MORTE: TRADIÇÃO ORTODOXA

JEAN-CLAUDE LARCHET — A VIDA APÓS A MORTE

A morte é um grande mistério. Este fato que constitui, como sublinharam muitos filósofos, a única certeza de nosso futuro, é também um dos mais incertos quanto a sua natureza e seus seguimentos.

A escritura sublinha o caráter imprevisível da morte ("Não conheceis nem o dia nem a hora", Mateus 25,13). Ela nos dá indicações sobre sua origem (Rom 5,12). Ela nos anuncia a ressurreição futura dos corpos e a vida eterna do Reino a vir, mas ela não nos dá praticamente ensinamentos sobre o período que separa a morte de cada pessoa do Juízo final e universal e da ressurreição que devem ocorrer ao final dos tempos. É notável além do mais que nos relatos da ressurreição do filho da viúva de Nain (Lucas 7, 11-16) e da ressurreição de Lázaro (João 11, 1-43), os ressuscitados não digam nada do que viram entre sua morte e seu retorno à vida. Fica claro enfim que Deus não permitiu aos mortos revelar suas condições aos vivos, mesmo que para utilmente adverti-los; Cristo, Ele mesmo, diz através de uma parábola: para tal “eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam” (Lucas 16, 29). Estes dois últimos fatos não podem no entanto serem interpretados como uma interdição de princípio feita por Deus aos homens de falar da condição além-túmulo. No primeiro caso, o silêncio das Escrituras se explica pelo fato que elas se concentram sobre o essencial dos dois eventos: a ressurreição de duas pessoas por Cristo, que anuncia a ressurreição a vir ao mesmo tempo que prova a capacidade de Deus de realizá-la. No segundo caso, a impossibilidade para os mortos de falar de sua sorte recebeu da parte de vários Padres (por exemplo João Crisóstomo — Homilias sobre Lázaro) esta explicação: o diabo teria feito proveito desta situação para suscitar falsas aparições e produzir falsos testemunhos; sob sua instigação ou sob o efeito de doenças mentais, os vivos se fariam passar por mortos de retorno à vida, e homens teriam encontrado mais problemas e enganos que proveitos em uma situação tão confusa (vide a confusão gerada pelos relatos de pacientes quase mortos, produzidos pelo Dr. Moody). A palavra que Cristo põe na boca de Abraão: "Eles têm Moisés e os profetas, que eles os escutem" (Lc 16,29) é menos uma interdição de se interessar à condição do homem após a morte do que um convite a examinar as visões e as palavras dos profetas e o testemunho e os ensinamentos dos santos, os quais, em seu conjunto comportam as indicações necessárias. (Avant-propos — Life after Death according to the Orthodox Tradition, Jean-Claude Larchet. Ed. Cerf)