EKLEKTOS — ELEITO, ESCOLHIDO
Teognostos: Versão em inglês
28. Assim como uma moeda que não leva a imagem do rei não pode ser colocada no tesouro real com as outras, também com o conhecimento espiritual e a apatia não se pode receber um sabor da benção divina e partir com coragem e confiança deste mundo para tomar seu lugar entre os eleitos no próximo. Por conhecimento espiritual, não quero dizer sabedoria, mas esta percepção inequívoca de Deus e das realidades divinas através das quais o devoto, não mais levado pelas paixões, é alçado ao estado divino pela graça do Espírito.
62. Devo dizer algo de estranho, mas não se surpreendam por isto. Se falhares em alcançar a apatia por causa das predisposições te dominando, mas na hora de tua morte estiverdes nas profundezas da humildade, serás exaltado acima das nuvens não menos que o homem que é desapaixonado. Pois mesmo se o tesouro daqueles que são desapaixonados consiste em todas as virtudes, a pedra preciosa da humildade é mais valiosa do que todas elas: ela traz não só propiciação com o Criador, mas também entrada com os eleitos na câmara nupcial de Seu Reino.
Roberto Pla: Evangelho de Tomé
O “eleito de Deus” é o termo com que muitos primeiros cristão designavam o espírito do homem, o Filho do Homem, criado no sexto dia (vide Evangelho de Tomé – Logion 49 e Pedro).
Como diz o apóstolo Pedro, o qual quanto à pedra angular foi um testemunho de descobridor, “vós, quais pedras vivas — eleitas — entrais na construção de um edifício espiritual”. Simão Pedro teve, com efeito, o primeiro sinal da presença, pois isso é o que significava, segundo a vertente oculta, sua exclamação: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Por essa revelação que só vem do Pai, pois está reservada aos limpos de coração que podem receber a Palavra ardente em sua câmara, foi constituído em membro da assembleia dos eleitos sobre o qual não prevalece a morte, pois não há morte para a consciência unificada com o Filho do homem, o morador eterno.
O eleito não aparta seu olhar da presença para que esta cresça e se fortifique nele. Sumido na vaga claridade da intuição primeira, presente, além da névoa, que pouco a pouco se dissipa, o novo caminho, que se revela ao mesmo tempo como a verdade. Ninguém afasta dele as “dores da iluminação”. Como a um novo filho de Jonas, o esperam três dias e três noites no ventre de seu peixe peculiar, quer dizer essa “grande tribulação”, cujos dias se abreviam para o eleito.
Ao final, tudo há de confluir no encontro do Reino. As chaves daquelas portas as tem o morador e este as entrega porque já são de ambos. O psíquico, vindo da terra, e o pneumático, baixado do céu, não são duas consciências separadas, senão que purificado o primeiro e reconhecido o segundo, são uma só consciência. A dualidade que sobreveio pelo dois moradores, terminou. No cosmos de um eleito, céu e terra marcham como par em formosa correspondência sem fronteiras. Por isso diz Jesus ao eleito: “o que ates na terra ficará atado nos céus e o que desates na terra, ficará desatado nos céus” (Mt 16,9).
Evangelho de Tomé – Logion 64
Os eleitos da parábola das Bodas Reais são os comensais que como último ato de mutação gloriosa preparada por Deus para o homem, descreve Mateus reunidos na sala do festim nupcial. As almas que ali tomam seu lugar são todas virginais pois passaram pela purificação dos dois batismos de água e de fogo; o primeiro, como lavado da alma e o segundo, em línguas ardentes do conhecimento da unidade, enviadas pelo Espírito Santo (v. Pentecostes). Durante este difícil processo de katharsis, dois terços dos componentes (psíquicos) da alma — ao dizer de Zacarias (13, 8-9) — se perdem, se diluem, graças à ação transformadora (metanoia) da água (psíquica), pois na realidade só resultaram ser palha propícia para ser levada pelo vento da era; e o outro terço, o “Resto” de salvação, é purgado no fogo “como se purga a prata” e provado como “se prova o ouro”. A prata da qual fala o profeta é a alma, o homem psíquico que é sempre constituído em “chamado” desde o momento em que vem ao mundo, e o ouro, é o espírito, que “mora na mesma casa” que a alma, ignorado por esta, mas sempre disposto a enviar desde sua habitação de acima sua ondas de fogo, para que mediante a ação purificadora destas a alma e o espírito se autodescubram mutuamente e iluminem a bem-aventurança do ato nupcial.
Este encontro de que falamos, a união mística entre o esposo (o espírito) e a esposa (a alma), se costuma descobrir como revestimento espiritual acontecido na alma. Assim o explica Hermas, o autor do Pastor de Hermas: “As virgens são (uma vez unidas com o esposo) espíritos santos, e não há outro modo de que entre o homem no reino de Deus, senão revestindo-se (a alma) da vestimenta (do espírito)”.
Estar unidos se explica na alegoria como revestir-se, e esta é a vestimenta nupcial, branca e imaculada que converte a alma, uma dos muitas chamadas, nessa perfeição gloriosa de alma e espírito, tudo um, que é um Eleito, apto para receber o alimento de boda e ter acesso ao tálamo celestial. Por isto está dito: “Em toda estação sejam tuas roupas brancas” (Eclesiastes 9,8).
Nenhuma alma “não revestida” tem acesso à sala de bodas. Os que ali entram são aqueles chamados (almas) que já estavam no Caminho e que contemplaram seu revestimento catártico de imortalidade e remissão de pecados até o ponto de eleição. Há que pensar por isso que se Mateus aponta ali a presença de um comensal sem traje de bodas, é somente para alertar acerca da necessidade de tal cumprimento.
Na linguagem mítica que habitualmente adota o relato testamentário, se diz que estas bodas vêm significadas pela união dos filhos de Deus (espíritos santos), com as filhas dos homens, as almas que tomam vida na terra; mas em um sentido mais pleno poderíamos dizer que este é o encontro dos componentes psíquicos do homem com sua própria essência. De fato, este é um mistério, porque a essência ou núcleo do homem é o homem mesmo, o si mesmo de todo homem, quer dizer, o conhecedor, que por ser isso sempre e precisamente, o conhecedor, não pode ser conhecido, dado que não há outro conhecedor que o possa conhecer. Quem, com efeito, poderia conhecer ao conhecedor?
Quanto ao revestimento que se opera na alma mediante sua katharsis, consiste em que o “Resto” que subsiste nela após a purgação, se faz um — por identidade — com o espírito ou essência. A esta transformação se refere a passagem das Bodas de Caná quando se fala da conversão da água (psíquica) no vinho (pneumático).
Em outros termos, também míticos, se costuma dizer que a alma, contada como feminina por sua índole passiva, se converte em varão por suas bodas com o espírito. Sobre isto há um texto dos Naassenos: “Na Casa de Deus, entram — diz — aqueles que chegam a lançar de si as vestimentas (impuras). Então, se convertem em esposos, feitos varões mediante o espírito virginal”.