Pektas (MPEB) – Ungrund

A dificuldade com o pensamento de Boehme está no fato de que os princípios subjacentes a ele não são aparentes. É por isso que ele tem sido frequentemente acusado de obscuridade. O estudo da filosofia da natureza do século XVII, a harmonia do pensamento cabalístico cristão e da alquimia, e a ligação entre a linguagem do sapateiro (se não for abstrusa) e os modelos retóricos do período barroco, tudo isso torna nula essa acusação de confusão ao colocar Boehme em seu contexto histórico. O sistema que ele desenvolveu, por mais desordenado que às vezes possa parecer, não deve nada ao acaso, como é demonstrado pela identificação, em termos da filosofia da história, dos empréstimos feitos de Paracelso ou da Cabala. O que resta a ser estabelecido não é a dívida filosófica de Boehme, mas as escolhas conscientes que pode ter feito, que tomam a forma tanto de pressuposições para sua teosofia quanto de consequências derivadas dela.

É sobre a tragédia do Ungrund que Boehme abre o Sex puncta Theosophica, um resumo que, junto com o Mysterium Pansophicum, poderia ser descrito como a “prototeosofia” böhmiana. Diferentemente do relato que faz na Aurora ou do afresco pintado no Mysterium Magnum, Boehme aqui reduz sua concepção da Deidade à manifestação primordial do Ungrund, que, de Deidade completamente indeterminada, nada precedendo qualquer relação, torna-se tri-unidade (Dreyfaltigkeit). Despojando sua doutrina da teoria das sete qualidades, que já é uma determinação dessa ausência de fundamento, ele mostra seu único componente: nada ou nulidade, reduzindo o Ungrund a uma sombra ou a um fantasma, ou mesmo, Boehme superando assim sua própria definição de nulidade, a menos do que uma sombra, no máximo a um lampejo em um espelho:

Assim, vemos que a eterna ausência de terra fora da natureza é uma vontade, como um olho, no qual a natureza está oculta; como um fogo oculto que não queima, que está aí e também não está aí: não é um espírito, mas uma forma do espírito, como o brilho no espelho, onde vemos todas as formas de um espírito no brilho ou no espelho, e ainda assim não há nada que o olho ou o espelho possa ver; mas sua visão está em si mesma, pois não há nada antes dele que seja mais profundo aqui. É como um espelho que é um reservatório do aspecto da natureza e, no entanto, não capta a natureza, assim como a natureza não capta o brilho da imagem no espelho.

A propensão de Boehme para o vocabulário de duplo sentido é ainda mais confirmada aqui, já que Schiemen significa tanto sombra quanto brilho.

A ausência de dualidade é tal que o olho ou espelho deve ser sua própria visão ou reflexão, já que não há nada que ele possa refletir ou contemplar no espelho que o define. A unidade que caracteriza o Ungrund significa que a visão e o objeto da visão se fundem.

O drama surge do fato de que Boehme, antes de passar para a natureza do Ungrund, generalizando algumas linhas antes o que é uma vontade desprovida de essência, vê nela uma impotência, até mesmo uma impossibilidade, uma ausência de vida equivalente à morte:

Pois compreendemos que toda vontade, sem o despertar das essências ígneas, é impotência, como se fosse muda e sem vida, onde não há sensibilidade, nem inteligência, nem substancialidade: pois ela simplesmente se assemelha a uma sombra sem ser, pois não tem guia, mas afunda e se deixa arrastar e conduzir como um ser morto, assim como vemos isso em uma sombra que é conduzida sem essência.

Tal vontade é muda (stumm) e sem vida. Boehme revela sua delicadeza literária nessa descrição trágica daquilo que, tendo apenas a espessura de uma sombra, afunda e se deixa arrastar como um peso morto. O pano de fundo é a concepção paracelsiana da vida como senciência.

