Gregório do Sinai Ilusão

Gregório do Sinai — Seleção de Jean Gouillard
A ilusão
Amante de Deus, fica bem atento… Quando, ocupado- em tua obra, vires luz ou fogo, dentro ou fora de ti, ou a suposta imagem de Cristo, dos anjos ou dos santos, não o aceites; correrias o risco de sofrer por isso. Não permitas também que teu espírito os invente. Todas essas formações exteriores intempestivas têm como resultado a indução da alma (psyche) em erro. O verdadeiro princípio da oração (euche) é o calor do coração (kardia), que consome as paixões, produz na alma (psyche) alegria e júbilo, e fortalece o coração (kardia) num amor seguro e num sentimento de plenitude indubitável.

Tudo o que se apresenta à alma (psyche), de sensível ou de intelectual, e que lança o coração (kardia) na dúvida e na hesitação, não vem de Deus, mas foi enviado pelo inimigo. É o ensinamento dos Padres. Quando vires teu espírito atraído para fora ou para o céu, por algum poder invisível, não creias; não deixes que ele seja arrastado, mas traze-o de volta à sua obra, imediatamente. “As coisas divinas vêm sozinhas; tu ignoras sua hora”, diz Isaac. O inimigo interior e natural dos rins” transforma, como quer, uns em outros, os objetos espirituais; faz passar uns por outros, apresenta, sob aparência de fervor, seu fogo desordenado, para entorpecer a alma (psyche). Ele faz parecer júbilo a alegria insensata e a volúpia lúbrica, cem seu cortejo de presunção e de obstinação. Esse inimigo se esconde dos principiantes inexperientes e faz com que vejam, na obra da sua mentira, a operação da graça (kharis). Mas o tempo, a experiência e o sentido espiritual têm como conseqüência natural, mostrá-lo aos que absolutamente não ignoram a sua perversidade… “O paladar, diz a Escritura, discerne os alimentos” ( 34,3 ); isto é, o gosto espiritual descobre infalivelmente a natureza de tudo isso.

11. “És um operário, diz Clímaco, faz leituras de ação (praxis). Esse gênero de leitura dispensa todas as outras” ( cap. 27 ). Não cesses de reler os livros que tratam da vida hesicasta e da oração (euche), tais como a Escada, Isaac, Máximo, os escritos de Simeão, o Novo Teólogo, de seu discípulo Nicétas Stéthatos, de Hesíquio, de Filoteu, o Sinaíta, e outros do mesmo espírito. Deixa os outros, por enquanto. Não é que se deva rejeitá-los, mas não respondem ao fim que buscas, e desviam teu espírito para o estudo… O espírito vai fortificar-se e adquirir vigor para orar mais intensamente. Qualquer outra leitura causará sombra, frouxidão, perturbará o espírito; a razão lhe dará dores de cabeça e ele não terá ardor para a oração (euche).

13. Precisamos ainda enumerar os esforços e as fadigas da ação (praxis) e expor claramente a maneira de se dedicar a cada ação (praxis). Alguém que, depois de nos escutar, pusesse mãos à obra e não conseguisse fruto, poderia censurar-nos, a nós ou a outros, por não termos dito as coisas como são.

O esforço do coração (kardia) e o cansaço de corpo (soma) tornam a obra verdadeira. Manifestam a operação do Espírito Santo que te foi dado — assim como a qualquer outro dos fiéis — pelo batismo; Espírito Santo que a negligência no cumprimento dos mandamentos sepulta sob as paixões, e que a penitência nos deve restituir, com o auxílio da inefável misericórdia… A obra espiritual que não é acompanhada de sofrimento, nem de cansaço, não trará nenhum fruto a seu autor. Pois, o “reino dos céus é arrebatado à força…” ( Mt 11,12 ). A violência é uma mortificação perseverante do corpo (soma)… Aqueles que trabalham na negligência e na frouxidão, talvez tenham a impressão de se imporem muito esforço; jamais provarão o fruto, porque permanecem insensíveis no fundo de si mesmos. É testemunha quem disse: “Se realizarmos as ações mais elevadas e não adquirirmos a contrição do coração (kardia), elas nunca passarão de corrompidas e levianas”… ( P.G. t. 150, cc. 1313s ).

O hesicasta deve permanecer sentado em oração (euche) sem pressa de se levantar
Senta-te, às vezes, num escabelo — a maior parte do tempo — por causa da falta de comodidade; outras vezes, estende-te sobre teu leito — porém rara e acidentalmente — para repousar. Ficarás pacientemente sentado, por causa daquele que disse: “assíduos à oração (euche)” ( At 1,14 ); não terás pressa de te levantares por negligência, por causa da dor pungente da invocação interior do espírito e da imobilidade prolongada. “Eis, diz o profeta, que se apossaram de mim as dores como de uma mulher no parto” ( Jr 6,24 ).

Dobrado em dois, reunirás teu espírito no coração (kardia) se, no entanto, estiver aberto, e chamarás Jesus Cristo em teu auxílio. Com os ombros e a cabeça doloridos, persevera com esforço e com ardor, ocupado em procurar o Senhor dentro de teu coração (kardia)…