Orígenes — Tratado da Oração
X Utilidade demonstrada pela oração
1 Ainda que, por hipótese, nada mais conseguíssemos com a nossa oração, já teríamos obtido o máximo lucro, aprendendo a orar como convém e a agir de forma conseqüente. É evidente que aquele que ora dessa maneira, enquanto fala e contempla a virtude do que o escuta, ouvirá esta palavra: “Aqui estou”, se, antes da oração, depôs todo sentimento contra a Providência (pronoia).
É o que demonstra o versículo: “Se te livrares de todas as cadeias, do gesto ameaçador, do resmungo de murmuração” (Is 58,9).
Efetivamente, aquele que fica tranqüilo em tudo que acontece, é livre de todo grilhão, não estende a mão contra Deus, que ordena tudo quanto quer para nosso exercício, e não murmura em ocultos pensamentos, embora não os escutem os homens. Tal murmuração, é própria dos maus servidores, que não acusam abertamente as ordens do seu senhor. Eles murmuram sem ousar fazê-lo em alta voz, mas com toda a alma, contra o que lhes acontece, como se quisessem esconder à Providência e ao Senhor do Universo aquilo que sofrem com impaciência. A meu ver, é disso que está escrito no Jó com os lábios diante de Deus” (Jó 1,22; 2,10), ao passo que da tentação precedente, está escrito: “Em tudo isso que lhe sucedeu, Jó não pecou diante do Senhor” (id.).
Preceito de não fazer isso é esta palavra do Deuteronômio: “Presta atenção, que no teu coração não surja este pensamento vil, e digas: Aproxima-se o sétimo ano” (Dt 15,9), e o que se segue.
Aquele que ora assim, depois de ter recebido tantos benefícios, torna-se mais capaz de se unir ao “Espírito do Senhor que encheu toda a terra”, e que encheu o céu e a terra e assim fala pelo Profeta: “Porventura, não encho eu o céu e a terra, diz o Senhor?” (Jr 23,24).
Além disso, pela purificação acima dita, participará também da oração do Filho de Deus, que está igualmente no meio daqueles que o ignoram e não falta à oração de nenhum deles, e com seus protegidos, ora ao Pai.
O Filho de Deus é, de fato, o Sumo Sacerdote das nossas oferendas e o nosso Advogado junto do Pai. Ele ora com os que oram e suplica junto com os que suplicam. Mas não roga por aqueles que não oram assiduamente em seu nome. Não será advogado junto de Deus, como é por seus familiares, em favor daqueles que não obedecem ao seu mandamento: “É preciso orar sempre, sem desfalecer” (Lc 18,1). Como está escrito: “Contava-lhes uma parábola sobre o dever que tinham de orar sempre e não desfalecer: Havia numa cidade um juiz”, etc. (Lc 18,1-2). E em outra passagem: “E ele lhes disse: Se algum de vós tem um amigo e vai à sua casa à meia-noite e lhe diz: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu chegou a mim de viagem e não tenho nada para lhe oferecer” (Lc 11,5-6).
E pouco depois: “Digo a vós, ainda que não se levante e lhe dê os pães por ser amigo, ele se levantará por causa da sua importunação e lhe dará tudo quanto for necessário” (Lc 11,8). Quem, portanto, entre os que acreditam na palavra de Cristo que não mente, não se sentirá inflamado a orar diligentemente, ao ouvir: “Pedi e dar-se-vos-á, pois todo aquele que pede, recebe”?(Mt 7,7-8; Lc 11,9-10).
O bom Pai dá o pão natural que lhe pedimos, e não a pedra que o Inimigo quer dar em alimento a Jesus e aos seus discípulos. Ele o dá àqueles que dele receberam o espírito de filiação adotiva; “O Pai concede o bom presente, fazendo-o descer do céu, aos que lho pedem” (Mt 7,11).