Marcos o asceta (Philkalia) – Da lei espiritual

Se queres triunfar sobre as paixões entra em ti-mesmo pela oração e com a ajuda de Deus; em seguida, desce às profundezas de teu coração e ali destrói a esses três terríveis gigantes: o esquecimento, a preguiça e a ignorância. Eles são os três principais auxiliares de nossos inimigos espirituais. Todas as demais paixões, sustentadas por eles, chegam ao coração, atuam, vivem e se fortificam nas almas que se deixam ir ou naquelas que falta formação. Mas se, por meio de uma atenção sustentada e perseverante, e com a ajuda do alto, encontrares esses gigantes — os quais muitos não sabem reconhecer -, os expulsareis facilmente com as armas da justiça, que são o pensamento do que é bom, a presteza por chegar à salvação e o conhecimento que vem do céu.

Duzentos capítulos sobre a lei espiritual

1. Em que a lei é espiritual? Quais são o conhecimento e a prática daqueles que querem observá-la?

2. Deus o começo, o meio e o fim de todo bem. Quanto ao bem, impossível realizá-lo ou recebê-lo, se não seja no Cristo Jesus e no Espírito Santo.

3. Todo bem nos é dado pelo Senhor como um bom intendente…

4. A firme é uma torre sólida.

5. Que seja a fonte de todos os desígnios Aquele que á a fonte de todo bem…

6. Aquele que é humilde e que faz obra espiritual tudo se aplica a ele mesmo…

7. Peça a Deus que abra os olhos de teu coração, para que tu possas ver, e mesmo experimentar, a utilidade da oração e da leitura.

8. Aquele que desfruta de um carisma espiritual e que compadece daqueles que não o tem, salvaguarda o dom pela compaixão.

9. A boca do humilde profere a verdade…

10. Não se torne discípulo daquele que faz seu próprio elogio…

11. Não te orgulhes de teu conhecimento das Escrituras…

12. Não tente regrar um afazer tortuoso pela contestação…

13. O cego grita: “Filho de Davi, tende piedade de mim”. Sua prece é corporal. Ainda não tem o conhecimento espiritual.

14. Aquele que no instante ainda era cego levantou os olhos e vendo o Senhor, o proclamou não mais filho de Davi, mas Filho de Deus, e se prosternou para adorá-lo.

15. Não te orgulhes das lágrimas que versas na oração.

16. Aquele que, a exemplo do cego, rejeitou seu manto e se aproximou do Senhor, se pôs a segui-lo e se torno o mensageiro dos ensinamentos mais perfeitos.

17. A malícia entretida pelos pensamentos endurece o coração.

18. É uma aflição do coração doce e benfazeja, que leva à compunção.

19. As vigílias, a oração, a paciência diante dos eventos partindo o coração sem o feri-lo e lhe fazem bem, na condição única de não ser recusado seu concurso pelo espírito de concupiscência.

20. Um coração que ama o prazer é uma prisão e uma cadeia da alma na hora da morte.

21. Um coração duro é uma porta de ferro que interdita a cidade.

22. Numerosos, e muito diferentes uns dos outros, são as modalidades de oração.

23. Um homem, que queria fazer mal, começou por orar em seu coração, segundo seu hábito. Sobreveio providencialmente um obstáculo, e ele só pôde dar graças.

24. Davi resolveu matar Nabal do Carmelo. Mas lembrando-se que a retribuição é obra de Deus, renunciou seu desígnio e deu graças.

25. Na hora em que te lembras de Deus, multiplica a tua oração (pedido) para que, no dia em que te acontecer de o esqueceres, o Senhor, por sua vez, te faça lembrar Dele.

26 Quando lês as divinas Escrituras, considera o que é oculto nelas. Pois é dito que o foi escrito antes de nós o foi para nossa instrução.

27. A Escritura diz que a é o fundamento do que se espera, e ela chama reprovados àqueles que não reconhecem que o Cristo habita em nós.

28. Assim como o pensamento se manifesta pela obras e as palavras, da mesma maneira a retribuição a vir se manifesta pelas boas ações do coração.

29. Vai de si que no coração misericordioso, será feita misericórdia. Mas o contrário chama uma resposta contrária.

30. A lei de liberdade nos ensina toda verdade. A maior parte a descobre como um conhecimento. Mas pouco a compreendem na medida de sua prática dos mandamentos.

61. A Escritura diz: “O inferno e a perdição estão perante o SENHOR; quanto mais os corações dos filhos dos homens?” ( Pr 15,11 ). Ela quer dizer a ignorância e o esquecimento do coração.

62. O inferno é a ignorância; a perdição, o esquecimento. Estão escondidos, ambos, porque desapareceram do ser.

63. Ocupa-te de tuas faltas, não daquelas do próximo. E não estarás afastado do lugar onde está em obra tua inteligência.

64. A negligência não poderia de modo algum se prestar a todo o bem que podemos fazer. Mas a esmola e a oração reanimam os negligentes.

65. Toda aflição suportada segundo Deus é fundamentalmente uma obra de piedade. Pois o amor verdadeiro se prova na adversidade.

66. Não diga que a virtude se adquire fora da aflição. Pois ela não se prova na facilidade.

67. Considera o resultado de toda aflição involuntária. E aí verás o desaparecimento do pecado.

68. Os conselhos do próximo são frequentemente úteis. Mas nada não convém mais a cada uma que seu próprio juízo.

69. Se queres curar, esteja atento a tua consciência. Tudo que ela diz, faça-o, e aí encontrarás teu bem.

70. Os segredos de cada um, Deus os conhece, e também a consciência. Que graças a eles, cada um se corrige.

140. O “preconceito” 1 é a lembrança involuntária das faltas passadas. Aquele que ainda combate contra ele, impede a evolução da paixão; aquele que venceu, anula até a simples sugestão.

141. A sugestão é um abalo do coração, despojado de toda representação; as pessoas experimentadas pegam-na como numa ratoeira (lit.: desfiladeiro).

142. Uma vez que as formas aparecem no pensamento, há consentimento. O abalo sem formas é sugestão inocente…

191. O Senhor está escondido nos seus mandamentos. Os que o procuram descobrem-no na medida em que o procuram.

199. A consciência tranquila é obtida através da oração e a oração pura, através da consciência. Elas têm necessidade natural uma da outra (P.G. t. 65, cc. 905s).

  1. NT: “prolepsis”: lit.: a antecipação, herança estoica. É essa bagagem de lembranças e de noções, que faz com que consideremos as coisas com prevenção.[]