hyperousía: para além do ser, transcendência (divina): sobre a questão da transcendência das Formas, ver eidos
1. A noção de transcendência começa propriamente com o postular de um existente por Parmênides, que depois continua até o privar de todas as características exceto a unicidade (frg. 8, versos 1-50). Platão explora as possibilidades dialéticas disto no Parmênides, e particularmente na primeira «hipótese» (ver 141d-142a) onde demonstra que deste Uno nem sequer se pode dizer que «é». Isto pode ser dialético, mas com outras bases Platão está convencido da transcendência do seu princípio supremo: na Republica 509b o Bem está para além do ser, e confrontar os vários textos citados na rubrica agnostos.
2. O materialismo estoico reduzira radicalmente a transcendência divina (SVF I, 87 e ver pyr), mas no primeiro século da era cristã a transcendência divina volta de novo a primeiro plano devido a um renascimento do pitagorismo e platonismo (ver eidos), acompanhada da introdução da tradição semítica da transcendência, visível em Fílon, De opif. 2, 7-9 e no Leg. all. III, 61, onde o logos é também transcendente. A doutrina torna-se corrente no médio platonismo (ver Albino, Epit. X, 1-4), onde está intimamente relacionada com as tentativas de descoberta de uma abordagem epistemológica de Deus (ver agnostos). A transcendência divina encontra o seu expoente mais famoso em Plotino e na sua doutrina do Uno (hen), Eneadas VI, 9, 3 e 5, seguido de Proclo Elem. theol., prop. 20; ver também hypostasis, theos. (FEPeters)
HYPEROUSIA = ALÉM DO SER, SUPRAESSÊNCIA, SUPERESSÊNCIA, SUPRAESSENCIAL, SOBRE-ESSENCIAL
VIDE: DIONÍSIO O AREOPAGITA; TEOLOGIA NEGATIVA; PARAMATMAN
Sobre-essencial, é um dos termos chaves da teologia apofântica. Significa que Deus é mais que sua essência, e que se dá, ou se transmite, nas suas energias. Deus é vivente, Deus é amor e não poderia ser definido em um conceito, mesmo o de essência. Segundo a introdução de Bento Silva Santos, de “DOS NOMES DIVINOS”, de Dionísio o Areopagita:
Se a teologia afirmativa prescreve os atributos de Deus (Deus é o Bem, o Ser, a Beleza, a Vida, o Saber etc.), a teologia negativa, consequentemente, nega esses mesmos atributos: Deus não é o Bem, nem o Ser, nem a Beleza, nem a Vida, nem o Saber etc.). Todavia, longe de incorrer em aberta contradição, os métodos catafático e apofático possuem um papel correlativo. Mas em que sentido? É evidente que não se trata simplesmente de negar o que antes tinha sido afirmado de Deus, mas, sim, de uma clara e “racional” percepção de que Deus transcende infinitamente as possibilidades do conhecimento humano. O método negativo, ao contrário do afirmativo, é ascendente, e as negações se elevam dos atributos mais humildes aos mais nobres: “pois quanto mais nos elevamos ao alto, tanto mais as palavras se contraem ao divisar e contemplar os seres inteligíveis”.
Na realidade, a negação dionisiana é peculiar: trata-se de uma negação não privativa, mas de excelência, de superação, de superabundância, de transcendência — kath hyperokhén, hypérokhos. Assim entendida, a teologia negativa é um método de “superafirmação”, ela é um além categorial, uma espécie de katharsis (purificação) de nossos conceitos humanos. E preciso entendê-la no sentido de uma afirmação trans-humana, pois seu objeto escapa a todas as nossas categorias, a todas as nossas afirmações e a todas as nossas negações. A afirmação só valerá na medida em que for penetrada pela preferível negação, que orienta diretamente para o Inefável.
Assim, por exemplo, segundo DN IV, 697 A, o próprio Bem é ao mesmo tempo privado dos atributos de ser ou substância (ousia), de vida (zoe) e de sabedoria (sophia). Ele é “sem substância” (tò anoúsion), “sem vida” (ázoon) e “sem inteligência” (tò ánoun) e possui uma “superabundância de substância” (hyperbolé ousías), uma “vida superior” (hyperékhousa zoé) e uma “sabedoria transbordante” (hyperairousa sophia). As categorias fundamentais de Ser, Vida e Sabedoria são negadas de Deus ou do Bem, porque Ele as possui de uma maneira supereminente (hypérokhos). Só os atributos divinos tomados por a (alfa privativo) ou por hypér traduzem o movimento de abstração de tudo e de superação de tudo que caracteriza a predicação do Bem que é verdadeiramente supersubstancial (óntos hyperoúsios).