Pierre Gordon
O homem atual, o homem-monstro cósmico, se situa em um estágio intermediário entre o inferno e o céu. Está a meio caminho; eis aí o que o impede de apreender um e outro em sua verdadeira dinâmica. A figura que ambos lhe apresentam comporta obrigatoriamente um véu.
Escolhendo descrever este véu como se fizesse parte de sua essência, os relatos que nos ocupamos se conformavam, além do mais, à noção original dos infernos e dos céus. No ponto de partida se situavam de um lado homens em curso de ascese nas trevas de uma caverna, do outro, deuses residindo próximo do fogo sacrossanto, no topo da montanha. Quando os seres infernais se tornaram fantasmas, e os deuses personagens desencarnados, não restaram menos essencialmente homens. Tanto que, do grau mais baixo dos infernos até o extrema ponta do céu, estava-se sempre em presença da humanidade. Em diversos países as ideias relativas à transmigração e a metempsicose reforçaram esta concepção, que se afirma com clareza na Índia. Nenhum país sentiu melhor que o universo onde vivemos atualmente, e onde se definha nossa mente, é uma criação do homem. Tal é a maior e a mais bela lição que reteve do antigo ensinamento sacerdotal o pensamento hindu. O cosmos físico não é aquele que criou para nossa espécie o querer divino. É a obra de Deus retocada por um monstruoso demiurgo. O universo verdadeiro, concebido para a humanidade pelo pensamento eterno, é aquele do super-homem, aquele da energia radiante e do pensamento puro, aquele da liberdade sem obstáculos, aquele do progresso vertiginosos e sem fim através do inesgotável esplendor do absoluto.
Desde então, a mente do homem pode se mover a vontade nesta maya que é sua criação. Pode estendê-la a seu gosto em todos os sentidos, espacial e temporalmente. Ela lhe obedece sempre, se adquire uma força mental suficiente. Nela, nada conta salvo o elemento dinâmico subjacente que a comanda. Se Brama e os Budas podem tirar sem fim, deles mesmos, mundos, não é que sejam Deus; não o são por sua origem, e jamais pretenderam sê-lo; é que eles são homens elevados ao nível do super-homem; a este respeito, governam o cosmos fenomenal, obra do homem desnivelado. Discerne-se claramente neles produtos da mais alta iniciação sacerdotal, cópias dos mais antigos «Reis do Mundo» que eram eles também modeladores e «amarradores» de maya.
O universo físico — do qual tomamos conhecimento graças às impressões sensoriais ou sensações, que nosso pensamento objetiva em percepção por inserção no Tempo e no Espaço — é igualmente, a nossos olhos, o universo do mecanismo, o universo fenomenal, o universo espaço-temporal, o universo das separações, o universo das aparências de existência, o universo da maya. É também o universo humano, o universo do Devir, o universo da natureza, o universo das antinomias e da dialética.
Contrariamente ao universo do Espaço-Tempo, que é aquele das contradições, do Devir, e da Dialética, o universo do ser e do Real é aquele da unidade, da identidade, e da Lógica. Não existe, entre os dois, continuidade. Um hiato os separa. Passar de um ao outro, é dar um salto. Tomamos emprestado a Schelling, para designar este salto, a expressão salto dialético; e o problema crucial é indicar porque um abismo separa assim o universo humano do universo do ser. Não há, no entanto, dois universos distintos, mas um só e único cosmo, onde um é a desfiguração momentânea do outro, desfiguração realizada, veremos por qual razão, pelo pensamento do homem. É nossa mente que constitui a ligação entre os dois cosmos. O cosmo humano, enquanto não se identifica com aquele do ser, é inteiramente nossa obra.
Decorre ainda mais que o cosmo do ser é um cosmo transcendente, posto que o cosmo humano, em dele procedendo, e não possuindo outra realidade que sua fonte, não permite nem conhecê-lo em sua essência própria, nem, menos ainda, alcançá-lo. De resto, não menos é, simultaneamente, um cosmo imanente ao universo fenomenal, posto que, totalmente inacessível que é, dele forma o substrato, e dele é o coração mesmo. (Pierre Gordon: A REVELAÇÃO PRIMITIVA)
Henry Corbin
En la doctrina de Suhrawardi, el esquema de los universos espirituales se presenta a grandes rasgos del siguiente modo: desde la primera Luz “victoriosa” (qahir) existe el primer Arcángel surgido de la Luz de las Luces, conocido bajo su nombre mazdeísta tradicional, Bahman (Vohu-Manah), un pleroma de innumerables seres de luz, puras Luces inteligibles sin relación con ningún cuerpo material: es el mundo del Yabarut. De él emana otro pleroma de sustancias de luz, algunas de las cuales tienen que asumir una providencia respecto a la especie material que constituye su “teurgia”, y las demás tienen que desempeñar la función de Almas que animan de forma durarera o momentánea un cuerpo material. Las primeras son los Ángeles-arquetipos o Ángeles de las especies, entre los que podemos destacar los Amahraspands zoroástricos; Suhrawardi interpretará las Ideas platónicas bajo la óptica de esta angelología. Las segundas son las Almas de las Esferas (Angeli caelestes) y las almas humanas. El conjunto de estas dos categorías constituye el mundo del Malakut, y la Tierra del Malakut es la Tierra celeste de Hurqalya.
Entre los Ángeles de las especies se encuentra Isfandarmuz. Hay un rasgo muy significativo que ofrece una información segura: Suhrawardi emplea a su vez el antiguo término iraní característico, mediante el cual, como ya hemos visto, el Avesta designaba ya la función de Spenta Armaiti, es decir, la kadbanu’iyya, la función de “dueña de la casa”. Como Ángel de la Tierra, Isfandarmuz asume especialmente la providencia de los reinos naturales en los que predomina el elemento telúrico, ya que la Tierra es la “teurgia” de su Ángel. (Corbin: Corpo Espiritual e Terra Celeste)