Merton Contemplatio 3

Thomas Merton — Poesia e Contemplação
Excertos da tradução do Mosteiro da Virgem (Petrópolis)

III

VEMOS por estes textos que na meditação não devemos procurar um “método” ou “sistema”, e sim cultivar uma atitude, uma visão: fé, abertura, atenção, reverência, espera, súplica, confiança, alegria. Tudo isso finalmente impregna nosso ser de amor, na medida em que nossa fé viva nos diz que estamos na presença de Deus, que vivemos em Cristo, que, no Espírito de Deus, “vemos” Deus nosso Pai sem “vê-lo”. Conhecemo-lo no “inconhecido”. A fé é o vínculo que nos une a Ele, no Espírito que nos dá luz e amor.

Algumas pessoas podem, sem dúvida, ter o dom espontâneo da oração meditativa. Hoje em dia, isso é raro. A maior parte dos homens tem de aprender como meditar. Existem maneiras de meditar. Não devemos, entretanto, esperar encontrar métodos mágicos, sistemas que façam todas as dificuldades e obstáculos se dissolverem no ar. A meditação é, por vezes, muito difícil. Se sustentarmos com coragem as durezas na oração e esperarmos pacientemente a hora da graça, bem lideremos descobrir que a meditação e a oração são experiências que nos trazem grande alegria. Não devemos, porém, julgar o valor de nossa meditação partindo de “como nos sentimos”. Uma oração dura e aparentemente infrutífera pode, de fato, ter muito mais valor do que outra mais fácil, feliz, iluminada e que pareça bem sucedida.

Existe um “movimento” na meditação que expressa o ritmo “pascal” básico da vida cristã, a passagem da morte à vida em Cristo. Por vezes a oração, a meditação e a contemplação são morte — uma espécie de descida às profundezas do nosso nada, um reconhecimento de nossa incapacidade, nossa frustração, nossa infidelidade, confusão e ignorância. Notem como, nos salmos, é comum este tema.1 Se precisamos de ajuda na meditação, podemos voltar-nos para os textos das Escrituras que expressam esta profunda desolação do homem em seu nada, e sua necessidade total de Deus. Então, quando nos determinamos a enfrentar as duras realidades de nossa vida interior, à medida que reconhecemos de novo que temos de orar intensamente e com humildade, pedindo fé, o Senhor nos atrai das trevas à luz — Ele nos ouve, responde às nossas orações, reconhece nossa necessidade e nos dá a ajuda de que precisamos. Mesmo se isso representa apenas maior fé em crer que Ele pode e quer auxiliar-nos quando chegar a hora por Ele prevista. Esta já é, em si, uma resposta suficiente.

Esta alternância de trevas e luz pode constituir uma espécie de diálogo entre o cristão e Deus. Pode ser uma dialética que nos coloca numa profundidade sempre maior, convictos de que Deus é nosso tudo. Por essas alternâncias, crescemos no desapego e na esperança. Devemos nos conscientizar do grande bem que existe apenas em ser fiel a essa meditação. Um novo domínio se abre diante de nós que não pode ser descoberto de outro modo: chamem-no o “reino de Deus”. Deve ser feito qualquer esforço — seja qual for — e qualquer sacrifício, para entrar nesse Reino. Tais sacrifícios são amplamente compensados pelos resultados, mesmo quando estes não aparecem com nitidez e não são evidentes. Mas o esforço é necessário: esclarecido, bem dirigido e perseverante.

Podemos desde já confrontar um dos problemas da vida de oração. Trata-se de aprender a distinguir quando nossos esforços são esclarecidos e bem dirigidos, e quando brotam apenas de nossas confusas veleidades e de nossos desejos imaturos. Seria um engano supor que a simples boa vontade é, por si só, uma suficiente garantia de que todos os nossos esforços atingirão finalmente bom resultado. Podemos cometer sérios enganos, mesmo com a maior boa vontade. Certas tentações e ilusões devem ser consideradas como parte normal da vida de oração. E quando alguém pensa ter atingido certa facilidade na contemplação, pode constatar que lhe surge toda espécie de estranhas ideias. E pode, o que é pior, a elas agarrar-se com feroz devoção, convencido de que são graças sobrenaturais e sinais da bênção de Deus sobre seus esforços, quando, em realidade, demonstram apenas que se saiu do caminho certo, encontrando-se, talvez, em perigo bastante sério.

