Evangelho de Tomé – Logion 76

Pla

Jesus disse: O reino do Pai é semelhante a um mercador que tinha uma carga e encontrou uma pérola: este mercador era sábio: vendeu a carga e comprou a pérola. Vós também, buscai o tesouro que sempre permanece onde a traça não se aproxima e onde o verme não destrói. [Tesouro Oculto; Pérola Preciosa]

Puech

Suarez

Meyer


Roberto Pla

A pérola, a joia ou o tesouro indestrutível e eterno são distintas maneiras testamentárias de nomear a Palavra que “fez sua Morada entre (em) nós mesmos”. Como se explica na Parábola do Semeador a qual em tantas ocasiões há que se referir, a Palavra do Reino é semeada em todo homem ao nascer. Isto porque a Palavra, o Filho do Homem, é transcendental com respeito à consciência “natural”, e por isto o homem mundano não compreende a Palavra do Reino nele semeada, nem reconhece nela seu Ser verdadeiro.

A passagem da consciência “natural” à consciência transcendental é o grande processo religioso interior, o grande mistério do homem segundo o anuncia e explica o evangelho. O que se diz na Parábola do Semeador é que quando a “terra é boa” — quando o homem se volta sobre si (metanoia) — lhe resulta possível ouvir e compreender a Palavra. Ouvir a Palavra significa encontrar a pérola, o tesouro indestrutível, e compreender a Palavra é dar o fruto, o qual é em si mesmo a transmutação cumprida; quer dizer, “encontrar” é o nascimento do alto, do Espírito, e “compreender é culminar o mistério de ser uno com o Filho e o Pai, o que segundo o quarto evangelho, ansiava para nós ardentemente Jesus.

Ao explicar o sentido da Parábola do Semeador menciona Jesus vários graus de frutificação e não resulta difícil identificar o fruto primeiro com o nascimento espiritual, cujo sinal é sem dúvida a percepção da “presença” interior do Filho de origem divina. Assim se disse e é recordado na Escritura: “Sucederá então que derramarei meu Espírito em toda carne”. Esse é o começo do achado da pérola, pois com o Espírito vem a certeza de que dentro de um mesmo existe um manancial inesgotável de onde brota a Palavra. Logo vêm as veredas de gozo e Vida eterna que foram cantados pelo salmista: “Me fizestes conhecer caminhos de vida; me enchereis de gozo com tua presença”.

Desde que ao anunciar a Boa Nova proclamou Jesus na Galileia que o “Reino de Deus está próximo”, o único caminhar do homem que busca no evangelho consiste em um fiel crer para que seus olhos que olham aprendam a ver com a fé. A tal homem já não o atormenta a necessidade de buscar, pois já encontrou, e sua única oração consiste em “dar-se conta” da presença de Deus, próximo, e que é sua própria essência semeada nele ao nascer. Assim poderá dizer como o profeta Abraão: “Sempre andava na presença do Senhor”.

Com os passos da “presença” cresce e se fortalece a consciência do homem novo, transcendental e se enche de sabedoria, pois a graça de Deus está sobre ele. É esta sabedoria a qual serve para desprender-se a carga que até então levou sobre si. A conservava porque acreditava que aquela carga era o si mesmo e, portanto, valiosa, imprescindível. Do ato necessário de desprender-se da carga, de vender tudo o que se tem, há menção em todos os lugares paralelos evangélicos e convém prestar-lhe atenção. Com isto não somente se faz referência a uma entrega generosa de bens materiais, senão em especial a um ato de humildade e conhecimento. A carga ou tesouro mundano do qual há que desprender-se reúne todos aqueles conteúdos da consciência sobre os que se apoia o “ego natural” — o adversário — quando afirma eu sou, em seu mesquinho cenário individual. Entregá-lo inteiro é um supremo ato de fé.

O andar na “presença”, exige um coração enamorado que sabe colocar seu tesouro na Palavra. Quando ocorre que o coração está vazio, então, a “presença”, livre de obstáculos, se converte na torrente da “vinda do Senhor” (Vinda do Filho do Homem).

É então a hora do homem universal, do cumprimento na unidade segundo a oração sacerdotal de Jesus ao Pai: “Que sejam um como nós somos um”. É a hora do conhecimento perfeito, da frutificação completa da Palavra; é a hora dessa “vinda” que movia a exclamar aos primitivos cristãos: “Maran-atha”, o Senhor vem. Ou o que é o mesmo: “Eu estou no Senhor”.