Denominada também Kether elyon, a “Coroa suprema” entre todas as “Coroas”divinas, sephiroth, ou “Princípios universais” — é a Toda-Realidade incriada e infinita de Deus. Nada está fora Dele; o nada não existe, pois se existisse, não seria nada, mas realidade de Sua Realidade.
Kether, o único Real, por um lado, permanece oculto Nele Mesmo, na Sua Transcendência absoluto, e, por outro lado, Se manifesta como Imanência incriada, no seio de Seu próprio reflexo transitório: a criação.
Kether em Si é Ipseidade pura, Essência suprainteligível, Unidade sem traço de dualidade. É a Realidade sem condição, sem determinação qualquer: Nela, Deus é Aquilo que Ele é, além do Ser; pois o Ser não é o Real em Si, mas sua primeira Afirmação.
Kether em sua Essência pura e absoluta não tem aspectos; é a Realidade eternamente misteriosa: “não há outro a Lhe comparar ou a Lhe associar”. Não poderia falar Dele a não ser negando que Ele não é, ou situá-Lo acima de tudo que é inteligível, logo designá-Lo por termos que sejam ou negativos ou superlativos, ou ainda interrogatórios.
Assim, a Cabala denomina Kether em Si: Ain, “Nada”, a Ausência de toda realidade determinada ou condicionada: o Não-Ser ou Supra-Ser, a Não-Causa, o Absoluto; En Soph, “Não-Limitado”, o Infinito; Raza de Razin, “Mistério dos Mistérios”, O Suprainteligível ou Supraconsciente; Mî, “Quem?”, o “eterno Objeto das buscas”: Attiqa de-Attiqin, o “Ancião dos Anciões”, ou Princípio de todos os Princípios universais; Attiqa qadisha, o “Ancião sagrado”, ou Princípio supremo.
A Infinidade absoluta da Essência Suprema, a pura Ipseidade de Kether, exclui toda a alteridade e, consequentemente, todo o conhecimento dela: “O Infinito (En-Soph) não pode ser conhecido, pois aquilo que não tem começo nem fim pode ser conhecido… O que é o começo? É o Ponto supremo, o início de tudo, oculto no “Pensamento” (divino, sinônimo de Hokhmah, a suprema “Sabedoria”, que emana de Kether), e é ele que constitui o fim (de toda emanação)… Mas além dele (em Kether, o puro infinito) não há fim, nem intenção, nem luz, nem “lâmpada”; toda luz depende dele (Kether), mas ele não pode ser alcançado. É uma Vontade suprema, mais misteriosa do que todos os Mistérios. É o ‘Nada’ (Ain, que é o Absoluto)”. (Zohar, Pequdé, 239 a).
No entanto, Kether não é apenas a Realidade que exclui tudo o que não é ela mesma, mas também a Realidade que inclui tudo, porque não há nada fora dela. Kether é exclusivo, na medida em que é Ain, o “Nada” de tudo o que não é Ele; e Ele inclui, na medida em que é En-Soph, ou o infinito, que abrange, em Sua Unidade ilimitada, tudo o que é possível. Assim, enquanto reside, além do ser e do saber, em Sua Essência não causal, o único Real, graças à Sua Ilimitação, torna-se consciente de Suas Possibilidades universais. É por meio de Seu Ser causal, inteligente e inteligível que Ele se conhece e se afirma como um Princípio ontológico necessário e único: “Eu sou Aquele que é” (Ehyeh ascher Ehyeh) (Êxodo, iii, 14). “Eu sou o Primeiro e Eu sou o Último, e não há Deus além de Mim! Quem é como Eu — que fale, que declare, que Me mostre!… Há algum Deus além de Mim?
Não há outra Rocha (Ser necessário); não conheço nenhuma.” (Is. xliv, 6-8) “Antes de Mim, nenhum Deus foi formado (manifestado), e não haverá nenhum depois de Mim…. Eu sou Deus” (ibid. xliii, 10, 13).
Na Unidade absoluta do Seu Eu Superior (Ain), Kether não apresenta nenhum traço do múltiplo e transcende a Unidade causal do Seu Ser (Ehyeh), que contém, na Entidade dos Seus Aspectos inteligíveis ou Sephiroth, os Arquétipos da multidão cósmica: dualidade em princípio. Mas a Unidade do Ser, ao mesmo tempo, supera todo dualismo por meio de Sua Infinidade, que é integrada — eternamente e sem qualquer movimento — à Essência pura e não dual: o Super Ser. Portanto, não há divisão no Uno, não há separação entre o Ser e o Super-Ser ou o Não-Ser, mas também não há nenhuma confusão hierárquica entre eles. Se o Não-Ser inclui indiscriminadamente o Ser — do qual Ele é a Essência pura e indeterminada — Ele não o ‘é’, entretanto, uma vez que ele não precisa ‘ser’ para ser real; da mesma forma, o Ser, embora ‘seja’ o Não-Ser, por identidade essencial com Ele, também não é, em Sua determinação primária e ontológica.
Kether é, portanto, o Princípio que é identificado tanto com Ain quanto com Ehyeh, sem abolir a hierarquia dos graus universais; em outras palavras, Kether é En-Soph que, em Sua Toda-Possibilidade, abrange tanto o Ser quanto o Não-Ser, deixando a cada possibilidade seu próprio caráter. É por isso que, quando consideramos essa Unidade infinita que abrange tudo, falamos de Kether ou de En-Soph; e quando desejamos designar um ou outro de Seus dois Aspectos supremos, nos referimos a Ain ou a Ehyeh.
A identidade de Kether e Ain é misteriosamente revelada na introdução do Decálogo (Êxodo, xx, 2): “Eu sou YHVH, teu Deus”. Se removermos da palavra “Eu”, ANoKhY, as letras A, N, Y, que — de acordo com uma aplicação da permutação cabalística de letras — formam a palavra AYN (Nada), o que resta é o Kh (Kaph), a inicial da palavra Kether, que indica, de acordo com a Tradição esotérica, que a Sephirah Kether é o supremo Grau universal, Ain. Visto ad intra, Kether, portanto, não difere em nada de Ain; é apenas do ponto de vista “extrínseco” do emanado ou manifestado que ele está situado como Ehyeh, ou Causa não-atuante, entre Ain, a Não-Causa, e Hokhmah, a “Sabedoria” divina, Emanação primária e Causa ativa.
Sob Seu Aspecto de Ehyeh, ou “Causa das Causas”, Kether repousa eterna e indistintamente em Sua Essência absoluta e imutável, Ain; Ele não age, mas permite que as outras nove Sephiroth, Suas Emanações e Intelecções ontológicas, Suas “Luzes” ou “Lâmpadas”, operem em Seu Nome. Ele, que é Anokhi, o “Eu” divino ou o “Eu” supremo de todas as coisas, não é afetado por Suas Irradiações e seus efeitos cósmicos. Ele contém tudo o que existe, como a Unidade em Sua Unidade; e cada coisa O contém, nas profundezas de si mesma, como o Um, o invariável. Ele é a identidade essencial de todas as coisas com o Absoluto. Ele é o próprio Absoluto: o “Um sem um segundo”.