Marcion

ESCOLAS GNÓSTICASMARCION (séc. I-II)

Francisco García Bazán

Desde o Ponto — havia nascido em Sinope no ano 85, filho de um bispo — veio a Roma entre os anos 136 a 140, sob o pontificado de Higinio. Segundo São Jerônimo era homem “ardens ingenii et doctissimus”. No ano 144 foi segregado da Igreja de Roma — embora antes seu próprio pai o havia excomungado e a mesma sorte havia ocorrido na Ásia Menor — muito provavelmente nessa época os elementos judaicos eram predominantes no pensamento desta igreja, como se deduz de 1 Cor. De Clemente, e da teologia e o moralismo do Pastor de Hermas. Também por esta época havia em Roma um mestre gnóstico, Cerdon, relacionado com os simonianos, o qual secretamente ensinava que o Deus do AT era um deus justo e conhecido por sua revelação e que não era o Pai de Jesus, que o Pai deste era desconhecido e bom; suas relações com a Igreja eram intermitentes. Provavelmente a sua chegada à Roma, Marcion, que preparava seu “Antíteses”, se relacionara com a seita de Cerdon (Irineu de Lião nos diz que foi seu sucessor), tornando público muitas doutrinas comuns do gnosticismo siríaco do qual ambos eram participantes. Harnack chegou a sustentar o profundo caráter cristão de Marcion, na linha do mais puro paulinismo e ao mesmo tempo seu gnosticismo apenas tangencial. Entretanto os traços gnósticos de Marcion são notórios.

Doutrina gnóstica de Marcion:

  • Em primeiro lugar, sua distinção entre o Deus bom, supremo e desconhecido, do qual procede o Salvador (Jesus) frente ao deus justo de Cerdon, Jeová, criador do mundo, responsável do mal, inconstante e versátil em seus desígnios do qual são reflexo os profetas e a lei, não faz mais que expor os símbolos da Divindade Suprema, demiurgo, Salvador e dualismo gnóstico.
  • Nos diz que “Jesus se manifestou como homem” e que veio desde o Pai que está acima do cosmocrator.
    • Aqui distinguimos dos traços do tipo do Salvador gnóstico, natureza humana aparente e procedência do Deus desconhecido.
  • Irineu insiste que Marcion sustentava que o corpo terrestre não participa da salvação, afirmação docetista que confirma o emanacionismo e o estado de queda das almas no corpo ao qual são “estranhas”;
    • por outro lado, se acentua que somente serão salvos os que “aprendam” sua doutrina. O reconhecimento do pneuma perdido, manifestado primeiro em Jesus, como tipo universal, e feito acessível por meio de Marcion, insiste no conhecimento da correta doutrina que é a gnose salvadora.
  • Afã restritor na letra do NT — embora não se discuta porque Marcion o fez por meios filológicos, possível reflexo de tradição anterior considerada ortodoxa — nos fala desse esoterismo metafísico empregado pelos gnósticos que ao reinterpretar o Evangelho o faz somente sobre aquela parte transmitida por uma influência de magistério espiritual fechado e não sobre a totalidade de escritos que consideram exotericamente agregados a esse núcleo.