HINÓGRAFOS BIZANTINOS — NASCIMENTO DE CRISTO
Prólogo. Aquele que sem mãe, foi gerado pelo Pai antes da aurora, hoje, sem pai, tomou carne em ti sobre a terra; por isso, a estrela anuncia a boa nova aos Magos, e os anjos com os pastores cantam teu parto sem semente, ó cheia de graça (Kekharitomené).
1. A videira carregava nos braços, como se fossem ramos, o cacho que dera sem o socorro do vinhateiro, e dizia-lhe: “Ó meu fruto, ó minha vida, por ti, ó meu Deus, eu sei que permaneço o que era: o selo de minha virgindade está intacto; por isso eu te proclamo o Verbo imutável, feito carne. Não sei nada do nascimento, só sei que puseste fim à corrupção: sou pura após teres saído de mim. Deixaste meu seio como o encontraste; guardaste-o salvo; por isso, a criação toda se regozija comigo, chamando-me: cheia de graça.”
2. “Não renego tua graça, da qual tenho prova, Senhor; não avilto a dignidade que recebi ao te gerar tornando-me rainha do mundo: tendo carregado teu poder em meu ventre, passei a ter poder sobre o universo. Transformaste minha miséria por tua condescendência; humilhando-te, exaltaste a minha raça. Regozijai-vos comigo, agora, terra e céu: carrego vosso criador em meus braços. Habitantes da terra, deixai de lado vossas tristezas, contemplando a alegria que despontou de meu ser imaculado, quando fui chamada: cheia de graça.”
3. Enquanto Maria cantava aquele que dera à luz e acariciava o recém-nascido que gerara sozinha, aquela que deu à luz nas dores, ouviu-a. Toda alegre, Eva disse a Adão: “Quem acaba de fazer soar a meus ouvidos a notícia que esperava? Uma Virgem gerando o resgate da maldição, cuja voz só,pôs fim a minhas penas e cujo parto feriu aquele que me ferira; é ela que o Filho de Amos (NT: o filho de Amos é” o profeta Isaías, que não se deve confundir com o profeta Amos) prefigurou, a vara de Jessé, sobre a qual cresceu um ramo cujo fruto comerei para não mais morrer: a cheia de graça.”
4. “A voz da andorinha (NT: A andorinha, símbolo da primavera, i.e., da renovação da criação como está descrita na estrofe 6) me chama ao despontar do dia; larga teu sono de morte, Adão, e levanta -te, escuta-me. Eu, tua esposa, que outrora provoquei a queda dos mortais, hoje me levanto. Olha os prodígios, vê a Virgem, que não conheceu varão,curar nossa ferida com o fruto de seu parto.Nos tempos idos, a serpente me enganou e rejubilou-se; agora, porém, vendo, daqui a pouco, nossos descendentes, vai fugir rastejando; levantou a cabeça contra mim, mas, agora, humilhada, em vez de zombar , vai adular, com medo daquele a quem deu à 1uz a cheia de graça.”
5. Adão, ouvindo o que lhe dizia a esposa,sacode imediatamente suas pálpebras pesadas,levanta a cabeça como quem desperta do sono e abrindo o ouvido que a desobediência havia obstruído, fala assim: “Ouço um canto agradável, uma melodia suave ; mas a voz do cantor não me encanta, desta vez,porque é de uma mulher e tenho medo dela; instruído pela experiência, receio tudo que é feminino. O som me agrada por ser claro, mas o instrumento me perturba: enganar-me-ão como antigamente, trazendo-me a desonra, a cheia de graça?”
6. Que as palavras de tua companheira, ó meu marido, te sosseguem: não receberás nunca mais de mim, conselhos amargos. O passado já se foi e tudo é novo, graças ao filho de Maria, Cristo. Respira seu orvalho e refloresce de repente; endireita-te, como uma espiga, porque a primavera chegou até ti. Jesus Cristo sopra como uma brisa doce: agora que escapas ao calor implacável onde estavas, vem,acompanha-me até perto de Maria; logo que nos ver prostrados a seus pés, compadecer-se-á de nós, a cheia de graça.
7. Reconheço a primavera, mulher, e respiro as delícias donde caímos no passado; sim, vejo um novo, um outro paraíso, a virgem carregando em seu seio o madeiro da vida, este mesmo madeiro sagrado que os kerubims guardavam para nos impedir de nele tocar. Bem, vendo crescer este intocável madeiro, senti esposa minha, o sopro vivificante que fizera de mim pó e lodo inanimado, um ser com vida. Agora, revigorado por seu perfume, vou procurar aquela onde cresce o fruto de nossa vida, a cheia de graça.
8. “Eis que estou a teus pés, Virgem, mãe sem mancha e em minha pessoa toda a minha raça prostra da, diante de ti. Não desprezes teus antepassados, pois teu filho regenerou agora os que estavam arruinados. Eu que envelheci na morada dos mortos , Adão, o primeiro criado, tem piedade de mim, minha filha e dá ouvido benevolente a meus gemi dos. Estás vendo os farrapos com que me cubro, tecidos pela serpente; cuida de minha pobreza diante daquele que deste a luz, ó cheia de graça.”
9. “Eu também, esperança de minha alma, eu também, Eva, ouve-me; afasta a vergonha para longe daquela que gerou nas dores, tu que vês que as lamentações de Adão cortam ainda mais o meu coração, a mim miserável (NT: Eva não quer dizer: “Mais que todo o resto de minha desgraça, as lamentações de Adão fazem-me sofrer”, mas, “Por causa das lamentações de Adão, sofro mais do que o próprio Adão, porque em sua desgraça, ele tem a consolação de se desabafar contra mim.”). Ao lembrar-se das delícias passadas, levanta-se contra mim, dizendo: “Ah! Se somente não tivesses nunca saído de meu lado. Teria sido bom não te ter recebido como adjutório,porque não estaria agora no fundo deste abismo.” E eu não podendo mais agüentar as recriminações e a afronta inclino a cabeça, esperando que tu me endireites,õ cheia de graça.”
10. Olhando Eva e vendo Adão, os olhos de Maria começaram logo a encher-se de lágrimas. Ela,porém, se conteve e esforçou-se em dominar a natureza,ela que gerou Cristo, não obstante a natureza.Mas suas entranhas dilaceraram-se de compaixão por seus antepassados: ao Misericordioso convém uma Mãe cheia de ternura. Por isso, disse-lhes: “Parai de lamentar-vos, vou ser vossa advogada junto a meu filho; afastai a tristeza porque eu trouxe ao mundo a alegria; é para arrasar o domínio da dor que eu vim, cheia de graça.”