Vaticano I

Vaticano I, Concílio (1869-1870)

Considerado pela Igreja Católica de Roma seu vigésimo concílio ecumênico, celebrou-se na Basílica de São Pedro, em Roma, de 8 de dezembro de 1869 a 18 de julho de 1870. Foi convocado e presidido pelo Papa Pio IX, que “desejava remediar com um meio extraordinário os males extraordinários que afligem a Igreja” (Bula Aeterni Patris, 1868). Foram convidados ao Concílio os não católicos, que não participaram. Não se convidaram os chefes de Estado. Participaram 731 padres católicos de todo o mundo: dois terços eram europeus e, destes, a metade italianos. Não houve nenhum bispo representante de raça negra. No entanto, foram os bispos de fala francesa e alemã os que tiveram intervenções mais notáveis e decisivas.

Os trabalhos do Concílio estiveram centrados em torno das constituições Dei Filius e Pastor Aeternus.

A constituição Dei Filius foi votada em 24 de abril de 1870 e foi a conclusão das discussões sobre as relações entre a razão e a . Diante dos erros do racionalismo, do panteísmo, do fideísmo etc., o Concílio definiu a existência de um Deus pessoal que a razão pode alcançar, embora afirmando a necessidade da Revelação. Não pode haver nenhum conflito entre a razão e a . Eis o texto:

— “Se alguém disser que é uma só e a mesma a substância ou essência de Deus e a de todas as coisas, seja anátema”.

— “Se alguém disser que Deus vivo e verdadeiro, criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana através das coisas que foram feitas, seja anátema”.

A constituição Pastor Aeternus foi votada em 18 de julho de 1870, em meio a aclamações e a uma tremenda tempestade. O documento contém essencialmente a afirmação do primado e da infalibilidade do papa. O debate foi prolixo e apaixonado. O fato do primado e de sua perpetuidade não apresentava dificuldade, mas os qualificativos de “plena, ordinária, imediata, episcopal”, aplicados à jurisdição pontifícia, ocasionaram ásperas discussões. Muito mais o texto em que se afirmava a infalibilidade do papa quando fala “ex cathedra” e a irreformabilidade de suas decisões sem necessidade do “consensus Ecclesiae”. O texto foi aprovado por 533 padres; 55 se ausentaram de Roma para não votar contra na sessão definitiva; 2 votos foram negativos.

— “Ensinamos e declaramos que a Igreja Romana, por disposição do Senhor, possui o primado de potestade ordinária sobre todas as outras, e que essa potestade de jurisdição do Romano Pontífice, que é verdadeiramente episcopal, é imediata…

— Ensinamos e definimos ser dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ‘ex cathedra’… goza daquela infalibilidade de que o Redentor divino quis que estivesse provida sua Igreja na definição da doutrina sobre a e os costumes; e portanto, que as definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas e não pelo consentimento da Igreja”.

Embora a aceitação das decisões conciliares fosse geral, houve repúdios como os de Döllinger e de grupos universitários alemães. Fruto disso foi também a Igreja de “os velhos católicos”, que logo se uniram à Igreja jansenista de Utrecht. No entanto, o Concílio Vaticano I, há mais de um século de distância, é visto hoje sob diferentes perspectivas. Alguns o consideram como a reação da Igreja em retirada, frente a um mundo que cada vez mais se afirmou como “consciência secularizada”. Outros viram no Vaticano I a defesa da Igreja como instituição clerical e fechada diante de um mundo aberto para a modernidade. Seja o que for, “devemos reconhecer que suas definições aumentaram, às vezes, a tensão entre a sociedade política e a Igreja. Esse foi o pretexto para medidas anticlericais em vários países”, com o consequente aumento do anticlericarismo em alguns deles. Mas não seria justo ver somente tais consequências negativas. Devemos reconhecer que a declaração da infalibilidade pontifícia separou ainda mais Roma das diferentes Igrejas cristãs; que a mesma infalibilidade como doutrina era difícil de entender e mais difícil ainda o seu exercício. De fato, somente se exerceu uma vez em 1954 por Pio XII, ao proclamar a Assunção de Maria em corpo e alma aos céus. Mas reforçou a autoridade do Papa, precisamente no momento em que perdia sua autoridade temporal. O Concílio Vaticano II pôde também completar melhor a definição e função da Igreja e o poder dos bispos.

BIBLIOGRAFIA: R. Aubert, Vaticano I, tomo 12 da Historia de los Concílios ecuménicos. Eset, Vitoria 1970; R. Aubert, em Fliche-Martin, Historia de la Iglesia, tomo 21, Valência 1977; J. Collantes, La cara oculta dei Vaticano I (BAC). Madrid 1970. (Santidrián)