Evangelho de Maria

GNOSTICISMO — EVANGELHO DE MARIA

Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha

Jean-Yves Leloup: EVANGELHO DE MARIA (indicação de Antonio Carneiro)

O Evangelho de Maria
Tradução de M. Tardieu, in Écrits Gnostiques, Paris, 1984, PP. 75ss.

Este texto, datado de fins do século II ou começos do século III, possui pelo menos dois fragmentos gregos, além das páginas conservadas em copta no Códice de Berlim (p. 7,1-19,5). É uma prova do interesse que os gnósticos tinham por Maria Madalena. Com efeito, o título deste tratado, conservado de modo fragmentário, designa Maria Madalena e não a mãe de Jesus. Apresentando exegese das palavras do Salvador num quadro narrativo de diálogos entre Jesus e seus discípulos, este texto trata da viagem da alma após a morte.1 No início, os discípulos interrogam Jesus sobre a origem do pecado e da enfermidade. Comentando as palavras do Salvador, o texto explicita uma teoria do conhecimento (p. 7,10-9,12).

Pedro lhe diz: “Já que nos explicaste todas as coisas, dize-nos ainda isto: o que é o pecado do mundo?” Diz o Salvador: “Não existe pecado, mas sois vós que fazeis o pecado, quando vos comportais segundo a natureza adúltera daquilo que se chama Pecado. Eis por que o Bem veio ao vosso meio, até aquilo que constitui toda a natureza, para restaurá-la em sua raiz!’

Ele prosseguiu ainda, dizendo: “Eis por que vos tornais enfermos e (por que) morreis, já que (fazeis) aquilo que (vos desgarra). Quem puder, compreenda! A matéria faz nascer paixão desordenada, porque proveniente de contra-natureza. E então surge perturbação em todo o corpo. Foi por isso que vos disse: ‘Sede bem regrados! E, se estais desregrados, acertai-vos portanto em relação às diferentes espécies da natureza. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!’ ”

Dito isso, o Bem-aventurado despediu-se deles todos, dizendo: “Paz a vós! Fazei em vós a minha paz! Vigiai para que ninguém vos afaste por suas palavras. Ei-lo aqui ou ei-lo lá! (Mt 24,23ss)

Pois o Filho do Homem está dentro de vós. Ide em seu seguimento. Aqueles que o procuram o encontrarão.

Ide e proclamai o evangelho do reino. Não deveis impor outra regra senão a que vos fixei e não entregueis uma lei, como o Legislador, para não serdes constritos por ela!”

Dito isso, ele se foi. Mas os discípulos estavam tristes: derramaram muitas lágrimas, dizendo: “Como ir aos gentios para proclamar o evangelho do reino do Filho do Homem? Eles não o pouparam. Como nós os pouparemos?”

Os discípulos são consolados pelas palavras de Maria Madalena, a quem o Salvador havia transmitido revelações particulares. Maria Madalena serve de intermediária para a transmissão das palavras do Salvador (p. 9,20-10,8):

Dito isso, Maria voltou seus corações para o Bem e eles se puseram a comentar as palavras do Salvador.

Pedro disse a Maria: “Irmã, nós sabemos que o Salvador te amou mais do que a todas as outras mulheres. Dize-nos as palavras do Salvador de que te lembras, que tu conheces, mas que nós não conhecemos ou não ouvimos!” Respondendo, disse Maria: “Eu vos anunciarei aquilo que está oculto de vós”.

É então que Maria Madalena explica a sua visão com o Salvador e comenta a sentença “onde está o intelecto, aí está o tesouro” (cf. Mt 6,21; Lc 12,34) para descrever a ascensão da alma, que passa através de diversos céus para atingir o mundo da eternidade (p. 15-17). No fim do texto, André não crê em absoluto nas revelações de Maria Madalena. Também desconcertado, Pedro chega até a ser repreendido por Leví por ter desprezado as revelações de Maria Madalena. Aí, assistimos a traços das querelas entre os gnósticos sobre a predominância deste ou daquele apóstolo no quadro de uma exposição sobre a natureza e o destino da alma do gnóstico.


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  1. Esse texto também foi comentado por A. Pasquier, “L’Évangile selon Marie”, in BCNH, n. 10, Quebec, 1983.