: indiferença em relação às coisas sensatas ( permitidas ) e insensatas ( proibidas ), isto é, morte a todas as coisas; uma consciência pura, guardando te de qualquer condenação de tua própria consciência; enfim, imutável desapego de toda paixão que te fizesse inclinar-te para o século presente ou mesmo para o teu próprio corpo.

Então, senta-te numa cela tranqüila, afastado, num canto, e aplica-te em fazer o que te digo: fecha a porta, eleva teu espírito acima de todo objeto vão ou passageiro. Depois, apoiando a barba contra o peito, dirige os olhos do corpo, ao mesmo tempo que todo o teu espírito, para o centro do ventre, isto é, para o umbigo; comprime o ar aspirado, que passa pelo nariz, de modo a não respirar com facilidade; examina mentalmente o interior de tuas entranhas, à procura do lugar do coração, que todos os poderes da alma gostam de freqüentar. No início, encontrarás trevas e uma opacidade obstinada; mas, se perseverares, se noite e dia praticares esse exercício, encontrarás — que maravilha! — uma felicidade sem limites. Pois, logo que o espírito encontra o lugar do coração, vê de súbito o que jamais tinha visto. Vê o ar que se encontra dentro do coração, vê-se a si mesmo inteiramente luminoso e cheio de discernimento. Daí em diante, se um pensamento despontar, não terá tempo de tomar forma, nem de se transformar em imagem, porque ele o perseguirá e o reduzirá a nada, pela invocação de Jesus. O espírito, em seu ressentimento contra o demônio, excitará a cólera que a natureza lhe deu, contra os inimigos espirituais, e os expulsará a grandes golpes. O resto tu aprenderás, com a ajuda de Deus, praticando a guarda do espírito e retendo Jesus em teu coração. “Senta-te em tua cela, como te foi dito, e ela te ensinará todas as coisas”.

Pergunta: Por que a primeira e a segunda guarda são incapazes de fazer um monge perfeito?
Resposta: Porque não respeitam a ordem. João Clímaco estabeleceu essa ordem como se fosse uma escada: “Uns se dedicam a enfraquecer suas paixões; outros salmodiam e consagram a essa ocupação a maior parte do tempo; outros perseveram na oração; outros mantêm o olhar fixo na contemplação, nas profundezas; o problema deve ser estudado como uma escada ( cap. 27 ). Quem quer subir uma escada, não vai de cima para baixo, mas de baixo para cima; transpõe antes de tudo o primeiro degrau, depois c seguinte, e assim sucessivamente todos os outros. Desse modo conseguirá elevar-se da terra, para subir até o céu. Se, portanto, quisermos chegar ao homem perfeito da plenitude de Cristo, comecemos a subir a escada estabelecida, como as criancinhas, percorrendo todas as fases do crescimento das crianças, para atingir pouco a poucc a dimensão do homem maduro, e depois, do velho.

A primeira idade do crescimento monástico consiste em arrefecer as paixões: é a tarefa dos principiantes.
O segundo degrau e escalão de crescimento, que transforma em rapaz um ser espiritual ainda adolescente, é a assiduidade à salmodia. Uma vez enfraquecidas e mitigadas as paixões, a salmodia se terna doce ao ser recitada, ganha preço diante de Deus, pois não é possível “cantar ao Senhor numa terra estranha”, isto é, num coração apegado às paixões. É nisso que se reconhece os que progridem.

O terceiro degrau e escalão de crescimento faz c rapaz passar à virilidade espiritual: é a perseverança na oração e o distintivo dos que progrediram. No ponto em que estamos, há entre a salmodia e a oração a mesma diferença que há entre um homem maduro e um adolescente eu um rapaz.

Segue-se o quarto degrau e escalão de crescimento espiritual, o do ancião, com cabelos brancos: é o olhar fixo e imóvel da contemplação, o atributo dos perfeitos. O itinerário está terminado; o alto da escada foi atingido.

Essa é a ordem que o Espírito estabeleceu; para a criança tornar-se homem e chegar à condição de velho, não há outro meio, senão começar pelo primeiro degrau, para depois escalar convenientemente os outros quatro e elevar-se, assim, à perfeição.

O primeiro passo em direção à luz, daquele que quer renascer espiritualmente, consiste em arrefecer as paixões e guardar o coração. Mitigar as paixões de outra maneira é impossível.

Vem em segundo lugar a intensidade da salmodia. Uma vez que a resistência do coração tenha mitigado e arrefecido as paixões, o desejo da reconciliação divina inflama o espírito. O espírito assim reconfortado acossa, por meio da atenção, os pensamentos que sopram na superfície do coração. Depois ele se aplica de novo à segunda oração e atenção. Desencadeia-se então a tempestade dos espíritos; os sopros das paixões começam a sublevar o abismo do coração, mas a invocação do Senhor Jesus faz com que se dissolvam e evapora-os como cera. Expulses, continuam a agitar, através das sensações, a superfície do espírito; depois, a bonança não tarda a se fazer sentir. Mas escapar disso, inteiramente sem combate, é coisa impossível. É o privilégio de quem atingiu a idade do homem maduro, do anacoreta perfeito, assíduo à atenção ininterrupta do coração.

Em seguida, aquele que conseguiu a atenção, eleva-se lentamente à sabedoria dos cabelos brancos, isto é, da contemplação, o quinhão dos perfeitos. Quem percorrer esses degraus no tempo e ordem exigidos, poderá, depois de expulsar do coração as paixões, dedicar-se à salmodia; repelir regularmente os pensamentos suscitados pelas sensações e a perturbação da superfície do espírito; quando for necessário, dirigir para o céu, ao mesmo tempo, os olhes do corpo e os do espírito; praticar a oração pura, mas de passagem e raramente, por causa dos inimigos emboscados no ar. Tudo o que nos pedem é um coração purificado pela vigilância: “Se as raízes são santas, diz o Apóstolo, os ramos também o serão” ( Rm 11,16 ) e o fruto com eles. Porém, elevar cs olhos e o espírito, não como dissemos, mas de outra maneira, querendo mentalmente representar imagens, é ver uma reverberação vã de imagens, mais do que a realidade. A primeira e a segunda atenção não são meio de progresso, porque o coração é impuro.

Quem constrói uma casa não faz o telhado antes das fundações ( o que é impossível ), mas coloca primeiro as fundações, depois as paredes e, por cima, o telhado. Aqui, é a mesma coisa. Guardando o coração e arrefecendo as paixões, lançamos as bases de nossa casa espiritual. Depois, rechaçando através da segunda atenção a tempestade dos maus espíritos, sublevados pelas sensações exteriores, evitamos imediatamente o combate e edificamos, sobre as fundações, as paredes da casa espiritual; enfim, para a perfeição de nossa tendência para Deus e de nossa solidão, construímos nosso teto e terminamos, assim, a casa espiritual no Cristo Jesus, Nosso Senhor.