Orígenes — Da Oração
Tradução do Abade D. Paulo Rocha O.S.B.
*ORATIO PREAMBULO
*ORATIO DESTINATARIOS
*ORATIO DEFINIÇÕES
*OBJECTO ORATIO
*PRAESCIENTIA
*ARBITRIUM
*ASTRUM
*ORATIO CONDITIO
*ORATIO DISPOSITIO
*ORATIO UTILITAS
*ORAR COM CRISTO
*VIDA DOS SANTOS
*ESCRITURA
*PEDIR NA PRECE
*PRECE A DEUS
*RESPOSTA A JESUS
*CARNE
*PAI NOSSO
*INTERPRETAÇÃO DO PAI NOSSO
*DISPOSIÇÃO PARA ORAÇÃO
*ORIENTAÇÃO NA ORAÇÃO
NOTA DO TRADUTOR
Apresentamos a tradução brasileira, talvez a primeira, duma obra-prima da Igreja antiga: o Tratado de Orígenes, esse grande e genial escritor e mestre cristão do séc. III, sobre a Oração (Perí Euchês) ((vide euche).
Minha intenção inicial era de fazê-la diretamente do texto grego original, cujo texto integral recebi de Maria Teresa, abadessa de Santa Maria, a quem muito agradeço.
Mas tive de reconhecer a minha insuficiência para tal empreitada, passando a usar também a tradução latina justaposta e também duas traduções modernas, uma italiana, outra espanhola, como cautela contra qualquer má inteligência do texto.
Orígenes viveu a maior parte da sua vida no séc. III. Mestre da escola catequética em Alexandria e depois em Cesaréia da Palestina dedicou-se, com imenso êxito entre os alunos, à formação superior cristã, deixando uma obra imensa, orçada por S. Jerônimo no séc. IV em cerca de 800 volumes.
É um gênio autêntico em que a potência intelectual e espiritual se unem a uma disciplina rigorosa de vida cristã, formada nas fontes mesmas da Palavra de Deus, em constante elaboração, a que não faltou o ingrediente da cultura helenística em filosofia (philosophia) e conhecimentos científicos (episteme) mais elevados da sua época.
Orígenes teve em casa uma formação cristã intensa presidida pelo pai Leônidas, que o iniciou nas Letras Sagradas e foi mártir da Fé, quando ele tinha doze anos. Nessa ocasião, sua mãe, escondida com o filho, teve de mantê-lo nu em casa, para que não saísse a se apresentar ao martírio, desafiando os juizes.
Tendo sido ordenado padre, mais tarde, em Cesaréia, dedicou-se a ensinar o povinho cristão a compreender a Palavra de Deus como fonte de luz (phos) e de vida, em homílias de rigorosa exatidão doutrinária.
Esta sua ordenação sacerdotal reacendeu as iras do bispo de Alexandria, que a considerava ilegal de acordo com os cânones, porque Orígenes, um asceta (askesis) autêntico, levado pelo seu zelo até indiscreto, se mutilara no sexo, seguindo à risca uma palavra do Senhor: “Se teu olho te escandaliza, arranca-o …”
Confessor da Fé, Orígenes morreu, depois de preso e solto, num dos surtos periódicos da perseguição do Império.
Se você quiser experimentar a sensação de encontrar um gênio e a sua espiritualidade avançada, aproxime-se de Orígenes, leia este tratado da Oração, em que trata da prece cristã em geral e comenta o PAI NOSSO.
O Tratado guarda uma característica própria do autor. Tudo que ele pensa e escreve é absolutamente fiel ao que a Igreja pré-nicena apresenta como de Fé (pistis).
Quanto às matérias ainda não definidas, Orígenes, primeiro genuíno teólogo, as estuda e pesquisa como uma “gymnasía”, um “exercício”, onde põe em jogo toda a sua ciência filosófica e geral, podendo chegar a posições que, condenadas mais tarde pela Igreja, ele seria o primeiro a abandonar.
Em seu tratado sobre a Oração, como, de resto, em toda a sua obra, Orígenes é, sobretudo, um biblista. Mais do que mesmo S. Jerônimo, que traduziu vários dos seus trabalhos, a sua inspiração é profundamente bíblica, mesmo quando ele põe em ação, para a descoberta do sentido, toda a sua erudição tanto escriturística, como filosófica e os conhecimentos gerais.
Todo o seu esforço é a busca do que Deus nos falou.
Seu método hermenêutico e sua exegese é largamente alegórica, ao gosto da época, em busca do senso místico das Escrituras, o “sentido latente” que, segundo ele, constitui o objetivo dos pregadores, para formar espiritualmente o povo cristão. Sem omitir o que nomeia “senso manifesto” ou literal e imediato, que é também de máxima importância (cf De Princ. I, Proêmio).
De um modo mais preciso, Orígenes explica que há na Escritura um tríplice sentido.
Inspirado na antropologia paulina, que vê no homem um corpo, uma alma e um espírito (soma, psyché, pnêuma), Orígenes diz que há também, na Escritura, em resposta a cada uma dessas partes do homem, um sentido “carnal” (sarx), que basta aos simples, um sentido “psíquico”, para os mais adiantados na ética cristã, e um sentido “espiritual” ou pneumático (pneumatikos), que os “perfeitos” (téleioi) podem captar.
Os três níveis de conhecimento (gnosis) servem à edificação do cristão. Mas o terceiro o faz prelibar os bens do mundo a vir, porque ele constitui a “sombra” (skiá) do século futuro (aion). Todos, sem exceção, devem ser procurados porque constituem uma mensagem divina para a santificação plena da criatura.
Como bom catequista, Orígenes trabalha para dar aos seus ouvintes ou leitores a formação mais completa, através de uma interpretação das Escrituras digna do Espírito Santo que as inspira para a nossa compreensão e vivência total do pensamento de Deus.
Mosteiro de S. Bento da Bahia, jan. 1994