BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI: CÓDICE IV
A PRECE DE AÇÃO DE GRAÇAS (VI,7)
Tradução de J. P. Mahé, in BCNH, n.° 3, 1978. (trad. em português de Álvaro Campos)
Esta prece de ação de graças pelo dom da gnose deificada parece implicar uma liturgia (abraço ritual e ceia). Nesse aspecto, ela mostra que os meios herméticos conheciam encontros litúrgicos, não se limitando a ser simples círculos filosóficos. A brevidade desta prece permite-nos transcrevê-la in extenso. Ela se compõe de três partes: a invocação do nome divino (p. 63,34-64,3), a enumeração dos benefícios concedidos por Deus (p. 64,4-28) e, por fim, breve pedido para que o fiel não deva jamais renunciar à vida contemplativa (p. 64,28-65,7):
Eis a prece que eles ditaram.
Nós te damos graças. Toda alma e (todo) coração estão voltados para ti, ó Nome que não se perturba, honrado com a denominação de Deus e abençoado com a denominação de Pai. Pois para cada um e para o Todo (se estendem) a benevolência do Pai, (sua) afeição, (seu) favor e (quanto ao) saber, (tudo) o que há de doce e de simples, concedendo-nos na graça o intelecto, o discurso e a gnose: primeiro o intelecto, para que te compreendamos; o discurso, para que nos façamos teus intérpretes; por fim, a gnose, para que te conheçamos. Nós nos rejubilamos por termos sido iluminados por tua gnose. Nós nos rejubilamos porque, neste corpo, tu fizeste de nós deuses em tua gnose. A ação de graças do homem que chega até a ti é a única (coisa) que faz com que te conheçamos. Nós te conhecemos, ó luz espiritual, ó vida da vida. Nós te conhecemos, ó seio materno (que encerra) toda semente. Nós te conhecemos, ó seio materno, que concebes pela natureza do Pai genitor. Eis como nós veneramos tua bondade: nós te pedimos (que concedas) um só desejo: nós queremos ser preservados na gnose. E a única salvaguarda é o que nós queremos: não decair deste tipo de vida.
Tão logo recitada essa prece, eles abraçaram-se uns aos outros e foram comer seu alimento, que era puro e não continha sangue.
A prece é seguida de interessante anotação do escriba, que fala dos inúmeros documentos já copiados por ele e que não anseia refazer um trabalho já efetuado por outro. Se ele é, como se pensa, o copista dos códices IV, V, VI, VIII e XI, podemos compreender suas reservas, pois, no caso, já copiou os longos tratados Apócrifo de João, Evangelho dos Egípcios e Eugnosto, que se encontram alhures (Apócrifo de João em 11,1; Evangelho dos Egípcios em 111,2 e Eugnosto em 111,3):
Dele, eu já copiei pelo menos aquele tratado. Pois dele já me chegou grande número: eu não os copiei, pensando que eles chegaram a vós. Assim, hesito em copiá-los pelo fato de que talvez eles já tenham chegado a vós e o assunto vos entediaria. Acontece que há muitos discursos dele que me chegaram (p. 65,8-14) (Tradução de J. P. Mahé, in BCNH, n. 7, 1982, p. 459).