Orígenes (Contra Celso) – Asclépio

24. E quando se diz a respeito de Asclépio, que grande multidão de homens, gregos e bárbaros, reconhece tê-lo visto muitas vezes e ainda o vê, não como fantasma, mas curando, fazendo o bem, predizendo o futuro, Celso nos pede que acreditemos, e não nos critica como fiéis de Jesus quando acreditamos em tais testemunhos. Mas Celso nos trata como idiotas, quando afirmamos nossa fé nos discípulos de Jesus, testemunhas de seus prodígios, que manifestaram claramente a pureza da sua consciência, porque vemos sua franqueza, enquanto é possível julgar com uma consciência orientada por documentos escritos. Aliás, ele consegue perfeitamente mostrar, como diz, a incontável multidão de homens, gregos e bárbaros, que reconhecem Asclépio. Nós, porém, podemos mostrar claramente, caso ele dê importância a isso, a multidão incontável de homens, gregos e bárbaros, que reconhecem Jesus. E alguns deles manifestam, nas curas que operam, o sinal de que receberam, graças à sua fé, um poder milagroso, pois invocam sobre os que lhes pedem a cura apenas o Deus supremo e o nome de Jesus acrescentando à sua invocação a história dele. Por meio deles, eu mesmo vi pessoas libertas de graves doenças, alucinações, demências e uma infinidade de outros males que nem homens nem demônios tinham conseguido curar.

25. E ainda que eu acreditasse que um demônio médico, chamado Asclépio, curasse os corpos, diria aos que admiram este poder como a faculdade divinatória de Apolo: a arte de curar os corpos é coisa diferente, dom que pode caber aos bons como aos maus; indiferente também a previsão do futuro, pois o vidente não manifesta necessariamente qualquer virtude. Vamos supor então que estes curadores e videntes não tenham qualquer maldade, que, de qualquer forma, provam que são pessoas de virtude e não estão longe de serem considerados como deuses. Mas não poderão mostrar esta virtude dos curadores e dos videntes, pois muitas pessoas indignas de viver, como se relata, foram curadas por algum médico sábio, apesar da vida desordenada que estas levavam.

Mesmo nos oráculos da Pítia apolínea podemos encontrar ordens irracionais. Cito dois exemplos. Apolo ordenou que Cleomedes, pugilista penso eu, recebesse as honras divinas, como se ele visse não sei que de venerável na arte do pugilato; mas não atribuiu nem a Pitágoras nem a Sócrates as mesmas honras que concedeu a este pugilista. Além disso, chamou de “servo das Musas” a Arquíloco, autor que manifesta seu talento poético num assunto de extrema grosseria e despudor, e revelou um caráter imoral e impuro: ao qualificá-lo de “servo das Musas” que são consideradas deusas, ele proclamava a sua piedade. Mas não sei se qualquer pessoa chamaria de piedoso o homem que não está ornado de toda moderação e virtude, e se um homem honesto ousaria repetir o que exprimem os jambos inconvenientes de Arquíloco. Mas, se é notório que nada de divino caracteriza a medicina de Asclépio e a adivinhação de Apolo, como adorá-los razoavelmente como puras divindades, mesmo admitindo os fatos? E principalmente quando Apolo, espírito adivinhador puro de toda corporalidade terrestre, se introduz pelo sexo na profetisa sentada na abertura da gruta de Píton. Nada de semelhante acreditamos sobre Jesus e seu poder: seu corpo, nascido da Virgem, era constituído de matéria humana, apta a sofrer ferimentos e morte dos homens.