(Koyre1971)
De fato, como é que uma palavra que ouvimos ou lemos é compreendida por nós? O que isso significa? Isso implica evidentemente que essa palavra ou, em geral, essa ação do objeto percebido (ou do espírito), ao se comunicar conosco, age sobre nossa alma, provoca em nós ideias, pensamentos, imagens; isso implica o fato de que temos em nós mesmos a possibilidade (poder) de produzi-las, e que, além disso, contemos e possuímos em nós, virtualmente, o poder, a matéria com a qual formamos nossas ideias e concepções. Em Weigel, essas considerações levam à constituição de um inatismo ocasionalista, no qual o agostinianismo e o paracelsismo encontram uma síntese curiosa. A alma possui tudo em si, mas ainda é preciso que uma impressão vinda de fora desencadeie sua atividade; de maneira análoga, poder-se-ia dizer que um instrumento de música contém em si, virtualmente, todos os sons e melodias que se podem tirar dele; é preciso, no entanto, que uma impressão, uma ação de fora provoque a emissão dos sons.
Essa comparação é duplamente instrutiva e nos permite compreender a concepção de Boehme. Nenhum instrumento, de fato, pode produzir todos os sons possíveis e não pode, portanto, reproduzir em sua totalidade e em sua integralidade, a harmonia infinita do Universo criado, nem, a fortiori, a harmonia infinitamente infinita da Sabedoria divina, do Espírito criador, de Deus. Cada instrumento possui apenas uma gama limitada; cada um, aliás, possui além disso um timbre que lhe é próprio. Assim, na harmonia do Universo, cada ser e, em particular, cada homem tem uma parte, que lhe é própria, a desempenhar. Cada melodia individual é uma imitação, uma expressão, uma transposição da harmonia total. Cada instrumento traz algo de si, e a mesma melodia tocada por instrumentos diferentes não é exatamente a mesma.
É aproximadamente assim que, atribuindo ao termo signatura um significado novo e mais profundo, Boehme busca explicar a síntese entre o particular e o geral, entre a individualidade irredutível e necessária de cada homem e a harmonia total, universal, completa e supraessencial de Deus.
Na alma humana estão contidas as “assinaturas” das coisas, das noções, dos significados dos termos, individualmente coloridas em cada alma individual; elas ali estão contidas como os sons nas cordas de um instrumento musical. Ora, nossa alma é tal instrumento. As palavras lidas ou ouvidas por nós provocam nela ressonâncias, e é evidente que apenas as notas correspondentes podem agir sobre ela dessa maneira e que, por outro lado, a ressonância não repete, mas transpõe a melodia primitiva que recebeu.
A doutrina das “assinaturas”, entendida nesse sentido, aproxima-se da teoria geral do ser e do conhecimento e prolonga a das qualidades-formas ou expressões da essência dinâmica, mas também espiritual, das coisas. Toda conhecimento das coisas é vão, diz Boehme, se não for um conhecimento das “assinaturas” que expressam sua essência. Ora, essas “assinaturas” primeiras, ao agir sobre o homem, “qualificando nele” em virtude de uma comunidade de essência e origem, de uma participação-representação, provocam nele pensamentos, ideias que poderiam ser chamadas de “assinaturas” em segundo grau. São, ao mesmo tempo, expressões de sua individualidade pessoal — pois é ele quem as produz —, da natureza das coisas — já que essas “assinaturas” são consonâncias das “assinaturas” de suas essências e qualidades —, e também de Deus, pois é a Ele que o homem imita em seu ser, assim como é ainda Ele que as coisas expressam em seu próprio ser. Por fim, esses pensamentos não passam de reflexos individualizados e particularizados, coloridos e por vezes deformados, do pensamento, da imaginação e do Fiat divinos.
Vemos assim como, no pensamento humano — pelo qual o mundo temporal se expressa em sua essência —, as coisas chegam a se expressar também em seu ser particular. O homem aparece como órgão da palavra divina que fala ao mundo — pois, ao se tornar imagem divina, ele revela Deus ao mundo — e da resposta do mundo — que, na razão intuitiva do homem, se torna inteligível — a Deus. O conhecimento e o pensamento do homem, que desvelam o sentido eterno do Universo, eis o termo da evolução do mundo; o termo eterno de sua história, no qual e pelo qual o tempo se une à eternidade, eleva-se a ela e dela participa. Entrevislumbramos assim por que — em virtude da colaboração livre dos seres ao seu próprio ser — o mundo temporal foi necessário. De fato, entre a ideia divina e a realidade (Wirklichkeit), há um hiatus irrationalis, e, em certo sentido, o pensamento divino é menos rico que a realidade. Ele se enriquece a si mesmo na e pela criatura. O mundo é mais rico após o fim de sua história do que era antes de seu começo, e as formas do ser que se “assinaram” no pensamento do homem apresentam algo de novo em relação ao seu modelo eterno, o mundo divino da Sabedoria, que elas realizam. A multiplicidade real dos seres contém um momento de irracionalidade a mais que o mundo do pensamento e da imaginação divinos: o mundo real, embora realize o da Sabedoria, é qualitativamente distinto; a liberdade irracional da ação própria da criatura, colaborando em seu próprio ser, em sua determinação e em sua salvação, introduz necessariamente um elemento novo, imprevisível, um elemento que o próprio Deus não poderia realizar sem essa colaboração.
O Deus de Santo Agostinho, tendo criado o homem sem ele, não quis salvá-lo sem ele; o Deus de Lutero, poder-se-ia dizer, tendo criado o homem sozinho, encarregou-se Ele mesmo de sua salvação; o Deus de Boehme, não querendo salvar o homem sem ele, deixa-o colaborar em sua própria criação.