Por esta razão é que a humildade e a docilidade em aceitar conselhos criteriosos são tão necessárias na vida de oração. Conquanto a direção espiritual possa não ser necessária na vida cristã cm geral, e embora, um religioso ou uma religiosa possam viver sem recebê-la (são muitos os que têm de fazê-lo!), torna-se ela uma necessidade moral para qualquer pessoa que está tentando aprofundar sua vida. de oração. Daí a importância tradicional, na vida monástica, do “pai espiritual”, que pode ser o abade ou um outro monge experiente; capaz de guiar o principiante nos caminhos da oração. Este guia deverá imediatamente detectar qualquer sinal de zelo mal orientado e esforço mal dirigido. Um tal mestre deve ser ouvido e obedecido, especialmente quando ele acautela o discípulo contra o emprego de certos métodos ou certas práticas que percebe serem fora de propósito e prejudiciais num determinado caso — ou ainda quando se recusa a aceitar certas “experiências” como provas de progresso.

A boa utilização do esforço é determinada pelas indicações da vontade de Deus e sua graça. Quando se está simplesmente obedecendo a Deus, um pequeno esforço basta para fazer muito caminho. Quando, em realidade, se está resistindo a Ele (embora declarando não ter outra intenção senão realizar Sua vontade), esforço algum, por maior que seja, pode produzir bom resultado. Pelo contrário, a teimosa capacidade de continuar a resistir a Deus apesar de indicações sempre mais nítidas de sua vontade, é sinal de que se está em grande perigo espiritual. Com frequência, a pessoa interessada é incapaz de percebê-lo por si mesma. Essa é mais uma razão por que um guia ou pai espiritual pode ser realmente necessário.

Este trabalho do pai espiritual não consiste tanto em ensinar-nos um método secreto e infalível para atingir experiências esotéricas, mas em mostrar-nos como reconhecer a graça de Deus e sua vontade, como ser humildes e pacientes, como desenvolver nossa visão interior em relação a nossas próprias dificuldades e como remover os principais obstáculos que nos impedem de sermos pessoas de oração.

Esses obstáculos podem ter raízes profundas em nosso caráter e, em realidade, podemos afinal ficar sabendo que uma vida inteira mal será suficiente para removê-los. Por exemplo, muitas pessoas que têm alguns dons naturais e um pouco de engenho têm tendência a imaginar que são capazes de aprender facilmente, por sua própria esperteza, a dominar os métodos — poder-se-ia dizer, os “truques” — da vida espiritual. A dificuldade, porém, está no fato de que, na vida espiritual, não existem “truques” nem atalhos. Os que imaginam poder descobrir “passes” especiais e pô-los em prática por si mesmos, geralmente desconhecem ou não fazem caso da vontade de Deus e de sua graça. São autoconfiantes e até autocomplacentes. Resolvem alcançar isto ou aquilo e tentam escrever seu próprio itinerário na vida contemplativa. Podem mesmo parecer ter algum êxito, até certo ponto. Porém, alguns sistemas de espiritualidade — notavelmente o budismo zen — colocam grande ênfase num estilo de direção muito severa, “nada de tolices”, que resolve em pouco tempo esse tipo de autoconfiança. Não se pode nem mesmo começar a fazer frente às verdadeiras dificuldades da vida de oração e meditação se não se está primeiro perfeitamente satisfeito em ser um principiante e experimentar que se é realmente alguém que sabe pouco ou nada, tendo necessidade premente de aprender mesmo aquilo que é mais rudimentar. Os que pensam “saber” desde o início, jamais chegam, de fato a saber alguma coisa.

As pessoas que tentam orar e meditar acima do seu próprio nível, que se mostram demasiadamente desejosas de alcançar o que crêem ser “um elevado grau de oração”, afastam-se da verdade e da realidade. Ao observarem-se a si próprias e ao tentarem convencer-se de seus progressos, tornam-se prisioneiras de si mesmas. Quando então percebem que a graça delas se afasta, permanecem presas em seu próprio vazio, na inutilidade de seus esforços e ficam desamparadas. A acedia substitui o entusiasmo do orgulho e da vaidade espiritual. Um longo tirocínio no caminho da humildade e da compunção, eis o remédio!

Não queremos ser principiantes. Mas fiquemos convencidos do fato de que jamais seremos outra coisa a não ser principiantes a vida inteira!


NOTAS


  1. Ver, por exemplo, os Salmos 56, 39, etc.