João Batista Pregador

Jean DaniélouJOÃO BATISTA
O pregador
Profeta, precursor, João cumpre, finalmente, sua missão: preparar os caminhos à Glória d’Aquele que vem do deserto. Está próximo o acontecimento escatológico. Virá o Verbo de Deus ao encontro do homem, sua criatura. Ele é o Verbo onipotente. “Junto dele, as nações são como uma gota d’água” (Is 40,15). Virá como um pastor, apascentar o seu rebanho, reunir suas ovelhas, carregar os cordeiros em seus braços (cf. Is 40,11). Vem visitar os seus. E essa hora decisiva da história, o kairos por excelência, está agora bem próxima. João é enviado para dispor os corações a acolher o Senhor.

Sua mensagem será uma mensagem de conversão: “Ele caminhará diante do Senhor para converter os corações dos pais aos filhos e os incrédulos à prudência dos justos” (Lc 1,17). Pois os homens se desviaram de Deus- O antigo pecado de Adão continua a pulular neles. Ora, o pecado de Adão era a pretensão do homem de se bastar: “Não necessitamos de Deus”. Era a pretensão da humanidade de assumir seu destino e de assegurar sua salvação. Mas, assim, o homem se destruía a si mesmo, uma vez que ele só existe e age em dependência da fonte divina da qual ele se recebe e com a qual ele está ligado. É a esse mundo pecador que Deus vem.

João é impotente para salvar esse mundo. Mesmo ele, o maior dos profetas, conhece a vaidade de toda pregação. Não trará um caminho de sabedoria. Anunciará um acontecimento. A esse mundo pecador, uma salvação vai ser dada. Está próxima a libertação. O Verbo de Deus vai apossar-se novamente de Adão e conduzi-lo ao Pai. Nesse Verbo, a comunicação entre o homem e Deus vai ser restaurada. O reino de Deus está perto. Deus vai reinar soberanamente, primeiro na humanidade de Jesus Cristo, toda ela voltada para Ele; em seguida, todo homem, que poderá ter sua parte nessa salvação realizada em Jesus Cristo.

Mas é preciso ainda acolher essa salvação. João não pede ao pecador que não seja pecador, pois foi “concebido na iniquidade”. Pede-lhe que se reconheça pecador, deteste seu pecado e tenha sede de ser libertado do pecado. Esta é a primeira conversão, que abre o coração e o dispõe. Decerto, essa conversão já é uma graça. E, nesse sentido, João é instrumento da graça. Mas esta graça primeira condiciona a recepção da graça. É preciso que esta graça toque os corações para dispô-los a receber o Senhor da graça. Ora, é duro o coração dos homens. Estão engajados em sua cupidez e em seus ódios. Estão habituados à sua miséria e não imaginam possa haver outra coisa. Quase têm mêdo de ser incomodados. Temos as exigências do amor. Metem-se em suas tocas, como Adão se escondia debaixo das árvores quando vem a Glória de Deus. Preferem as trevas à luz.

É essa indiferença que João deve sacudir. Esse é o caráter trágico da sua missão. Ele está todo voltado para Aquele que deve vir. Mas é preciso levantar o peso imenso de indiferença do mundo que o cerca. A testemunha da luz defronta-se com as trevas. O Evangelho de João é todo construído sobre esse tema. E se inicia com o Batista. A testemunha da luz é insuportável aos homens das trevas, porque vem incomodá-los. Estão acomodados a este mundo do pecado e não gostam que os inquietem. Aqui, João se mostra terrível, e isso porque fala em nome das exigências do amor, terrível porque não se conforma com a ilusão em que o mundo vive encerrado e em que o Príncipe deste mundo o conserva encerrado, como numa prisão mágica.

Assim, é preciso que toda colina seja abaixada e todo vale, exaltado. É preciso despertar aquela pequena esperança que talvez sobreviva ainda no coração mais empedernido. É preciso destruir os obstáculos, mas despertar a espera. O hábito do mal não é tal que não fique o coração ferido por um desesperado amor pelo bem. Mas, à força de não poder atingi-lo, como que se voltou contra ele. Ora, este bem, esta salvação, esta alegria longamente amados e buscados, mas sempre inacessíveis, são agora dados, como um dom real, por Aquele que os possui em plenitude e que, para comunicá-los, só pedirá a em seu poder e em seu amor.

Depois desse longo sono, desse longo inverno, desse entorpecimento, faz-se agora ouvir a voz da pomba, anunciadora da primavera. Eis que surgem as flores e renasce a esperança no coração dos homens: “É agora o tempo de sair do sono”. A impostura dos homens está em suscitar esperanças, pois são impotentes para a elas corresponder. E todo homem é mentiroso. Quanto a João, porém, ele sabe que tem o direito de despertar a esperança, pois sabe que a esperança não será enganada. É o que lhe dá essa extraordinária segurança. Ele tem o direito cie anunciar a salvação. “Se Cristo não ressuscitou, dirá S. Paulo, somos uns impostores”. João sabe que a esperança por ele despertada não será enganada.