Merton Sementes de Contemplação

Thomas Merton — Sementes de Contemplação

Tradução de Teresa Leitão de Barros
Excertos:

  • SEMENTES DE CONTEMPLAÇÃO 1
  • TUDO QUE EXISTE É SANTO
  • COISAS NA SUA IDENTIDADE
  • CONTEMPLATA
  • AMOR PURO
    NOTA DO AUTOR
    Estais na presença de um gênero de livro que, num mosteiro, se escreve a si próprio, quase automaticamente. Talvez seja essa uma das razões por que tão poucos livros destes se têm escrito. As paixões e as violências materiais opõem-se, por seu excesso, a que os homens reflitam muito sobre a vida interior e seu significado. No entanto, uma vez que a vida interior e a contemplação são aquilo de que mais necessitamos — refiro-me apenas à contemplação cuja fonte é o amor de Deus —, as considerações semelhantes às que nestas páginas se fazem também deveriam ser aquilo que maior anseio provocasse não só nos monges como em todos. Entendo, por isso, que um livro de pensamentos, idéias e aforismos, mais ou menos dispersos, sobre a vida interior, não carece de particular justificação ou desculpa, embora se reconheça que tal gênero de obra se tornou invulgar.

O leitor, se precisa de qualquer reminiscência quanto a existir uma longa tradição de tais escritos, pode consultar os Pensamentos de Pascal, as Cautelas e Avisos de São João da Cruz, as Meditações do cartuxo Guigo, ou mesmo, simplesmente, a Imitação de Cristo. Mas, para que a referência a ais nomes não pareça sugerir o intuito de qualquer comparação com obras de grandes homens a quem o autor nunca ousaria imitar, entenda-se que ela se apresenta apenas para justificar a publicação do que é somente um apanhado de notas e de reflexões pessoais.

Trata-se da espécie de pensamentos que a qualquer monge Cisterciense poderiam ter ocorrido; foram-se impondo ao espírito no decorrer do tempo e, sem ordem nem especial seqüência, foram sendo passados ao papel, quando havia oportunidade. Neste livro foram ordenados e um pouco desenvolvidos, quando pareciam exigir qualquer pormenorização. Não abrangem tudo quanto respeita à vida interior. Pelo contrário, muito se considera como demonstrado ou pressuposto. Tudo que é ensinado no Evangelho de Cristo e na Regra de São Bento, tudo que a tradição Católica aceita a respeito da auto-disciplina do ascetismo Cristão é aqui tomado como admitido e não se tentou justificar nem nesse ponto nem noutro. Muito do que aqui se diz tem sua origem e justificação nos escritos dos Cistercienses do século doze, particularmente nos de São Bernardo de Claraval, — aquele que mais fez para criar a espiritualidade da ordem contemplativa a que o autor pertence. Mas quem travou conhecimento com São João da Cruz achará que, praticamente, tudo quanto aqui se diz acerca da oração contemplativa segue a linha traçada pelo Carmelita Espanhol. Não tem, portanto, o presente livro pretensões a ser revolucionário ou mesmo particularmente original. Esperamos sinceramente que não contenha uma linha que se desvie da tradição Católica ou uma única palavra capaz de perturbar um teólogo ortodoxo. Está assim explicado por que motivo qualquer monge poderia ter escrito este livro. Exprime as preocupações que estão no espírito de todos os contemplativos, mais ou menos — conforme as diferenças de temperamento e de personalidade. Não tem outro objetivo, ideal ou intenção além daquilo que, segundo numerosos teólogos, deveria ser a plena realização habitual da vida de graça de um Cristão, e, por conseqüência, quanto nele se diz pode aplicar-se seja a quem for, não só no convento mas também no mundo.

