relações humanas

Que a possibilidade para cada um de entrar em relação com o outro resida na sua condição de Filho, aí está o que desloca, com efeito, e de modo radical, o ponto de partida desta relação. Esta já não se encontra no homem, ainda que compreendido como um ego transcendental. Nem sequer no Si transcendental que funda este último. É aquém do Si transcendental, no que o une a ele, que se encontra o ponto de partida. O ponto de partida é a vida, seu processo de autogeração como geração do Primeiro Vivente na Ipseidade de que todo Si vivente advém a si, tanto o meu como o do outro. É somente no processo da vida que é possível um acesso aos viventes. É unicamente porque cada Si vivente advém a si mesmo neste processo da vida e à parte desse processo que um acesso potencial é disposto, neste processo e por ele, a todo Si vivente concebível.

Esta é uma das intuições cruciais do cristianismo: a relação com o outro só é possível em Deus. Mais exatamente no processo da Vida divina e segundo as modalidades conforme às quais esta Vida se cumpre. Se assim é, o modo como um Si transcendental chega a outro é o mesmo que aquele com que ele chega a si mesmo: passando [355] sob o Arco triunfal, sob esta Porta que é Cristo na parábola das ovelhas que João relata. É no próprio movimento em que – fazendo-se a Vida Ipseidade no Si do Arqui-Filho e gerando em si todo Si concebível, e o meu em particular – chego a mim e sou dado a mim mesmo por meu nascimento transcendental que chego também, eventualmente, até o outro – na medida em que me identifico com tal movimento e coincido com ele.


[…] no que concerne à relação com o outro, na medida em que esta relação do Si com o outro é da mesma natureza que sua relação consigo. Uma e outra variam conjuntamente e do mesmo modo. Assim como, em sua relação consigo, o Si esquece o que o torna possível, a doação de si a ele mesmo na Ipseidade original da vida, assim também o Si se relaciona com o outro fazendo abstração do que no outro o dá a ele mesmo – precisamente: a doação de si a ele na autodoação da vida. Relaciona-se com ele como com um indivíduo empírico que se mostra no mundo, no melhor dos casos como com outro ego, semelhante ao seu e bastando-se a si mesmo em sua qualidade de ego. O que é afastado nos dois casos é a autodoação da Vida absoluta na Ipseidade do Primeiro Vivente, a saber, Cristo/Deus. Ou, para dizê-lo do ponto de vista de cada um desses egos, é sua condição de Filho. (Michel Henry MHSV)