ICONOGRAFIA — ICONOGRAFIA NASCENTE — PRIMEIRAS IMAGENS DE JESUS
VIDE: ACHEIROPOIETOS
Jacques Bonnet
Se Jesus podia fisicamente se assemelhar a algum humano de sua época, deveria ser essencialmente a Maria, sua mãe, acessoriamente a seus “irmãos”, entendendo este termo no sentido mais amplo. Tiago, irmão de Jesus, pode portanto nele realizar uma imagem de Jesus, mesmo imperfeita. Ora a semelhança é aquela da face. Donde a importância atribuída à cabeça em tudo que concerne o culto de São Tiago. É em Edessa que teria aparecido o primeiro retrato de Jesus, o mandylion que, segundo estudos recentes, não seria outro que o Santo Sudário de Turim. O nome de jacobitas atribuído aos primeiros cristãos da Síria é devido aos numerosos “Tiagos” que os representavam: Tiago Bar Addai, Tiago de Sarug e em seguida Tiago de Edessa. Tiago de Jerusalém tem em suas mãos a cabeça de Tiago Maior. Seja às Santas Marias ou à Compostela, a semelhança do Mestre veio ao Ocidente com esta cabeça, e isto pelo mesmo suporte: um barco sem leme.
Pode-se assim notar, na mesma ordem de ideias, que Jesus nos Evangelhos, se substitui à Israel e toma certos caracteres de seu ancestral Jacó do qual descendia como sendo da tribo de Judá. Quando diz: “Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do Homem”, ele se identifica a Jacó cuja cabeça repousou sobre a pedra servindo de base a escada onde os anjos subiam e desciam. A realização se fez então da Transfiguração onde “sua face brilhava como o sol” (Mt 17,2).
Iconografia
Ewa Kuryluk: SANTA VERÔNICA E O SUDÁRIO
Se Jesus tivesse feito parte do mundo clássico, seu semblante poderia ter sido captado pelo olho de um artista e ele poderia ter sido retratado quando ainda estava vivo. Mas desde que não existia nenhum retrato seu, a arte cristã primitiva representou-o não como um homem particular, mas como um tipo. A medida que a fábula extraordinária da vida e morte de Cristo se espalhava através do Império Romano, a curiosidade das pessoas emergiu e começaram a aparecer já no século II lendas sobre seus “retratos”, assim como os próprios retratos. Como ainda era considerável a sensibilidade ao segundo mandamento, os produtores e proprietários de retratos de Jesus eram denunciados como inimigos do cristianismo, pagãos e heréticos. De um modo característico da criação de lendas, Pilatos, o perseguidor de Cristo, também foi condenado por retratar sua vítima. Repetindo provavelmente um mexerico malicioso, Santo Irineu (cerca de 137) ataca os gnósticos Carpocratas por terem imagens — pintadas e executadas em outro meio — que eram consideradas retratos de Cristo feitos por Pilatos, para serem exibidos e adorados em conjunto com os bustos de Pitágoras, Platão e Aristóteles (Contra as Heresias, 1.24.5). Farrar insinua que, baseado nessas pseudo-semelhanças, o imperador Alexandre Severo (208-35), um príncipe sírio de mente arejada, executou sua estátua de Jesus Cristo que, de acordo com Lampridius, ele mantinha em seu lararium com outras de Abraão, Orfeu, e Apolônio de Tiana.
No primeiro quartel do século IV, apareceu o primeiro retrato de Jesus, patrocinado por uma mulher bíblica. Agradecida pela sua cura (v. Fluxo de Sangue, a Hemorrhissa homenageou a si mesma e a Jesus num “maravilhoso memorial ao benefício que o Salvador lhe conferiu” (Eusebius, História da Igreja, 7.18:1). Dificilmente pode-se ter alguma dúvida de que Eusebius viu o retrato duplo e ouviu sua história. Entretanto, não poderemos saber nunca quando a estátua foi realmente executada e a quem ela, na verdade, representava. Poderia ter pertencido ao gênero popular de esculturas votivas e ter sido erigida pela cidade de Caesarea para um imperador com a inscrição “ao Salvador (Soter) ou ao “Benfeitor (Euergetes)” — um meio tradicional de se dirigir aos governantes — ou poderia ter mostrado Asclépio ou algum outro médico ou herói. É bem provável que após o Edito de Tolerância de Constantino um “velho pedaço de sucata pagã tenha sido redescoberto”, e a comunidade cristã local, ansiosa em mostrar que desde o início o objeto tinha um contato com Jesus, tenha-lhe dado um novo significado.
O relato de Eusebius não é só crucial para a formação da lenda do vera icon, mas também significativo no que diz respeito à retratação do Cristo. Eusebius é conhecido pela sua reprovação da representação pictórica, sua descrença quanto ao conteúdo assumido pelas figuras “sagradas”, e seu desencorajamento às pessoas ansiosas em adquirir ícones. Mas nesse caso particular ele não descarta como insensata a possibilidade que o monumento poderia mesmo reproduzir Jesus e Hemorrhissa. Ao contrário, parece que ele aprova esse ponto de vista. Por quê? Será que Eusebius está tão convencido da autenticidade da escultura? Dificilmente. E mais provável que ele ache que, em vista da vitória do cristianismo, a época é oportuna para esse retrato específico de Jesus — que provém dos tempos bíblicos, estabelece um vínculo entre divindade e feminilidade, e está associado à cura, à quebra do tabu menstrual e à encarnação. O tratamento simpático dado por Eusebius à história de Jesus e Hemorrhissa parece-se com uma manobra perspicaz de um político da Igreja, ávido em adaptar o passado às necessidades da história contemporânea. Em seu Vida de Constantino, Eusebius continua a enfatizar a linha reta que liga Deus ao Imperador. Aqui ele conduz um contato direto similar entre Cristo e uma mulher de condição inferior — a última das últimas, tornando-se a primeira possuidora do retrato de Deus. A aceitação da imagem Jesus-Hemorrhissa assinala uma atitude de mudança da Igreja em relação à reprodução pictórica de Jesus vivo: antes os pagãos e heréticos eram culpados por retratá-lo, agora o desejo de obter sua reprodução é interpretada como um sinal de devoção. No Apocriticus de Macarius Magnes, uma apologia da fé escrita em cerca de 410, a Hemorrhissa curada é uma princesa Edessena chamada Berenice. Ela deixa o monumento — “registro da façanha” — para seu filho a fim de lembrá-lo de “algo feito recentemente”.