Thomas Merton — Poesia e Contemplação
Excertos da tradução do Mosteiro da Virgem (Petrópolis)
I
O CLIMA em que a oração monástica floresce é o clima do deserto (Isaías 35,1-10) onde falta ao homem o conforto, onde a segurança das rotinas das cidades do homem não oferece apoio e onde a oração tem de ser sustentada por Deus, na fé pura. Embora possa viver numa comunidade, o monge terá de explorar a aridez de seu ser íntimo como um solitário. A Palavra de Deus, que é seu conforto, é também sua desolação. A liturgia, que é a alegria do monge e que lhe revela a glória do Senhor, não pode encher um coração que não foi primeiro humilhado e esvaziado pelo temor. Aleluia é o canto do deserto. O cristão (mesmo se é monge ou eremita) jamais é apenas um indivíduo isolado. É um membro da comunidade de louvor do Povo de Deus. Aleluia é a aclamação vitoriosa do Salvador Ressuscitado. Contudo, o próprio Povo de Deus, enquanto celebra o louvor de seu Senhor num tabernáculo feito de beleza à sombra da nuvem brilhante de sua Presença, continua ainda sua peregrinação. Aclamamos a Deus como membros de uma comunidade que foi abençoada e salva e está em viagem indo ao encontro do Salvador que vem vindo, como prometeu, em seu Advento. Entretanto, como indivíduos, sabemos que somos pecadores. A oração do monge é inspirada por essa dupla consciência do pecado e da redenção, ira e misericórdia — como sucede à oração de todo cristão. O monge, porém, é chamado a explorar essas duas dimensões de maneira mais completa e por um preço mais elevado do que seus irmãos que se dedicam às obras de misericórdia ou de criatividade no mundo.
Neste estudo ocupar-nos-emos particularmente da oração individual, de modo especial em seus aspectos meditativo e contemplativo. Subentende-se que a oração individual do monge está encravada numa vida de salmodia, celebração litúrgica e da leitura meditada da Escritura (lectio divina). Tudo isso tem dimensão tanto individual como comunitária. Nestas páginas, estamos interessados, acima de tudo, na compreensão existencial aprofundada do próprio monge em relação a seu chamado à vida em Cristo, como esta progressivamente a ele se revela na solidão onde ele se encontra só com Deus — estejam ou não seus irmãos fisicamente presentes ao seu redor.
Dostoievski, no seu livro Os Irmãos Karamazov, mostra-nos o que Rozanov denominou um “eterno conflito” no monaquismo — e, sem dúvida, no próprio cristianismo. O conflito entre o rígido, autoritário, farisaico asceta Teraponte, que se livra do mundo com enorme esforço e se sente em seguida autorizado a rogar-lhe pragas, e o staretz1 Zossima, o bondoso, compassivo homem de oração que se identifica com os pecadores e os que sofrem no mundo de maneira a atrair sobre estes a bênção de Deus.
Devemos realçar o fato de que, na época atual de renovação monástica estamos cada vez mais interessados no tipo Zossima. E este gênero de espírito monástico é antes carismático do que institucional. Precisa muito menos de estruturas rígidas e está totalmente entregue a uma única necessidade: a da obediência à palavra e ao espírito de Deus, testada pelos frutos de humildade e de amor compassivo. Assim, o monaquismo de tipo Zossima, bem pode florescer em situações fora do comum2, mesmo em pleno mundo. É possível que tais “monges” não tenham nenhuma ligação monástica visível.
Por outro lado, deve-se admitir que as estruturas comunitárias têm um valor que não pode ser subestimado. A ordem, a quietude, a comunicação e o amor fraterno proporcionados por uma comunidade de trabalho e oração são o lugar óbvio e ordinário em que a vida de oração se desenvolve. Não é preciso dizê-lo, essas comunidades não têm necessidade de reproduzir somente as formas regulares e observantes da vida conventual dos Trapistas, dos cartuxos ou dos carmelitas como as temos conhecido até o presente.
NOTAS