conhecimento sensível

Pela sensação, o que atingimos das coisas exteriores? Não o seu ser total certamente. O sentido, com efeito, como toda potência de conhecimento, diretamente só pode apreender as formas:

“Obiectum cuiuslibet potentiae sensitivae est forma prout in materia corporali existit.”

Ainda mais, convém precisar que não é a forma substancial, ou a essência das coisas, que é percebida, mas somente as formas acidentais e, talvez mesmo, certas formas acidentais exteriores:

“Sensus non apprehendit essentias rerum sed exteriora accidentia tantum.”

Em suma, devemos considerar, como objeto dos sentidos, o conjunto das qualidades da terceira espécie, denominadas qualidades sensíveis, às quais é preciso acrescentar as determinações quantitativas dos corpos.

Aristóteles, em um trecho que se tornou clássico, dividiu em três grandes classes os objetos da sensação (cf. De Anima, II, c. 6).

Os sensíveis próprios. São os objetos particulares de cada um dos cinco sentidos externos: cor, som, odor, sabor, e o complexo conjunto das qualidades percebidas pelo tacto (calor, frio, peso, pressão, resistência, etc. …). Estes sensíveis são chamados próprios pelo fato de se relacionarem só a um sentido que determinam, o que evidentemente pressupõe que sejam especificamente distintos uns dos outros. Cada sentido, portanto, percebe seu sentido próprio, e não pode ser afetado pelo sensível dos outros sentidos.

Os sensíveis comuns. Como o nome indica, estes sensíveis podem ser apreendidos por vários sentidos. Distinguem-se habitualmente cinco: o tamanho, a figura, o número, o movimento e o repouso. A vista, o tacto, e talvez o ouvido, têm uma certa percepção destas coisas. Os sensíveis comuns não constituem um objeto absolutamente independente; supõem o conhecimento dos sensíveis próprios ao qual conferem uma modalidade original. Assim, quando vejo uma extensão colorida, a cor é, nesta sensação, o que especifica propriamente a vista, mas a extensão é igualmente conhecida e poderia ser conhecida por outro sentido.

Os sensíveis “per accidens”. Esta última categoria de objetos não é diretamente apreendida pelos sentidos, mas ligada a coisas que são efetivamente sentidas. Vejo uma mancha colorida: acontece que é um animal; declaro então que vejo um animal. Tais objetos, vê-se claramente, não devem ser levados em consideração na teoria especial do conhecimento dos sentidos externos.

O realismo do conhecimento sensível.

É neste ponto que mais radicalmente se opõem a filosofia antiga, mais realista, e o pensamento moderno, mais subjetivista. O mundo exterior é revelado pelos sentidos tal qual é, ou somente de modo aproximativo, ou mesmo, puramente simbólico? Precisemos logo que a objetividade, aqui colocada em causa, é somente a dos sensíveis próprios e a dos sensíveis comuns, e destes últimos só no caso em que são objeto de um só sentido. Tudo o que diz respeito ao sensível “per accidens” ou tudo o que, na percepção, supõe uma certa construção, está fora de nossas vistas.

O problema geral do realismo do conhecimento deve ser estudado em outro lugar, a propósito da apreensão do ser, e do ponto de vista da inteligência. Portanto, aqui está em questão só o dado imediato de cada um dos nossos sentidos.

O que sobre isso pensaram Aristóteles e Tomás de Aquino?

Sua atitude sobre este ponto é indubitavelmente realista: para eles os dados imediatos dos sentidos são objetivos. Aristóteles, manifesta-o de início com mais discrição: o que quer precisamente manter, contra Protágoras, é que o cessar da sensação não importa no desaparecimento do objeto: “é impossível que os objetos que produzem esta sensação desapareçam só pelo fato de esta ser suprimida, pois a sensação não se radica em si mesma; além da sensação há outra coisa que necessariamente a precede” (Cf. Metaph., c. 5; De Anima, III, c. 2 e 3 ) . Existe identidade entre o sensível e o senciente no ato da sensação, repete ele também constantemente; com relação ao sensível próprio não pode haver erro nos sentidos. Tomás de Aquino, por sua vez, expressa-o em fórmulas absolutamente inequívocas; a cor está no fruto que percebemos: “a vista vê, com efeito, a cor do fruto sem o odor; se perguntamos onde está a cor que é vista sem seu odor, é claro que tal cor só poderia estar no fruto” (S. Th. Ia Pa, q. 85, a. 2, ad. 2).

Este realismo, todavia, não é tal que não admita certas mitigações. Antes de tudo, já vimos, diz respeito só aos sensíveis próprios e, de certa maneira, aos sensíveis comuns; e só considera os acidentes exteriores, permanecendo velada a essência mesma das coisas. O sentido, enfim, é, por si só, incapaz de apreciar formalmente a objetividade de seu conhecimento. Esta operação supõe a reflexão da inteligência.

