Na sua acepção clássica, o termo pessoa deriva de máscara. Trata-se da máscara que cobria o rosto de um ator quando desempenhava o seu papel no teatro, sobretudo na tragédia. Daqui derivam, por sua vez, duas significações igualmente antigas. Por um lado, pessoa é o personagem. Por outro lado, faz-se derivar o termo de fazer ressoar a voz, como o fazia o ator através da máscara. Discute-se os gregos tiveram ou não uma ideia de pessoa enquanto “personalidade humana”. Em geral, adota-se uma posição negativa, mas pode presumir-se que alguns tiveram uma intuição do fato do homem como que personalidade que transcende o ser parte do cosmos ou membro do estado-cidade. Poderia ser esse, por exemplo, o caso de Sócrates. As elaborações mais explícitas na noção de pessoa devem-se, em especial, ao pensamento cristão. Um dos primeiros a desenvolver plenamente esta noção foi Santo Agostinho, que logrou que o termo poderia usar se para referir-se à Trindade (as três pessoas) e ao ser humano. Referiu-se às pessoas divinas baseando- se na noção aristotélica de relação, para evitar considerá-las como simples substância impessoais no sentido tradicional. Mas Além disso, Santo Agostinho encheu os seus conceitos com o fruto da experiência que, desde então, se passou a chamar precisamente pessoal. A ideia de pessoa, em Santo Agostinho, perde a relativa exterioridade que, todavia, tinha, para assumir decididamente um carácter íntimo. A ideia de relação serviu a Santo Agostinho para destacar o ser relativo a si mesmo e de cada pessoa divina pelo qual e efetivamente há três pessoas e não apenas uma. A ideia de intimidade, para fazer desta relação consigo mesmo não algo abstrato mas eminentemente concreto e real. Um dos autores mais influentes na história da noção de pessoa foi Boécio, que proporcionou a definição básica para quase todos os pensadores medievais: “a pessoa é uma substância individual de natureza racional”. A pessoa é uma substância que existe por direito próprio e que é perfeitamente incomunicável. Santo Anselmo (monologio) aceita a definição de Boécio, mas assinala que há um contraste entre pessoa e substância.. com efeito, diz Santo Anselmo: “fala-se só de pessoa relativamente a uma natureza racional individual, e da substância relativamente aos indivíduos, a maioria dos quais subsistem na pluralidade”. S. Tomás recorda a definição de Boécio e manifesta que enquanto a individualidade se encontra propriamente na substância que se individualiza por si mesma, os acidentes não são individualizados por uma substância. Por isso, as substâncias individuais recebem o nome especial de hipóstases ou substâncias primeira.. Ora, como os indivíduos se encontram de modo mais especial nas substâncias racionais que têm o domínio dos seus próprios atos e a faculdade de atuarem por si mesmas, os indivíduos de natureza racional possuem um nome que os distingue de todas as primeiras substâncias: o nome pessoa. Assim, diz-se da pessoa que é substância individual com o fim de designar o singular no gênero da substância e acrescenta-se que é de natureza racional para mostrar que se trata de uma substância individual da ordem das substâncias racionais. Segundo Ocam, a pessoa é uma substância intelectual completa que não depende de outro suposto. Quase todas as ideias relativas à pessoa expostas até agora sublinham o seu ser por si e, desse modo, a sua independência e incomunicabilidade. Mas há dentro do cristianismo outras ideias que destacam a relação e a origem da pessoa. Os autores modernos não eliminaram os elementos metafísicos em que se fundava grande parte da concepção tradicional. Assim, por exemplo, Leibniz diz que “a palavra pessoa traz consigo a ideia de um ser pensante e inteligente, capaz de razão e de reflexão, que pode considerar-se como o mesmo, como a mesma coisa, que pensa em tempos distintos e em lugares diferentes, o que faz unicamente por meio do pensamento que tem das suas próprias ações” (NOVOS ENSAIOS). Contudo, muitos autores modernos, agregaram também elementos psicológicos e éticos. Muitos propuseram a distinção entre a noção de indivíduo e a de pessoa. Por um lado, define-se negativamente a unidade do indivíduo: algo, ou alguém, é indivíduo, quando não é outro indivíduo. Em contrapartida, pode definir-se a unidade da pessoa positivamente mediante elementos procedentes de si mesma. Por outro lado, quando o indivíduo é um ser humano, é uma entidade psicofísica; a pessoa, em contrapartida, é uma entidade que se funda numa realidade psicofísica, mas não redutível inteiramente a ela. Finalmente, o indivíduo está determinado no seu ser; a pessoa é livre e é essa a sua essência.. Esta contraposição, entre o determinado e o livre, o indivíduo e a pessoa, foi elaborada por filósofos que persistiram na importância do ético na constituição da pessoa. Assim aconteceu em Kant, que definiu a pessoa ou a personalidade, como “a liberdade e a independência perante o mecanismo da natureza toda, consideradas ao mesmo tempo como a faculdade de um ser submetido a leis próprias, isto é, a leis puras práticas estabelecidas pela sua própria razão” (CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA). A personalidade moral, para Kant, “a liberdade de um ser racional submetido a leis morais”. Embora o ser racional se dê a si mesmo estas leis morais, isso não significa que sejam arbitrárias. Se o fossem, não emergiriam da pessoa, mas daquilo a que chamamos “o indivíduo”. A pessoa é “um fim em si mesmo”. Não pode ser substituída por outra.. O mundo material é, por isso, um mundo de pessoas. Depois de Kant, voltaram a assumir importância os elementos metafísicos da noção de pessoa. Assim, aconteceu com Fichte, para o qual o Eu é pessoa não só por ser um centro de atividades racionais, mas sobretudo por ser um “centro metafísico”que se constitui a si mesmo “ao pôr-se a si mesmo”.

Desde então o conceito de pessoa tem sofrido alterações fundamentais, pelo menos em dois aspectos: quanto à sua estrutura e quanto às suas atividades. Relativamente à estrutura, houve tendência para abandonar a concepção substancialista da pessoa para ver nela um centro dinâmico de atos. Quanto às suas atividades, houve tendência para contar entre elas não só as racionais, mas também as emocionais e volitivas. Deste modo, pensa-se que é possível evitar os perigos do impessoalismo que se apressa a identificar pessoa com substância e esta com coisa. É explícita a definição de Max Scheler: “a pessoa é uma unidade de ser concreta e essencial de atos da essência mais diversa… O ser da pessoa funda todos os atos essencialmente diversos” (ÉTICA). Segundo esta concepção, a pessoa não é um ser natural nem tão pouco membro de um “espírito cósmico”. É a unidade dos atos espirituais ou dos atos intencionais superiores. se pode dizer da pessoa que também é um indivíduo, deve acrescentar-se que é um indivíduo de carácter espiritual. Esta concepção destaca na realidade da pessoa o motivo que considera fundamental: o da sua transcendência. Se a pessoa não se transcende constantemente a si própria, ficaria sempre dentro dos limites da individualidade psicofísica e, em última análise, acabaria imersa na realidade impessoal da coisa. (DFW)