Trataremos do conceito do valor num sentido filosófico geral, como conceito capital na chamada teoria dos valores, e também axiológica e estimativa. Caraterístico desta teoria é que não somente se usa o conceito de valor, mas que se procede a refletir sobre o mesmo e a determinar a natureza e carácter do valor e dos chamados juízos de valor. Isto distingue a teoria dos valores de um sistema qualquer de juízos de valor. Semelhantes sistemas são muito anteriores à teoria dos valores propriamente dita, visto que muitas doutrinas filosóficas, desde a antiguidade, contém juízos de valor. Muito comum foi em certas doutrinas antigas equiparar o ser com o valor, e, mais especialmente, o ser verdadeiro com o valor (Platão). A equiparação do ser com o valor não é, todavia, uma teoria dos valor.. Esta tem várias origens. Por exemplo, quando Nietzsche interpretou as atitudes filosóficas não como posições do pensamento ante a realidade, mas como a expressão de atos de proferir e preterir, deu grande impulso ao que se chamou logo teoria dos valor.. O próprio Nietzsche tinha consciência da importância da noção de valor como tal, falava de valores e de inversão de todos os valores. Deste modo se descobria o valor como fundamento de todas as concepções do mundo e da vida. Mas a teoria dos valores como disciplina filosófica deu um passo em frente apenas quando algumas tendências ou escolas trataram de constituir uma — filosofia dos valores. Uma história da teoria dos valores deve evitar o risco de atribuir uma teoria formal dos valores a tendências que carecem efetivamente dela. Não cabe confundir em nenhum caso a teoria dos valores com o sistema de preferências estimativas; a teoria pura dos valores ou axiológica pura é paralela em grande medida à lógica pura. A axiologia pura trata dos valores, enquanto tais, como entidades objetivas, como qualidades irreais, de uma irrealidade parecida à do objeto ideal, mas de maneira alguma idêntica a ele. Os valores são qualidades irreais, porque carecem de corporalidade, mas a sua estrutura difere da dos objetos ideais, também irreais, porque enquanto estes pertencem propriamente à esfera do ser, só de certo modo pode admitir-se que os valores são. Além disso, não pode confundir-se o valor com o objeto ideal, porque enquanto este é concebido pela inteligência, o valor é apercebido de um modo não intelectual, mesmo quando o intelectual não passa tão pouco de ser excluído completamente da esfera dos valores. Dentro destes limites inseriu a teoria atual dos valores os seus debates e investigações, especialmente os que se referiram ao carácter absoluto ou relativo dos valores, quer dizer, os que tomaram como ponto de partida para uma axiologia a determinação do valor como algo redutível essencialmente à valorização realizada pelos sujeitos humanos ou como algo situado numa esfera ontológica e ainda metafísica independente. Pois enquanto uns, seguido inconscientemente certas tendências que podem classificar-se de nominalismo ético, consideraram que o valor depende dos sentimentos de agrado ou desagrado, do fato de serem ou não desejados, da subjetividade humana, individual ou colectiva, outros admitiram que a única coisa que o homem faz rente ao valor é reconhecê-lo como tal e ainda considerar as coisas valiosas como coisas que participam, num sentido platônico, do valor. Atribui-se aos valores as seguintes caraterísticas: 1. O valer: na classificação dada pela teoria dos objetos, há um grupo destes que não pode caraterizar-se pelo ser, como os objetos reais e os ideais. Destes objetos diz-se que valem e, portanto, que não têm ser, mas valer. A caraterística do valor é o ser valente, diferentemente do ser ente. A bondade, a beleza, a santidade, não são coisas reais, mas tão pouco entes ideais. Os valores são intemporais e por isso têm sido confundidos às vezes com as idealidades, mas a sua forma de realidade não é o ser ideal nem o ser real, mas o ser valioso. A realidade do valor é, portanto, o valer. 2. Objectividade: Os valores são objetivos, quer dizer, não dependem das preferências individuais, mantendo a sua forma de realidade para além de toda a e valorização. A teoria relativista dos valores sustenta que os atos de agrado e desagrado são o fundamento dos valores. A teoria absolutista sustenta, em contrapartida, que o valor é o fundamento de todos os atos. A primeira afirma que tem valor o desejável. A segunda sustenta que é desejável e valioso. Os relativistas desconhecem a forma peculiar e irredutível de realidade dos valores. Os absolutistas chegam nalguns casos à eliminação dos problemas que a relação efetiva entre os valores e a realidade humana e histórica põe. Os valores são, segundo alguns autores, objetivos e absolutos, mas não são hipóstases metafísicas das ideias do valioso. A objetividade do valor é apenas a indicação da sua autonomia em relação a qualquer estimação subjetiva e arbitrária. A região ontológica valor não é sistema de preferências subjetivas às quais se dá o título de “coisas preferíveis”, mas tão pouco é uma região metafísica de seres absolutamente transcendentes. 3. Não independência: Os valores não são independentes, mas esta dependência não deve ser entendida como uma subordinação do valor a instâncias alheias, mas como a necessária aderência do valor às coisas. Por isso os valores fazem sempre referência ao ser e são expressos como predicações do ser. 4. Polaridade: Os valores apresentam-se sempre polarmente, porque não são entidades diferentes como as outras realidades. Ao valor da beleza contrapõe-se sempre o da fealdade; ao da bondade, o da maldade; ao do santo, o do profano. 5. Qualidade: os valores são totalmente independentes da quantidade e por isso não podem estabelecer-se relações quantitativas entre as coisas valiosas. 6. Hierarquia: O conjunto de valores é oferecido numa tabela geral ordenada hierarquicamente. Esta caraterização dos valores corresponde à axiologia final, que se limita a declarar as notas determinantes da realidade estimativa. A axiologia material, em compensação, estuda os problemas concretos do valor e dos valores e em particular as questões que afetam a relação entre os valores e a vida humana, assim como a efetiva hierarquia dos valores. Cada um deste problemas recebe soluções diferentes segundo a concepção subjetiva e objetivista dos valores, segundo os valores sejam concebidos como produtos da valoração ou como realidades absolutas. A investigação das relações entre o valor e a concepção do mundo representa um dos problemas mais espinhosos da axiologia material, pois a sua solução depende, por sua vez, em parte, da concepção do mundo vigente ou sustentada pelo investigador. (WebDic)