FILOSOFIA MEDIEVAL — LIVRO DOS XXIV FILÓSOFOS
Quem não leu alguma vez os Pensamentos de Pascal falando da “realidade das coisas”, que esta “é uma esfera infinita cujo centro está por toda parte, a circunferência em parte alguma”?
A fórmula não é nova e, dentro da literatura francesa já se encontrava no Romance da Rosa de Jean de Meung (1305), a respeito do Cristo:
… a espera maravilhosa
que não pode ser terminada,
que por todos lugares seu centro lança
nenhum lugar tem a circunferência
Já aparece a ambiguidade do tema que ora se aplica ao Universo, ora ao Verbo divino.
Recuando ainda mais, encontra-se a fórmula em um opúsculo latino anônimo, intitulado o Livro dos XXIV Filósofos, que se lê pela primeira vez em um manuscrito do início do século XIII. É então Deus que é definido como “sphaera infinita cius centrum est ubique, circunferentia nusquam”.
Aqui esbarramos em um muro. Com efeito o erudito D. Mahnke estudou com o maior cuidado este tema, partindo do romantismo alemão, onde se encontra esta imagem, até alcançar o helenismo alexandrino. Não pôde encontrar esta fórmula precisada anteriormente ao pequeno Livro dos XXIV Filósofos.
A coisa é mais surpreendente posto que a “esfera infinita” conheceu um sucesso discreto mas constante do século XIII ao XVII. Na literatura francesa circulou do Romance da Rosa por Marguerite de Navarro até Pascal. Em latim, é Mestre Eckhart que a utiliza primeiro, assim parece, e ainda a encontramos em Nicolau de Cusa. Em seguida todos os humanistas retornarão ao tema do círculo infinito e do centro, que Georges Poulet perseguiu por sua vez até os poetas ingleses do século XVII, Robert Fludd, Richard Crawshaw, e os platônicos de Cambridge.
Que é então esta pequena obra medieval intitulada por Mestre Eckhart “Liber Viginti Quattuor Philosophorum”, enquanto ainda não tinha título fixo nos manuscritos?
Editado por Clément Baeumker não revelou seu segredo por duas razões: por um lado a tradição manuscrita ainda era mal conhecida e por outro, a distinção não foi nitidamente estabelecida entre dois textos próximos, mas de origem imediata diferente, que se misturam particularmente no século XIII.
Por um lado, o Livro dos XXIV Filósofos formado por vinte quatro definições de Deus, acompanhadas cada uma de um breve comentário e que um prólogo apresenta como o fruto de uma reunião de vinte e quatro filósofos.
Por outro lado, é muito citado desde o final do século XI um texto atribuído a Hermes Trismegisto com citações quase idênticas. As duas primeiras, praticamente as mesmas do Livro dos XXIV Filósofos.
É possível sugerir que os dois textos têm uma origem longínqua comum, mas que o de Hermes é um intermediário neoplatônico enquanto o Livro dos XXIV Filósofos seria aquele próximo da fonte original, embora aparentemente posterior.
Assim, sem ser propriamente um clássico da filosofia, o Livro dos XXIV Filósofos é sem dúvida um dos textos mais enigmáticos e mais importantes por sua história. Documento excepcional de um possibilidade do pensamento, ao mesmo tempo em continuidade com a antiguidade e anunciador dos tempos modernos.
Na tradução francesa, feita do latim, por Fançoise Hudry, que utilizamos, consta uma excelente introdução de onde nos baseamos para escrever a apresentação acima. O destino desta obra, em particular de algumas de suas definições de Deus, ou do Verbo, tem a ver com o pensamento de Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Pascal e outros pensadores no limiar do Medieval para o Moderno, ou na época chamada Renascença.
Como reconhece o posfacio da tradução francesa, feita pelo filósofo Marc Richir, os quadros metafísicos da nova física serão elaborados sob sua influência. Toda uma parte do anti-aristotelismo moderno constituiria com efeito ironicamente uma revanche da “teologia” ainda platônica do jovem Aristóteles sobre a “onto-teologia” clássica do Aristóteles da maturidade. Louvado e comentado no começo do século XIII pelos membros da Faculdade de Artes de Paris, esta “teologia” certamente pagã foi retirada de circulação por ordem da autoridade eclesiástica, e assim levou uma carreira filosófica subterrânea até a Renascença.
EXCERTOS
*LIBER XXIV PHILOSOPHORUM