Mas a medida dessa tragédia está em sua projeção no divino Ungrund. O próprio Boehme faz esse paralelo, passando diretamente dessas generalidades para uma observação introduzida por uma conjunção subordinativa com valor causal (so denn, “e desde que”): a primeira vontade é uma ausência de chão semelhante a um eterno nada. Espelho sem reflexo, reduzido a ser ele mesmo seu próprio reflexo, ele precisa encontrar algo que preencha seu espelho e o reflita. A própria definição do Ungrund como nada torna esse desejo de revelação necessário, ou melhor, o contém. O nada, pelo fato de não ser nada, implica o desejo, cuja privação é, em si, nada; o nada invoca algo (Etwas), o Ungrund, o Grund:

O Sem Fundo é um eterno nada e, no entanto, tem um eterno começo, isto é, uma atração; pois o nada é uma atração após o algo; e, no entanto, ali, não há nada que dê o algo; mas a atração é em si o ato de dar daquilo que também é um nada, como uma atração desejante.

Lembramo-nos das reflexões de Émile Bréhier sobre o equívoco ligado ao ser e ao nada: quando o nada está na origem do movimento criativo, somos confrontados com o problema do valor a ser atribuído a ele: é um nada absoluto ou é um nada rico em tudo, no poder de tudo? A resposta de Boehme contorna a dificuldade: para ele, a essência do nada implica a redução do mesmo a partir do mesmo, que, consequentemente, permanece nada: o nada é, por essência, desejo, ou seja, vazio. Mas como fora desse nada não há nada, ele defende o todo, que é idêntico ao nada.

O termo escolhido para expressar esse desejo, que Saint-Martin traduz pelo neologismo attract, tem a mesma multidimensionalidade dos conceitos de Quelle e Qual: Sucht é um desejo irreprimível, quase um vício (de acordo com o significado moderno dessa palavra), mas também é, em apoio ao verbo suchen, do qual deriva, uma busca. Esses dois conceitos, desejo e busca, implicam ausência ou privação, falta. Eles são sinônimos de nada. Esse movimento de redução nada mais é do que mágica, um truque de mágica que cria do nada algo que continua sendo nada. A atração cria a vontade. A vontade em si, como vontade eterna em essência, é sempre vazia. Essa é a primeira determinação do Ungrund, um nada (Ungrund) definido por nada (a vontade de reduzir o Ungrund).

Essa vontade deve ser representada como um espírito (Geist), não no sentido medieval do termo, não mais como uma alusão àquilo que, desprovido de substância, é fantasmagórico, mas como um pensamento, a vontade de algo, que surge, torna-se o buscador de atração. Enfatizando o caráter dinâmico da vontade e do desejo, Boehme pode subsumir sob o primeiro a noção igualmente dinâmica de Geist, sinônimo de pensamento.

A vontade é, portanto, essa atração (uma vez que, como o Ungrund não é nada, tudo nele é governado pela lei da identidade), mas ao mesmo tempo é diferente dessa atração, da qual ela é a buscadora e a descobridora. A vontade, portanto, nasce da atração (die Sucht), que é sua mãe, mas a excede ao se tornar sua mestra: a atração é a magia (a operação) e a vontade (der Wille) é o mago (sujeito da operação). Em sua realização, causa e efeito, primeiro e segundo, sujeito e objeto são invertidos. O que é causado sempre excede a causa na qual se origina, pois é sua enteléquia e revelação. A revelação, aquilo que é causado é, portanto, nesse sentido, também dito ser espírito ou entendimento (Verstand) em relação à sua origem não desenvolvida, desconhecida e, portanto, muda e não inteligente:

Aí se reconhece que atrair é mágico e que a vontade é um mago, e que a vontade é maior do que a mãe que a dá, pois é um mestre na mãe e a mãe é reconhecida como sendo muda e a vontade como uma vida sem origem; e aí, entretanto, atrair é uma causa da vontade, mas sem conhecimento e sem inteligência, e a vontade é a inteligência de atrair.