Noreia [KDNH]

BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI
Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha
Noreia (IX,2)
Tradução de M. Roberge, in BCNH, n. 5, 1980.

Este texto de fins do século II merece ser citado integralmente, pois ilustra bem as principais características da literatura de Nag Hammadi. Ele descreve o drama de Noreia, filha de Eva, irmã-esposa de Sem ou de Noé, variante da figura de Sofia e cujo retrato já foi apresentado em A Hipóstase dos Arcontes (11,4). No entanto, diferentemente de A Hipóstase dos Arcontes, aqui Noreia é a alma decaída, mas salva graças à gnose: ela simboliza a Mulher espiritual, personificação do gnóstico ameaçado pela corrupção material. E anuncia a certeza do repouso no Pleroma divino. Esse mito é aparentado ao de Apócrifo de João, Evangelho dos Egípcios e Três Estelas de Set.

A estrutura do escrito permite-nos entrever melhor a história de Noreia:

p. 27,11-22a: O grito de Noreia em direção à Tríade celeste:

Pai do Todo, Ennoia1 da Luz, Nous que habita nas alturas, acima das regiões (inferiores), Luz que habita (nas) alturas, Voz da Verdade, Noûs (erguido), Logos indizível e Voz inefável, pai incompreensível!” É Noreia que grita para eles.

p. 27,22b-28,12a: Noreia recebe a revelação do Noûs Adamas e a capacidade de levar aos homens a mensagem da salvação:

Eles entenderam e a receberam no Lugar que é seu em todo tempo2. Eles deram-lhe o Pai, o Noûs Adamas, bem como a voz (…) dos seres santos para que ela pudesse repousar na Epinóia indizível, para que ela possa herdar do primeiro Noûs, que (ela) havia recebido, repousar no Autógeno divino e gerar-se a si própria, à medida que (ela) também herdou do Logos vivo, bem como juntar-se a todos os Imperecíveis e (permanecer) no Noûs do Pai.

p. 28,12b-23: Noreia cumpre sua missão junto aos homens, reunindo uma comunidade de espirituais e glorificando o Pai pelo êxito de sua missão:

E (ela se pôs) a falar com palavras de vida e continuou, na presença daquele que se elevou, a deter aquilo que havia recebido antes (do dia em que) o mundo surgiu, possuindo o Grande Noûs do Invisível. E ela glorificou seu Pai. E (ela) está entre aqueles que (…) no Pleroma. E ela vê o Pleroma.

p. 28,24-29,5: Os quatro defensores celestes de Noreia a asseguram de seu retorno ao Pleroma, do qual, aqui em baixo, ela tem a visão. Esperando, ela constrói o homem interior em cada eleito:

Virão dias em que ela (irá para) o Pleroma e não ficará mais na deficiência. Entretanto, ela tem os quatro defensores santos3, que intercedem por ela junto ao Pai do Todo, Adamas, aquele que é interior a todos os Adamas, pois ele possui a intelecção de Noreia, que declara, a propósito dos dois nomes4, que eles constituem um nome único.


  1. A Tríade divina abrange o Pai, Ennoia e Noûs. 

  2. Portanto, ela foi excluída desse lugar num momento dado. 

  3. São os quatro luminares; cf. Apocalipse de João, II, 7,70-8,21. 

  4. Noreia-Adamas.