Hans Jonas: LUZ E ESCURIDÃO
Roberto Pla
Evangelho de Tomé – Logion 83
Se se quer penetrar no significado que para o homem que ama o evangelho deve ter a palavra LUZ, quer dizer, se se quer saber o significado “real” que para Jesus e seus discípulos tinha a palavra, há que começar por recordar que Jesus, Cristo oculto e manifesto ao mesmo tempo, disse: “Eu sou a luz do mundo”. Não falava Jesus, ao dizer isto, da luz “em si”, desnuda, perfeita no seio do Pai, senão dessa mesma luz, pois não há outra, quando está escondida, oculta, nas imagens que cada homem do mundo vê (vide a notável análise de Michel Henry VERDADE DO MUNDO). Por isso não disse Jesus: “Eu sou a luz, o que em tal caso teria o mesmo significado puramente espiritual de luz pura, intacta, não cativa, que essa que nomeia o apóstolo João em sua primeira espístol quando exclama: “Deus é luz”.
Há muitas passagens testamentárias que são válidas para esclarecer que determinações da luz pode perceber nossa inteligência sob a locução: “Luz do Mundo”.
Quando o salmista recita: “Em ti está a fonte da vida e em tua luz vemos a luz” (Sl 36,10), o que explica é que a glória luminosa de Cristo é poder de Deus que há que aprender a receber na dupla acepção de ser vida eterna e conhecimento. Esta luz que vem do Pai como a luz solar irradia e se distribui desde o sol, é com efeito, o manancial da Vida eterna, isenta de morte, que alimenta, escondida nelas, todas as imagens do mundo. O homem que nasce do Espírito “se abriga sob a sombra de suas asas”, quer dizer, vive sob o amparo bendito da luz, com renúncia ao fruto das imagens manifestadas. Assim é como a luz escondida nas imagens do mundo, se manifesta ao homem pneumático e o ilumina para que transforme sua vida mortal em Vida imperecedoura.
Como um fluxo subjetivo paralelo, a glória luminosa de Cristo, a luz do mundo, é para o homem “o conhecimento”, pois diz o salmista que esta é luz pela qual é possível “ver a luz”. Por isso se disse que a sabedoria — a glória de Cristo — é um reflexo da luz eterna. A luz pela qual vemos a luz, esta glória, não é, certamente, outra que a luz do conhecimento, e esta, por sua vez, é uma luz que aparece fragmentada — em ideias, em pensamentos 0 para que resulte acessível ao mundo a luz absoluta, a sabedoria, que circunda a Cristo como uma coroa na qual reluz a verdade. Na epístola aos efésios se diz a este respeito: “O Pai da glória os conceda espírito de sabedoria e de revelação para conhecê-lo perfeitamente”.
A glória luminosa é além do mais, poder, força que segundo se diz: “conforta com toda fortaleza”. O que segue sua senda pode entrar no conhecimento perfeito, submeter-se na verdade e receber a revelação da vida eterna. A glória de Cristo, é “o Caminho, a Verdade e a Vida”, e por isto é primícia da ressurreição.
O cumprimento do evangelho de Cristo consiste em que a luz que permanece oculta nas imagens do mundo, se revele no final como filha da ressurreição. No que se refere à ressurreição do homem, é bem conhecida a explicação dada por Paulo Apostolo, segundo a qual a imagem do homem é o “homem velho” do que há de despojar-se para deixar passagem renovada ao “homem novo”, feito de luz — à “imagem” de Deus (eikon) —, do qual há que revestir-se.
A peregrinação desde a imagem à luz é a grande renovação religiosa do homem segundo a Boa Nova, porque ela é por si só a viagem a essência verdadeira. O primeiro homem — o homem velho — ao qual Paulo Apostolo denomina em outra ocasião, “Adão, alma vivente” é aquele cuja consciência aparece identificada de maneira “natural”, ingênua, ainda que só por ignorância, com os conteúdos passageiros, temporais, da psique, os quais toma, erroneamente, por seu verdadeiro Ser, por seu eu. Tal homem primeiro — o qual será último segundo o evangelho (ÚLTIMOS PRIMEIROS) — é qualificado de “vivente” porque tudo aquilo com o qual ele se identifica é mortal, pois consiste em ser imagem terrena, manifestada, do homem verdadeiro. Sua vida, tomada “de empréstimo”, só dura enquanto se mantém à prestação.
Quando o homem “primeiro”, o psíquico, se “converte” e passa a ser seguidor da ordem da luz em lugar de continuar apegado ao recipiente de barro, transfere a identificação de sua consciência ao homem último, denominado por Paulo Apostolo, “Adão, espírito que dá vida”. Se se diz deste homem segundo que “dá vida”, é porque possui a “vida eterna” e participação com a glória do Filho, ao qual o Pai deu em propriedade desde o princípio.
Uma vez se identifica a consciência com o homem “de acima”, com o regenerado do Espírito, a luz se revela e a imagem fica definitivamente oculta, escondida. Osso foi dito na epístola: “Todo o que fica manifesto é luz”.
Como diz o profeta Isaías em uso poético para toda a geração humana: “porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras fá-lo-ás cair”.