EVDOKIMOV FUNDAMENTO ÍCONE

Paul Evdokimov — A Arte do Ícone

El arte del ícono — Teología de la Belleza, Paul Evdokimov, Publicaciones Claretianas, colección Teología 2 — Ortodoxia II, Madrid, 1991, 364 pp., ISBN 84-86425-98-0

Contribuição e tradução de Antonio Carneiro do Capítulo VIII — páginas 205-213

O fundamento dogmático do ícone

O Concílio VII formulou o Cânone que determina a veneração do ícone. As precisões dogmáticas estão dispersas nos ensinamentos dos Padres e se emanam principalmente do mesmo ícone, de sua evidência luminosa, de sua vida prodigiosa na qual se pode seguir passo a passo o dinamismo da Tradição. Ela é o lugar em que Cristo, mediante diversos elementos da vida da Igreja (liturgia, sacramentos, patrística, ícone), comenta suas próprias palavras.

“Martyrum signum est maxime caritatis”. O mesmo ícone é martírio e traz as pegadas de um batismo de sangue e fogo. O sangue dos mártires se misturou com as partes dos ícones, salpicados pela luz, durante a perseguição encarniçada exercida pelos iconoclastas. O patriarca Germano deposto declara retirando seu pálio: “sem a autoridade de um Concílio, tu não podes, “basileus”, mudar nada da fé”. O papa Gregório II disse por sua vez à Leão o Isáurico: “os dogmas da Igreja não são assunto teu... abandona tuas loucuras”. No caso do ícone, não se trata de simples ilustrações. Unidos então na mesma Tradição, o Oriente e o Ocidente se levantaram juntos contra a heresia, pois, tocando o ícone, se tocava também o dogma, se socavava toda a economia da salvação. As venerações do Evangelho, da Cruz e do Ícone, formam um todo com o mistério litúrgico da presença que a Igreja proclama desde o fundo do cálice. “Nossa doutrina está de acordo com a eucaristia, e a eucaristia a confirma”, disse São Irineu.

Se toda arte digna desse nome não pretende nunca duplicar o real mas sim que aspira a revelar seu sentido, a decifrar sua mensagem secreta, a captar seu logos, a sugerir a vocação mais alta das liberdades que o animam, a iconografia, em seu topo, surge claramente da pneumatologia. Por isso São João Damasceno atribui ao ícone a presença do Espírito Santo.

“A vida estava em Ele” disse o prólogo do Evangelho de São João (1,4). O Espírito — a Vida — desde a eternidade era interior ao Verbo. No momento da Epifania, desce do céu feito uma Pomba e se detém, pousa-se sobre Jesus. Em suas aparições, é um movimento “em direção a Jesus”, em direção ao Cordeiro, a fim de fazer manifestar sua divindade. “Situa-se atrás”, em Cristo, para anunciá-lo “para frente”, seu alento leva a palavra de Cristo, a faz audível, a amplifica, confere-lhe respiração de vida e dimensão escatológica: “Bebendo na fonte do Espírito, bebemos a Cristo”, diz admiravelmente São Atanásio. O Espírito nos introduz em Cristo e em Cristo é onde encontramos plenamente o Espírito e somos “inspirados” por Ele para captar o sentido último da Gordon Estado Primordial.

A ação santificadora do espírito condiciona todo ato no qual o espiritual toma corpo, encarna-se, faz-se “cristofania”, manifestação de Cristo. Assim, o espírito “incubava” o abismo para fazer surgir dele o mundo, lugar da Encarnação. Pela boca dos profetas, todo Antigo Testamento é o Pentecostes preliminar com vistas ao Advento da Virgem e de seu “fiat”. O Espírito desce sobre Maria e faz d’Ela a “Theotokos”, de Jesus faz Cristo-Ungido e revela n’Ele “ao Cordeiro imolado desde a fundação do mundo”. Das suas línguas de fogo nasce a Igreja, Corpo de Cristo. De um batizado, faz um membro de Cristo, do vinho e do pão, o sangue e o corpo do Senhor; Iconógrafo divino, faz o ícone “não feito por mão humana”, a Santa Face, e desse Arquétipo vem todos os ícones feitos com as formas deste mundo e com a luz tabórica.

A teologia dos Padres mostra a importância excepcional da “epiklesis” que ultrapassa o plano litúrgico da eucaristia, se universaliza e faz ver no Espírito o poder divino da revelação e da manifestação do invisível. É Ele quem pronuncia em nós, conosco: “Abba”, “Pai”, para deixar-nos suplicar: Abba Pai, envia teu Espírito Santo para que possamos contemplar seu rosto e por meio de sua humanidade deificada, “tocha de cristal”, ver a “Hypostasis do Deus Homem”.

O dia de Pentecostes, o Espírito Santo volta-se ativo dentro da natureza e se estabelece como “fato interior” do ser humano, se faz o co-sujeito de nossa vida em Cristo, mais íntimo que nós mesmos. “Pelo espírito Santo toda criação se renova em sua condição primeira”, em sua verdade inicial e última, a qual faz ver na Igreja o ícone da unidade diversa da Trindade, e em todo homem um ícone vivo, imagem de Deus.

  • DEUS É FORMA DE TODA FORMA