Evangelho de Tomé – Logion 16

Pla

Jesus disse: os homens podem pensar que vim para semear a paz sobre o mundo e não sabem que vim para semear divisões sobre a terra: um fogo, uma espada, uma guerra. Porque haverá cinco em uma casa: três estarão contra dois e dois contra três; o pai contra o filho, o filho contra o pai. E eles se elevarão únicos (monakhos).

JESUS HA DICHO: LOS HOMBRES PUEDEN PENSAR QUE HE VENIDO A SEMBRAR LA PAZ SOBRE EL MUNDO Y NO SABEN QUE HE VENIDO A SEMBRAR DIVISIONES SOBRE LA TIERRA: UN FUEGO, UNA ESPADA, UNA GUERRA. PORQUE HABRA CINCO EN UNA CASA: TRES ESTARAN CONTRA DOS Y DOS CONTRA TRES; EL PADRE CONTRA EL HIJO, EL HIJO CONTRA EL PADRE. Y ELLOS SE ALZARAN UNICOS.

Puech

16. Jésus a dit : Peut-être les hommes pensent-ils que je suis venu pour jeter la paix sur le monde, et ils ne savent pas que je suis venu pour jeter des divisions sur la terre, un feu, un glaive, une guerre. Il y en a cinq, en effet, qui seront dans une maison; trois seront contre deux et deux contre trois : le père contre le fils, le fils contre le père, et ils se tiendront seuls1.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 peut-être les hommes pensent-ils 3 que je suis venu jeter une paix sur le monde, 4 et ils ne savent pas 5 que je suis venu jeter des divisions sur la terre, 6 un feu, une épée, une guerre. 7 Car il y en aura cinq dans une maison, 8 trois seront contre deux 9 et deux contre trois; 10 le père contre le fils, 11 et le fils contre le père, 12 et ils se dresseront solitaires.

Meyer

(1) Jesus said, “Perhaps people think that I have come to impose peace upon the world. (2) They do not know that I have come to impose conflicts upon the earth: fire, sword, war. (3) For there will be five in a house: there will be three against two and two against three, father against son and son against father, (4) and they will stand alone.”2

Mt 10,34-36

34 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. 35 Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; 36 e assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa.

Lc 12,49-53

49 Vim lançar fogo à terra; e que mais quero, se já está aceso? 50 Há um baptismo em que hei de ser baptizado; e como me angustio até que venha a cumprir-se! 51 Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas antes dissensão: 52 pois daqui em diante estarão cinco pessoas numa casa divididas, três contra duas, e duas contra três; 53 estarão divididos: pai contra filho, e filho contra pai; mãe contra filha, e filha contra mãe; sogra contra nora, e nora contra sogra.


Suarez

LOGION 16

Mt 10.34-36 / Lc 12.51-53

La tentation chez les canonistes d’amplifier le texte originel par des emprunts à l’A.T. se trouve vérifiée une fois de plus dans les textes correspondant au présent logion. Le logion se dispense d’énoncer l’état des personnes qui sont divisées au sein d’une même famille. Par contre les rédacteurs des canoniques ont une occasion toute trouvée en Mi 7.6 de céder à l’inflation verbale. En effet, on lit chez le prophète : Le fils insulte le père, la fille se dresse contre sa mère, la belle-fille contre sa belle-mère…

L’ajout que la S.J. croit discerner au sujet du v. 52 de Lc doit être, au contraire, spécialement pris en considération eu égard au texte de Ts. Par ailleurs le verbe jeter de Mt que la S.J. donne comme un verbe sémitisant doit être considéré à tout prendre comme un verbe coptisant (cf. 73.5 n et 247 a).

Roberto Pla

Com termos paralelos e alguns pontos complementares se acha este logion em dois evangelhos canônicos e no profeta Miqueias. Segundo o sentido manifesto parece referir-se Jesus às dificuldades que o conhecimento da Boa Nova pode ocasionar no seio de uma família de cinco membros, mas uma observação algo mais cuidadosa permite descobrir que a divisão ou guerra familiar de que fala aqui, com a surpreendente menção da sogra e da nora, nunca pode constituir o fundamento ou propósito da vinda de Jesus. Tal interpretação é sem dúvida errônea, a mais pueril, e deve ser rechaçada.3

Entendida em seu sentido oculto observa-se que a composição quinária que aqui se propõe para os habitantes da casa, é numericamente igual à que em tempos do AT apontou Miqueias, assim como é idêntica a desintegração que na família se produz, pelo que não é isto imputável ao Jesus neotestamentário, senão enquanto Cristo “oculto” e eterno como Senhor de cada homem desde o princípio dos tempos. O relato parece responder a uma descrição analítica do homem total e do processo que nele sobrevém por causa da semeadura da Palavra, enquanto este homem é a casa pessoal, ou morada comum e unitária de uma consciência.

Os agentes divisionários que o logion menciona são três: o fogo, a espada e a guerra. Acerca da natureza do fogo, que não é outro que o do conhecimento espiritual que como segundo batismo traz Jesus sobre a terra, já estamos informados no estudo do [Evangelho de ToméLogion 10].4). A guerra não é outra coisa mais que a conflagração que enfrenta às diferentes formas de consciência que integram o quinário do homem total. Quanto à espada, sua importância ativa lhe concede Mateus ao ser este o único agente de dissolução que ele menciona e também por sua antiguidade, já que para encontrar a origem da significação há que retroceder à “chama de espada vibrante”, posta por Deus, segundo o Gênesis, para guardar o caminho que leva à Árvore da Vida (Gn 3,24).