É preciso ir mais longe. Em muitos lugares, por ocasião dos erros dos sentidos, Tomás de Aquino abertamente dá mostras de relativismo (cf. sobretudo Metaph., IV, 1-14, n. 694 ss). Algo parece-nos pequeno ou grande conforme visto de longe ou de perto: para julgar objetivamente deve-se fiar na segunda dessas impressões. Os sensíveis comuns, aliás, prestam-se a múltiplas ilusões. Nota-se igualmente que a cor de um objeto pode mudar com a distância: aqui ainda é a visão próxima que é a certa. Por outra parte, se os órgãos dos sentidos estão doentes, infetados de humor como nos febricitantes ou nos que têm iterícia, as sensações ver-se-ão perturbadas. A debilidade do sujeito pode, enfim, ser causa de erro: a quem é fraco um peso leve parece pesado.

Impelido pelos fatos, Tomás de Aquino falou em relativismo. Mas não o teria acentuado se se tivesse encontrado diante de uma análise metodicamente conduzida. Resta, entretanto, que para ele, como para Aristóteles, a potência sensível aparece antes como um receptáculo vazio; que toda especificação vem do objeto; e que pelo menos em condições normais percebemos as qualidades sensíveis tais como são na realidade.

Os comentadores retomaram a precedente doutrina da objetividade da sensação, completando-a em certos pontos. Reteremos aqui apenas os aperfeiçoamentos trazidos por João de Santo Tomás (cf. Cursus Philos., De Anima, 6, a.4: Utrum requiratur necessario quod objectum exterius sit praesens ut sentiri possit; a. 5: Utrum sensus externi forment idolam, seu speciem expressam ut cognoscant). Este autor esforça-se por precisar em dois pontos principais a teoria do realismo do conhecimento dos sentidos.

Declara, antes de tudo, que o conhecimento sensível realiza o tipo mesmo do conhecimento experimental, o qual se opõe ao conhecimento quididativo como a apreensão imediata da realidade concreta à concepção abstrata das essências, sendo a presença do objeto conhecido, na faculdade de conhecer, o motivo próprio do conhecimento experimental. Se não se admitir para o conhecimento sensível este caráter de imediato, pensa ele, todo o realismo de nosso pensamento, que descansa sobre esta base, encontra-se comprometido.

Com a mesma preocupação de garantir o imediato do conhecimento sensível, afirma nosso autor, em segundo lugar, que ao invés do que se passa com a inteligência, um tal conhecimento não atinge seu objeto em uma concepção formada pelo espírito, ou em uma “species expressa”. O conhecimento sensível só tem por termo a coisa em si mesma, ou suas qualidades objetivas, que são apreendidas diretamente pelo sentido. Que uma “species cxpressa” não seja requerida, isso provém, antes de tudo, da condição da coisa concreta que, estando efetivamente presente e em condições de imediação suficiente, pode ser imediatamente captada. E provém ainda do fato de que, sendo do gênero qualidade, a ação imanente não supõe necessariamente a produção de um termo. A coisa concreta tem, no caso presente, tudo o que é preciso para terminar por si mesma o ato de conhecer e seria supérfluo recorrer, para desempenhar este papel, a um substituto criado pelo espírito.

Alguns tomistas modernos, impressionados pelas dificuldades postas por uma crítica mais avançada da sensação, aplicaram-se em renovar a teoria antiga no sentido da relatividade (cf. por exemplo: Fröbes, Psychologie spéculative, t. I, p. 108) .

Uma primeira modificação importante consiste em dar, do ponto de vista da objetividade, um valor privilegiado às qualidades primeiras (dados quantitativos) sobre as qualidades segundas (dados qualitativos). A extensão e suas determinações, em principio, encontrar-se-iam na realidade tais como nós as percebemos, mas o aspecto qualitativo da representação não é verdadeiramente objetivo. Se a cada qualidade percebida corresponde concretamente uma determinação especial que justifica a especialidade da sensação, não há entre os dois termos verdadeira semelhança. Vê-se quão profundamente a teoria antiga aqui se encontra transformada. Para Tomás de Aquino, ao contrário, é a percepção da qualidade que apresenta o máximo de garantia, produzindo-se os erros antes na percepção dos sensíveis comuns.

Alguns vão menos longe na sua reforma. O sensível percebido é bem imediato e objetivo, mas como tal é realizado apenas ao contato do órgão ou da potência sensível. O meio tanto exterior como interior pode, com efeito, muito bem modificar as condições da sensação. O objeto, em sua realidade, não seria portanto necessariamente idêntico à representação que dele temos.

O que reter de tudo isto? Não é duvidoso que Tomás de Aquino, nas sendas de Aristóteles, tenha reconhecido a objetividade das qualidades sensíveis; aparece igualmente que, quando o fato o constrangia, mitigava com um certo relativismo esta primeira consideração. Pode-se ir mais longe que ele nesta via? Sem dúvida. Nada proíbe, em particular, de se levar mais em conta as condições do meio e dos órgãos e de transportar assim, ao nível da faculdade, o objeto tal como nós o percebemos. Poder-se-á progredir até ao ponto de dizer que as qualidades percebidas são apenas símbolos das qualidades reais das coisas, com finalidade sobretudo utilitária? Será sempre praticamente impossível dar a esta questão uma resposta decisiva, porque não têm os sentidos, como a inteligência, o poder de refletir sobre seu ato e, portanto, de julgar de seu exato valor. Como quer que seja, há uma imediação e um certo realismo fundamental que, no tomismo, dificilmente podem ser recusados ao conhecimento sensível. (Gardeil)