Francisco de Sales — Tratado do Amor de Deus
Seleção de James Cutsinger
Não vá mas fique…
1. É crível que a Virgem Nossa Senhora recebesse tanto contentamento por trazer o seu Jesus menino nos braços, que esse contentamento lhe impedisse de sentir cansaços ou pelo menos o tornasse agradável; porque se o levar um ramo de agnus castus alivia os viajantes e os desenfada, que alegria não recebeu a gloriosa Mãe ao levar o Cordeiro imaculado de Deus? Porque se alguma vez lhe deixava dar alguns passos, conduzindo-o pela mão, não era porque não o quisesse trazer ao colo ou debruçado sobre o seio; mas fazia-o para o exercitar a andar de per si. E nós outros, como filhinhos do Pai celeste, podemos ir primeiramente caminhando compassadamente à nossa vontade, que uniremos ã sua, tendo sempre a mão da nossa vontade segura na da sua intenção divina, e seguindo-o por toda parte onde nos conduza, que é o que Deus de nós requer pela significação da sua vontade; porque é que Deus quer que eu faça o que me ordena, eu quero ter poder para o fazer. Mas nós também podemos ir com Nosso Senhor, sem ter alguma vontade própria, deixando-nos simplesmente levar a seu bel prazer divino, como uma criança ao colo de sua mãe, por uma espécie de contentamento admirável, que se pode chamar união, ou antes, unidade da nossa vontade com a de Deus.
2. Se tivesse perguntado ao doce Jesus quando era levado ao colo de sua mãe, onde ia, não teria razão de responder: «Não sou eu que vou; é minha mãe que caminha por mim.» E se lhe perguntassem: «Mas pelo dizer: «Eu não vou, ou se vou onde minha Mãe me leva, não vou, por meus passos, mas caminho pelo andar dela, ou Ela caminha por mim.» E quem lhe replicasse : «Pelo menos dulcíssimo Jesus, quereis deixar-vos levar por vossa divina Mãe?»
«Não de certo, diria Ele, nada disso desejo; mas como minha boa mão caminha por mim, assim também deseja por mim; deixo-lhe igualmente o cuidado de ire de querer ir por mim, e como não caminho senão pelos seus passos, também não quer o senão pelo seu querer; e quando estou em seus braços não presto nenhuma atenção a querer ou a não querer, deixando todo o cuidado a minha Mãe, não a ser o de me recostar a seu seio, de me nutrir com o seu leite virginal, de estar abraçado a seu amável colo, para a beijar amorosamente. E para que o saibais, enquanto estou entre os prazeres destas santas carícias, que excedem toda a suavidade, parece-me que minha Mãe é a arvore” da vida e que eu sou como o seu fruto, que sou como o coração no seu peito ou a alma no seu coração; eis porque o seu caminhar é suficiente para ela e para mim, sem que cuide de dar algum passo a sua vontade basta para ela e para mim, sem que eu precise de ter querer algum; assim não me importa se ela vai depressa ou devagar, si caminha com elegância ou sem elegância; não me importa onde ela quer ir, contentando-me de saber que estou sempre em seus braços, sobre o seu seio virginal, onde me alimento como entre lírios.»
Ó Filho divino de Maria permiti à minha pobre alma estes arrebatamentos, do amor. Ó amabilíssimo Menino, ide, ou não vades, mas ficai docemente unido ao peito de vossa Mãe; ide sempre com ela e nunca vades só enquanto fordes menino: «Bem-aventurado o seio que te trouxe e os peitos que te alimentaram.»