Mamom

VIDE: Mordomo Infiel


Segundo o “Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento”, de Coenen & Brown, as posses de uma forma ou de outra são necessárias para a vida. O grego emprega chrema, ktema e hyparxis como palavras gerais para as propriedades e posses. No NT, pelo menos, peripoiesis, “aquilo que é da própria pessoa”, precisa ser distinguida delas, porque se emprega em contextos não materiais. As riquezas acumuladas podem ser denotadas por ploutos, “riquezas”, e thesauros, “tesouro”. As riquezas materiais também podem ser personificadas como um poder demoníaco, “Mamom” (gr. mamonas).

A palavra gr. mamonas ocorre pela primeira vez no NT. Traduz o estado enfático mamona do Aramaico mamon. Várias etimologias foram sugeridas (cf. E. Nestle, “Mammon”, Encyclopaedia Bíblica, 2914-5; F. Hauck, mamonas, TDNT IV 388; SB I 434; A. M. Honeyman, “The Etymology of Mammon”, Archivum Linguisticum 4, 1952, 60-65). Hauck prefere ligar esta palavra com o vb. aman, no sentido de “aquilo em que se confia”, mas Nestle sugere que talvez significa também “aquilo que é confiado ao homem”, ou “aquilo que sustenta e alimenta o homem”. Os lexicógrafos da língua síria apoiam este último ponto de vista. EmLc 16:11 parece haver um jogo de palavras com esta raiz: “Se, pois, não vos tornastes fiéis |pistou) na aplicação das riquezas (mamonas) de origem injusta, quem vos confiará (pisteusei) a verdadeira Wèthinon) riqueza?” As três palavras gr., pistoi, pisteusei e alèthinon traduzem palavras da mesma raiz ‘mn da qual se forma “Mamom”. Esta raiz também se acha na Palavra Amém.

A palavra se acha na Mishna (Aboth 2:12) e no documento de Damasco (cf. Arndt 491). No Talmude Babilônico acha-se com o significado de “lucro” ou “dinheiro” (Berakoth 61b; cf. M. Black, An Aramaic Approach to the Gospels and Acts, 19673 139). Black também chama a atenção ao emprego dela no Targum palestiniano do Pentateuco, Gn 34:23 (C) para traduzir o Heb. tniqneh, “gado”, que constituía as riquezas do sitiante hebreu, e à sua ocorrência frequente no Talmude palestiniano (e g Nazir 5:4:54b:12; Sanhedrin 8:8:26c:20-21). Nos escritos rabínicos significa, não somente “dinheiro” no sentido restrito, como também as “posses” do homem, tudo quanto tem valor por preço calculável em dinheiro, e até tudo quanto tem a mais do que o seu corpo e a sua vida. A palavra, em si mesma talvez seja neutra, mas adquiriu em contextos negativos a conotação de posses obtidas desonestamente, e riquezas que se empregam desonestamente, como no caso do suborno.

A palavra ocorre três vezes nos ditos que acompanham a parábola do mordomo infiel (Lc 16:1-8). No fim da parábola, “o senhor (ho kyrios) (o senhor na parábola, ou talvez Jesus ou Deus) louvou a prudência do mordomo injusto, pois os filhos deste mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz (Lc 16:8). A parábola se dirige aos discípulos, para lhes ensinar prudência em tratar dos bens deste mundo (quanto à exegese da parábola Casa, art. oikonomia, NT 1 (a); cf. J. D. M. Derrett, “The Parable of the Unjust Steward”, em Law in the New Testament, 1970, 48-77). Especificamente, devem empregar os bens deste mundo de modo piedoso e para o benefício dos outros. Quanto à ação do administrador em diminuir várias dívidas pagáveis ao seu senhor, foi atingido um objetivo duplo. De um lado, o senhor tinha cobrado juros exorbitantes que eram proibidos por lei e, assim, o administrador realmente estava colocando a situação do seu senhor em ordem aos olhos da lei. Do outro lado, estava fazendo um favor a si mesmo, ao cair nas boas graças dos devedores do seu senhor. Lc 16:9 acrescenta: “E eu vos recomendo: Das riquezas (mamona) de origem iníqua fazei amigos; para que, quando estas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos”. Esta recomendação não visa a amizade com “Mamom” mas, sim, o emprego dele para beneficiar outras pessoas. Neste versículo, “esses (amigos)” talvez se refira àqueles que receberam benefício de semelhante emprego das riquezas, ou talvez seja um hebraísmo que se refere a Deus sem diretamente mencionar o Seu nome, ou talvez se refira a Deus com Seus anjos. O argumento é no sentido de que, embora não haja durabilidade nas próprias riquezas, podem ser empregadas para realizar alguma coisa de valor permanente. As riquezas, por si mesmas, são materiais, mas seu uso tem dimensões pessoais. O jogo de palavras em Lc 16:11 já foi mencionado. O versículo contrasta o valor relativamente mínimo das coisas materiais com as riquezas verdadeiras que existem num plano superior e pessoal: “Se, pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a verdadeira riqueza? Zelar bem pelas posses materiais é, portanto, um teste eliminatório para ter mais bens para cuidar (cf. as parábolas das minas (Lc 19: 11-27) e dos talentos, Mt 25:14-30). O versículo seguinte sugere que as riquezas não são uma coisa que realmente alguém possui, pois pertencem a “outro”. O discípulo deve comprovar sua mordomia fiel destas, antes de lhe serem confiadas riquezas dele próprio. O discípulo, como mordomo, ainda não é senhor dele mesmo (cf. Lc 17:7-10). Nem por isso, porém, pode ser o servo de “Mamom”. Isto porque “Mamom”, agora personificado com deus pagão no v. 13, inevitavelmente ficou sendo senhor se o homem procura dominá-lo ou adquiri-lo por amor a ele. Os homens se veem confrontados por esta escolha nítida e crua: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro — ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom (às riquezas)”.

A única outra passagem onde ocorre “Mamom” é Mt 6:24, que é verbalmente idêntica a Lc 16:13, mas que não têm os ditos que aqui se incluem. O dito acerca dos dois senhores se acha em Ev. Tomé 47, mas sem referência a “Mamom”. Este nome ocorre em 2 Clem. 6:1. C. Brown