[…]

Este texto toca um dos mistérios mais guardados pelo povo judeu e pelos primitivos cristãos, segundo pode coligir-se pela precaução em que se envolvem os escassos textos figurados em que deles se fala. No entanto há que celebrar a razão de Mateus por não omitir a espada em sua versão do logion, dado que esta, a espada, é o divisor mais poderoso do quinário humano. A Palavra de Deus cumpre com seu fio penetrante uma função que deve ser executada inexcusavelmente antes de cruzar a porta do Paraíso. A Palavra penetra como uma revelação interior, justamente na fronteira entre o espírito e a alma, e define aos dois habitantes superiores da casa: um, o eleito e o outro, o chamado. Estes são o filho e a filha no relato, ou o Esposo e a Esposa na longa noite do místico, quando na fronteira da alma, esta “busca e não encontra”5), invadida pela grave nostalgia e agonia de não saber porque nem onde.

A alma, a filha, é a voz que aparece dia e noite na consciência do homem, até o ponto que parece ser identificável como o próprio homem; o espírito, o filho de Deus, que vem de Acima, embora seja a essência eterna e portanto o homem verdadeiro desnudo, permanece a consciência do homem comum como um grande desconhecedor. Se diz que o filho busca sempre a luz, ou que está sempre nela, pois de seu tecido está feito, e que a alma vai sempre até a justiça, desde onde é chamada. Estes são dois caminhos paralelos, e que por tal razão não podem se encontrar até que a Palavra de Deus seja recebida e acolhida com tanto amor que se o permita discernir como espada flamejante e penetrante “até as juntas e medulas” que persistem na alma. Quando tal coisa ocorre — e a espada aparece então como chama viva, fervente — se produz uma cisão decisiva na alma: de um lado, junto ao filho, ficará a parte da alma enamorada da justiça e já “purgada como a prata”. Por outro lado, bem enraizados, ainda que mortais, na consciência, nos sentimentos e pensamentos vindos do coração ou da carne e que estão agregados à alma como um tênue vestido do desejo. Esta é a predestinação de todas as almas, segundo o plano de Deus, e por esta razão quando o ancião Simão profetizou sobre Maria como se ela fosse a alma de todos, lhe disse: “sim, e uma espada transpassará a tua própria alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.” (Lc 2,35)

A cisão da alma consiste em que de um lado está posto o grão e do outro a palha; mas como a consciência não sabe que a palha é palha, mas que somente recebe os sentimentos e pensamentos, chega a identificar-se totalmente com estes sem chegar a discriminá-los como palha. Esta identificação é tão forte e intensa que chega a criar com toda esta palha uma irmã bastarda que confunde com sua própria identidade, quer dizer, que crê que é ela mesma.

[…]

É certo que ambas irmãs tem como obra comum o enfrentamento com sua mãe, a qual dá, desde o princípio, à alma, seu sustento de natureza hílica, de matéria, de corpo segundo a carne; mas ocorre que a filha se aparta de sua mãe quando se fortalece nela o desígnio de alcançar a justiça. Por outro lado, a irmã bastarda à qual o logion denomina “nora”, só busca roubar sua mãe, que para ela é sogra, todos os bens temporais que, como natureza, possui; ela interpreta que tais bens são tesouros verdadeiros e o movem a cobiça.

Falta conhecer o quinto personagem da casa, o pai. Há que recordar que o filho, a Palavra, é a luz verdadeira. Se conta da Palavra que “veio a sua casa, aos seus, mas não todos a receberam”. Daí vem o enfrentamento do filho com todo aquele que resiste em receber a luz e que se resume no pai deste mundo, como essência temporal. No interior da casa, a consciência recebe as mensagens do filho, que são centelhas de luz; mas tais centelhas são mortíferas para os desígnios temporais deste pai exterior da casa. Estes desígnios são tidos, até certo ponto, pela consciência, como filhos da predestinação por quanto regem as respostas da temporalidade ao conjunto das tendências da alma, em uma forma que recorda o plano de Deus.

Assim se completa este primeiro reconhecimento da antiga divisão de “três contra dois” trazida por Jesus sobre a terra. de um lado estão nesta divisão a nora, a mãe-sogra e o pai, representantes na casa de tudo aquilo que há de passar e que são, por essa mesma condição de ser tempo para a morte, os verdadeiros “inimigos do homem em sua casa”. Do outro lado estão o filho e a filha, a partir de então unificados, ao final, feitos um só no banquete de bodas da Vida eterna da Luz.


  1. Litt. : « ils se tiendront étant monakhoï » (au singulier dans le texte copte, monakhos), terme ne pouvant être rendu qu’approximativement et signifiant tout aussi bien « seul », « solitaire », « isolé », « célibataire », « continent », « unique ou unifié », « ramené à soi-même et à l’unité ». 

  2. Or “as solitaries” (Coptic monakhos). Cf. Matthew 10:34–36 (Q); Luke 12:49 (Q?), 50, 51–53 (Q). 

  3. O que impera no legado de Jesus é o vínculo de família espiritual. Mas isso não testemunha que haja na semeadura de Jesus um propósito deliberadamente desagregador da família segundo a carne. Por outra parte, o testemunho de Miqueias não pode ser uma profecia da tal obra divisionária de Jesus. 

  4. Lucas não menciona o fogo, neste logion, mas delata conhecê-lo como causa da divisão quando situa este logion em continuação de seu antecedente real direto, no qual diz: “Vim lançar um fogo…” (Lc 12,49 

  5. De noite, em meu leito, busquei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, porém não o achei. (Ct 3,1