PADRES DO DESERTO — FUGIR DO MUNDO
VIDE: PRISÃO
Filosofia
Peter Brown: CORPO E SOCIEDADE
O “mundo”, os “tempos atuais” dos antigos radicais cristãos, era quase grande demais para ser visto. Suas incomensuráveis estruturas demoníacas haviam tragado as próprias estrelas. Não havia nenhum ponto de vista externo de onde tirar a medida de sua imensidão desconhecida, e nenhuma esperança de escapar de suas garras, a não ser através de rituais drásticos que prometiam a transformação total, através da formação de pequenos grupos autocentrados de redimidos; ou então, como vimos na Síria do século III, através da adoção do inquietante desarraigamento dos nômades religiosos.
Visto da pequena elevação do deserto do Egito, porém, o “mundo” não era nem mais nem menos do que o vale verdejante lá embaixo. Era um vale de aldeias apinhadas, condenadas ao trabalho incessante pelo medo permanente da fome. Esses vilarejos eram dominados por antigos templos. Por todo o século IV e boa parte do século V, os templos ainda ressoavam com os oráculos que prediziam a subida do Nilo: rumores sedutores e demoníacos, tão insistentes quanto o coaxar excitado dos sapos ao longo dos canais estagnados, nas tensas noites que antecediam o momento em que o imenso rio novamente despertava para a vida, inundando os campos ressequidos. Vista do deserto, essa paisagem intemporal conferia à noção de “mundo” uma concretude e uma precisão que lhe haviam faltado em toda a sensibilidade cristã anterior.
Fugir do “mundo” era trocar uma estrutura social precisa por uma alternativa igualmente precisa e, como veremos, igualmente social. O deserto era um “contramundo”, um lugar onde podia crescer uma “cidade” alternativa. Assim, Pacômio, o fundador dos primeiros grandes mosteiros do Egito, que morreu em 346, pôde criar uma cadeia de “desertos” feitos pelo homem em meio aos povoados rurais miseráveis do médio Nilo. Os grandes mosteiros pacomianos de Tabenisi, Ebow e suas possessões emergiram rapidamente como aldeias alternativas em miniatura, circundadas por muralhas defensivas.