Este livro também não tem a pretensão de ser uma obra de arte. Efetivamente, qualquer outra pessoa, dominada pelos mesmos interesses, poderia tê-lo escrito muito melhor. O fado de ter acontecido escrevê-lo este autor não fará qualquer diferença, dalgum modo, nem para melhor nem, esperamo-lo, para pior. Na verdade, pertence a uma categoria de livros cujo efeito não pode ser verificado por qualquer autor humano. Se puderdes resolver-vos a, de qualquer maneira, em comunhão com Deus, cm cuja Presença foi escrito, interessar-vos-á e dele colhereis provavelmente algum fruto, mais pela Sua graça do que pelos esforços do autor. Mas se não o puderdes ler em tais condições, não há dúvida de que o livro representará, pelo menos, uma novidade.

PREFÁCIO DA EDIÇÃO REVISTA
O presente livro não teve nunca a intenção de conquistar o interesse de um grande público. O fato de o ter alcançado deixa o autor satisfeito, sem dúvida, mas também inquieto. A verdade é que um livro como este, que é uma coletânea de reflexões um tanto desconexas e condensadas sobre a vida espiritual, pode facilmente ser mal compreendido. Não é possível evitar todo o mal-entendido, por meio de uma revisão do texto, pelo aditamento, aqui e ali, de uma palavra elucidativa, pela correção de expressões que se admite serem demasiado imprecisas para quem queira interpretá-las literalmente. Tornar perfeitamente claro um livro assim, exigiria nova redação, da primeira à última linha. Em vez disso, o autor limitou-se a poucas e insignificantes correções e a fazer uma advertência ao leitor.

Leitor, sede cauteloso. Não se deve percorrer este livro com muita pressa. Não vos precipiteis a tirar conclusões nem acrescenteis qualquer contexto teológico da vossa lavra onde o autor apresenta uma exposição talvez incompleta. Suspendei, se isso não vos contrariar, o vosso juízo, até que tal exposição se integre no resto do livro. Não se tentou ser sistemático, mas um capítulo tende a completar outro. O que se diz acerca da solidão pode compreender-se à luz do que se diz acerca da união de todos os homens em Cristo. O que se diz quanto ò renúncia, na última parte do livro, não vos deve fazer esquecer quanto ficou dito, no princípio, acerca da natureza.

Lembrai-vos, sobretudo, de que, neste livro, o autor fala de coisas espirituais recorrendo mais à experiência do que a termos precisos de teologia dogmática ou de metafísica. Na religião, como na vida natural, a linguagem da experiência e a linguagem do dogma ou da ciência podem encontrar-se em oposição. Embora toda a gente tenha perfeita consciência de que o sol não se ergue, dizemos que ele se ergue, e, embora compreendamos que o sol não se põe, surpreendemo-nos a dizer: «Está a pôr-se o sol». Se digo que o sol se ergue, poderão os astrônomos condenar-me por isso? Assim também, na vida mística — e bem o sabe quem leu os místicos cristãos — temos tendência a falar da alma «aniquilada» na experiência de Deus, de modo tal que «deixa de existir» e «só fica Deus». Isto deve tanto tomar-se no sentido literal ou científico como o que afirmamos ao dizer que «o sol se ergue». Não é literalmente exato que a alma «cesse de existir», na oração mística, mas a sua atividade é que é tão absorvida pela atividade de Deus que, enquanto a experiência dura, bem poderia ser como se não existisse de todo, porquanto perde qualquer noção de uma existência distinta. Do mesmo modo, quando ergueis uma vela acesa, sob a luz do sol, podeis dizer que a vela «já se apagou», porque a sua luz perdeu-se na do sol. No entanto, um cientista, com instrumentos adequados, pode descobrir a luz da vela . . .

Muito do que se diz neste livro podia ter sido muito melhor dito por outrem e pode ler já sido dito melhor pelos santos. O autor tentou exprimir-se na linguagem dos homens do seu tempo e insiste em afirmar que não tem mais ardente desejo do que o de ser compreendido, em quanto expõe, à luz da doutrina Católica. Se nestas páginas existe algo que não possa conciliar-se com os ensinamentos da Igreja, deve considerar-se como automaticamente anulado.