gr. endekomenon; lat. contingens
O problema da percepção da existência concreta, isto é, da existência deste ser que percebe pelos sentidos, está em íntima conexão com o problema do conhecimento do singular. De uma parte, com efeito, só o singular existe e, mais profundamente, o que obsta a intelecção, tanto no existente como tal, quanto no singular, é a materialidade ou a potencialidade que o limita. De si o singular e o existente não são de modo algum ininteligíveis. São as condições nas quais se encontram implicados no mundo que nos cerca que velam o olhar do espírito.
É importante notar que o conhecimento da existência, do qual se trata presentemente, não é a concepção universal ou quididativa que a inteligência pode formar desta noção. Assim, tenho a ideia comum do que existe. Mais fundamentalmente, é preciso reconhecer que em sua primeira apreensão, que é a do ser, o espírito se refere sempre à existência. O ser é, com efeito, o que existe ou pode existir. Em seu primeiro trabalho, a inteligência envolve de algum modo a ordem do abstrato e a do concreto e é o que faz com que ela possa ir depois de um para outro. Atualmente, porém, trata-se da apreensão de tal existência determinada. Lembremos que ainda aqui nós nos limitamos voluntariamente ao problema do conhecimento, pela inteligência humana, da realidade percebida pelos sentidos.
A tese comum do conhecimento do contingente. Esta questão da apreensão pela inteligência humana do concreto existente, deve ser compreendida na tese mais geral do conhecimento, por toda inteligência, do contingente (cf. Ia Pª, q. 86, a. 3).
O ser contingente é aquele que não existe necessariamente ou que pode não existir. Como conseguiremos atingi-lo? Convém, antes de tudo, colocar de lado um primeiro conhecimento deste ser que se liga ao conhecimento quididativo Em todo ser contingente, com efeito, há determinações necessárias que resultam de sua forma, ou da natureza das coisas, e que a inteligência pode evidentemente conceber. Assim direi que se Sócrates se põe a correr, é necessário que se mova. Mas, como poderia reconhecer que Sócrates corre, sendo isto um fato contingente?
Na resposta que dá aqui a esta questão, Tomás de Aquino recorre à mesma explicação que havia proposto para o singular: na realidade, os dois problemas se confundem, pois a singularidade e a contingência têm semelhantemente sua raiz na matéria. Como o singular, portanto, o contingente será captado de modo direto pelo sentido e indiretamente pela inteligência: “Contingentia, prout sunt contingentia, cognoscuntur directe quidem sensu, indirecte autem intellectu”. Consequentemente é na e pela reflexão sobre as imagens que se atinge a existência concreta das coisas, a qual diretamente se refere só ao sentido. É possível precisar ainda o modo deste conhecimento concreto do existente?
Conhecimento de visão ou “per praesentiam”. Tomás de Aquino explicou este ponto sobretudo a propósito de caso privilegiado do conhecimento que Deus tem do contingente existente (cf. I, q. 14, a. 2). Em Deus deve-se distinguir dois tipos fundamentais de saber: – a ciência da visão, que se relaciona ao que é concretamente existente (no passado, no presente ou no futuro); – a ciência de simples inteligência, que concerne aos possíveis que jamais serão realizados. Aproximativamente, esta distinção corresponde à que se encontra em nosso caso do conhecimento abstrativo e da apreensão do concreto.
Em que exatamente diferem os dois saberes considerados? João de Tomás de Aquino (cf. Logica, q. 23, a. 2) glosando certas passagens de Tomás de Aquino (em particular De Veritate, q. 3, a. 3), concluiu que a ciência de visão se distingue da ciência de simples inteligência por lhe acrescentar uma diferença que está fora da ordem da representação e que é a presença da coisa: a coisa concebida de maneira abstrativa é vista como presente. Em linguagem moderna fala-se antes de intuição. Deve-se notar, em favor desta interpretação, que o próprio Tomás de Aquino, desde que se trate do conhecimento atual do contingente, fala sempre da presença da coisa: a ciência de visão é assim formalmente um conhecimento “per praesentiam”.
O comentador que aqui seguimos aplica a precedente análise ao caso do conhecimento. Que modificação deverá padecer o conhecimento abstrativo ou conceitual para atingir a existência como tal? A mesma que precedentemente: será preciso que o conceito seja referido à coisa vista como presente à nossa faculdade, ou que nosso conhecimento termine nesta coisa, tendo-se especificado que a presença, de que aqui se trata, é concreta e não simplesmente representada: sei com efeito, que Deus está presente em toda parte e contudo não posso, por este fato, dizer que o vejo. Será conveniente precisar ainda que esta presença à nossa faculdade supõe a atividade do objeto sobre a potência e funda-se sobre ela mesma. Em nós, a ordem do conhecimento concreto repousa, em última análise, sobre a ordem da eficácia causal.
Conclusão: o juízo de existência. O juízo de existência concreta, “o que percebo atualmente existe”, tão somente explica, no nível da operação perfectiva de espírito, o que se acha dado na primeira apreensão, duplicada pela reflexão sobre o conhecimento sensível que está em sua origem.
Um objeto apresenta-se aos meus sentidos. Por abstração eu o concebo intelectualmente como algo que é (noção confusa do ser material); mas simultaneamente esta concepção aparece-me ligada ao objeto que captei como presente. Se decomponho este dado primitivo segundo os dois aspectos que me oferece, de sujeito determinado e de existência atual, vejo que a existência atual convém a este sujeito e eu lha atribuo; pronuncio então este juízo: “isto existe”, no qual afirmo o caráter concreto do ser percebido; ao mesmo tempo tomo consciência da verdade de meu pensamento enquanto este se confronta com o objeto considerado.
Assim termina o ciclo total da atividade intelectual, a qual visa atingir o ser até sua atualidade última e perfectiva, a existência. Resta evidentemente efetuar, em uma outra linha, todo o processo, precedentemente descrito, pelo qual a inteligência procura adquirir um conhecimento distinto da essência. (Gardeil)