Ao estudarmos a etimologia da palavra templo, vemos as inúmeras indicações que nos conduzem ao núcleo do sentido que desejamos descobrir. A palavra latina templum (em grego temenos, do radical grego tem), que significa “cortar”, de maneira que templum nada mais significa senão o cortado, o demarcado. Na terminologia posterior dos carpinteiros, dois travessões ou vigas que se entrecruzam, ainda constituem um templum. Em catalão, a palavra templàs e templán em castelhano, designam uma régua de madeira que, no tear, impede a redução de amplitude da peça sendo tecida. Vejamos o que isto tem a ver com o templo.
Na Roma antiga, o sacerdote, o áugure, delimitava um templum no céu, a fim de conhecer o presságio segundo o voo das aves dentro daquele limite. A delimitação criava uma divisão básica que se reproduzia em todos os níveis terrenos, na cidade, acampamentos, rituais, etc. No sentido etimológico, o primeiro templo é, portanto, uma divisão em setores: primeiro a linha leste-oeste, traçada e fixada pelo curso do sol, depois cortada por outra linha perpendicular a ela, que seguia a direção norte- sul. A estas linhas, davam o nome de decamanus e cardo.
Em uma reflexão sobre a vida contemplativa, L.Schaya amplia o sentido do templo, dando-lhe o sentido real: “A palavra contemplatio é composta de cum e templum. Este último termo indica um lugar consagrado e, na antiguidade, significava particularmente o quadrado traçado imaginariamente no céu pelo áugure (…) Pois bem, a contemplação do céu não se limitou à de um áugure investigando nele um presságio: homens de todos os povos e todos os tempos, ergueram os olhos para a abóboda celeste e ficavam maravilhados, fascinados pelas miríades que nela se revelavam. Em toda parte houve homens que, desta contemplação natural do céu, foram transportados à contemplação espiritual do Criador, o que recorda as palavras de Isaías: “Levantai ao alto os vossos olhos, e vede quem criou estas coisas.” (40, 26). Entretanto a Contemplatio Dei não nasce somente da contemplação dos fenômenos celestes. Cícero, por exemplo, amplia a noção de templum (Rep. 6, 15) e, portanto, a de contemplado da Divindade onipresente a “Deus, que tem por âmbito (templum) tudo quanto vês”. Posto que a criação, todas as criaturas, constituem o templo de Deus, o crente termina contemplando o Onipresente em todas as coisas. Aliás, as Escrituras sagradas o convidam a isso, como faz o Corão, ao revelar: “Para qualquer lado que vos virais, lá está a Face de Alá” (11, 109)7.
É semelhante a explicação de H. Corbin sobre a sacramentação do espaço delimitado pelo sacerdote, porquanto denota a presença de Deus: “Assim sacramentada, a palavra templum designou finalmente o santuário, o edifício sagrado conhecido pelo nome de templo, lugar de uma presença divina e de sua contemplação. A palavra latina templum se tornou, portanto, apta a traduzir as expressões árabes e hebraica que recordamos no princípio (tornaremos a vê-las mais adiante), as quais conotam a ideia de uma morada divina, enquanto que, por sua etimologia distante, a palavra conota a idéia de um lugar de visão. O templo é o lugar, o órgão da contemplação. (…) O próprio Deus é o templo dos crentes e, reciprocamente, os crentes são o templo de Deus”.
O que nos indicam tais relações? Que existe uma Criação, que existe uma divisão, uma separação entre o Criador e o criado, que de, alguma forma, toda a criação e todas as criaturas são o templo de Deus, pois são sua própria separação, seu desdobramento. O sentido etimológico do templo revela que não se refere apenas a um edifício, mas que seu conteúdo é muito mais amplo. Diz um poema de Kabir: “Se Alá está dentro da mesquita, então, a quem pertence este mundo? Se Rama está dentro das imagens que encontras em tua peregrinação, então, existe quem saiba o que ocorre no exterior?”
Vejamos agora algumas notas sobre o sentido etimológico hebraico, citado por H. Corbin, e que nos permitirá compreender melhor a ideia que tentamos elaborar. H. Corbin usa o termo Beit-ha-migdash, no sentido de Casa Santa, assim como Beit-El, no sentido de Casa do Mundo, ou Beit-Israel, a Casa de Israel. Aqui, interessa-nos não tanto a especificação, como a denotação do termo Beit, Casa, que também designa a segunda letra do alfabeto hebreu e corresponde ao número dois. Explica o Sefer ha-Bahir: “Por que a letra Beth está fechada por todos os lados e aberta na parte da frente? É para mostrar-te que é a Casa do Mundo. Isto significa que o Santo, Bendito Seja, é o lugar do mundo, mas que o mundo não é seu lugar. Assim, não deve ser lido Beth, mas Bait, casa, tal como está escrito: ‘É pela Sabedoria que a casa se edifica e é por sua inteligência que se consolida (Prov. 24-3)”.
Por esta letra, a segunda do alfabeto, começa a Torá, e com ela toda a obra da criação, pois indica a divisão entre o Criador e as criaturas. Diz o Sefer ha-Zohar: “E, efetivamente, Eu (o Santo, Bendito Seja) me servirei de ti (a letra Beth) para realizar a criação do mundo e, portanto, serás a base da obra da criação”. Em outra passagem, diz: “A letra Beth designa os dois reinos, o de cima e o de baixo, que estão em comunicação, como o Norte e o Sul. O reino de cima funde o gelo de baixo, e o reino de baixo rende graças ao de cima. Estes dois reinos representam ‘o macho’ e ‘a fêmea’, que se complementam um ao outro. O céu representa o macho, e a terra, que pede as águas do macho, representa a fêmea. Quando o céu concede suas águas à terra, esta se torna fecunda”.
Nestes breves comentários cabalísticos sobre o sentido de Beit, podemos ver os três princípios que conceitualizam a palavra latina templum: 1 – indica uma separação, um corte; 2 – é um lugar que está habitado por Deus; 3 – é o lugar da contemplação, pois é o lugar da reunião com Deus. (Arola)